sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Primeira aproximação às angústias do Presidente da Câmara da Póvoa do Lanhoso

O legislador, a propósito das regras da acção de impugnação consagrou 4 pressupostos específicos:

(i)                  Impugnabilidade do acto;
(ii)                Legitimidade;
(iii)               Interesse em agir;
(iv)              Oportunidade.

O primeiro pressuposto é a impugnabilidade do acto. O art. 51º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (adiante CPTA) estabelece dois critérios autónomos. Em primeiro lugar, é necessário que se trate de um acto com eficácia externa, isto é, susceptível de produzir efeitos. Depois, exige-se que se trate de um acto susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
Na hipótese, a deliberação camarária de instalação do referido aterro é susceptível de produzir efeitos, desde logo, a construção do aterro e é também um acto susceptível de interferir com direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, desde logo o direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida, previsto no artigo 66º da Constituição da República Portuguesa.

O segundo critério é o da legitimidade. O artigo 55º estabelece regras especiais para a modalidade especial de acção de impugnação, que de certa forma complementa o que se encontra nos artigos 9º e 10º do CPTA, pelo que importa atender a todas essas realidades. Nesta matéria importa especificar que o artigo 55º de alguma forma arruma a matéria de forma diferente do artigo 9º, mas não cria novas partes.
Em sede do artigo 9º do CPTA (legitimidade activa), importa distinguir se estamos perante uma acção popular ou uma acção jurídico-subjectiva. O critério para que estejamos no âmbito da acção popular é que o autor não tenha um interesse directo na demanda.
Ora, nesta hipótese, parece-me que estamos perante uma acção jurídico-subjectiva, uma vez que o autor age para tutelar o seu direito ao ambiente e qualidade de vida. No direito francês costuma-se referir a questão da legitimidade como uma qualidade situacional do sujeito, uma vez que o que é fundamental averiguar é se o particular naquele caso concreto estava numa posição que lhe permitia pretender algo. Assim, no caso, Anacleto tinha interesse em agir uma vez que o aterro sanitário estava prestes a ser inaugurado junto da sua propriedade, prejudicando particularmente o seu direito a um ambiente sadio e equilibrado.

O presidente da Câmara Municipal alega que Anacleto não teria legitimidade em primeiro lugar por não haver nenhum direito seu afectado, uma vez que o aterro se localizava a 1km da sua quinta. Neste ponto teríamos de averiguar se o aterro, ainda que se encontrasse a 1km de distância da quinta de Anacleto, interferia com o seu bem-estar e até com o seu direito de propriedade, uma vez que um aterro sanitário nas proximidades da quinta se poderá traduzir numa desvalorização da mesma, numa diminuição do seu valor de mercado. 

O presidente da Câmara levanta ainda um outro problema que é o da possibilidade de ter havido uma aceitação do acto administrativo por parte de Anacleto. 
Importa aqui atender ao art. 56º CPTA, que implica necessariamente a perda de legitimidade em caso de aceitação expressa ou tácita do acto da Administração.
O professor Vasco Pereira da Silva é extremamente crítico relativamente a esta solução legal, por considerar que o legislador, tendo-se baseado no Processo Civil, poderá ter ido longe de mais, ter dito mais que aquilo que quereria dizer.
Ora, se existe um direito fundamental de impugnação indisponível garantido na nossa Constituição, há alguma dificuldade em aceitar que o particular vá renunciar a isso. Mesmo a aceitação expressa, no entendimento do professor Vasco Pereira da Silva, não terá uma aplicabilidade total, uma vez que só deverá ser admitida quando esteja em jogo um direito disponível. Se o professor apresenta reservas relativamente à aceitação expressa, no que respeita à aceitação tácita apresenta ainda mais. Acresce que a Administração goza de poderes de execução das suas decisões, pelo que não será por o particular sofrer os efeitos dessas decisões na sua esfera jurídica que se estará necessariamente a conformar com elas.
Acresce, ainda, que há um outro problema: ainda que se admita que esta aceitação possa valer, o que está em causa não é a legitimidade de que fala o legislador. O que estará aqui em causa é, isso sim, o pressuposto do interesse em agir.
Assim, não parece de admitir que a aquisição daquela propriedade contígua ao aterro por parte de Anacleto consubstancie uma “aceitação tácita” da sua parte, e muito menos que se possa daí concluir pela falta de um pressuposto processual e consequente improcedência da acção. Até porque para tal seria fundamental, nos termos do art. 56º/2 CPTA que o acto (aquisição da propriedade) fosse incompatível com a vontade de impugnar. Ora, muito pelo contrário, como Anacleto passa a ser proprietário de duas propriedades naquela zona, o seu interesse em agir sairá até reforçado porque passa a haver duas propriedades que irão ser afectadas.

Relativamente ao interesse em agir, o legislador estabeleceu no artigo 39º do CPTA o interesse processual a propósito das acções de simples apreciação. O professor Vasco Pereira da Silva entende que este interesse processual existe em qualquer meio processual e em qualquer pedido, sendo precisamente esse interesse processual que aparece aqui e no art. 56º CPTA.

No que respeita aos prazos está em jogo o critério da oportunidade.
Na questão dos prazos de impugnação o legislador vai estabelecer regras que têm a ver com a ponderação de interesses de todas as partes. Tendo em conta que está em causa uma actuação da Administração Pública, é razoável que esta questão não esteja em dúvida durante um período indeterminado de tempo. Esta é uma daquelas situações em que a segurança acaba por introduzir alguma limitação à ideia de justiça.
O não exercício do direito dentro dos prazos implica, em regra, que o particular já não possa exercer o seu direito contra aquele acto nos precisos termos em que poderia naquele período. O legislador estabeleceu um prazo entre os 3 meses e 1 ano para a propositura da acção, prevendo no art. 58º/4 CPTA a possibilidade de o particular intentar a acção dentro desse prazo de 1 ano verificando-se uma das razões justificativas desse preceito.
O legislador não estabelece nenhum efeito para este decurso do prazo, não estabelece nenhuma cominação. Este efeito, para o professor Vasco Pereira da Silva, só pode ser um efeito processual. Isto significa que o particular que queira impugnar um acto deixa de poder impugnar aquele acto mas não perde o direito a tutelar os seus direitos que são tutelados por aquele acto. Há que interpretar aquela norma como uma norma exclusivamente processual sem efeitos substantivos. Se repararmos bem, o próprio artigo 38º CPTA consagra esta ideia. Ao fim de um ano o acto já não pode ser impugnado mas o particular pode vir pedir a responsabilização civil da Administração Pública ou pedir a tutela de outros efeitos afectados por aquele acto no âmbito de uma relação jurídica duradoura.

Na hipótese, o aterro já tinha sido construído (a notícia é relativa à sua inauguração), pelo que Anacleto terá interesse não apenas em pedir a anulação da deliberação camarária, mas também em pedir a condenação da Administração à adopção dos actos necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado. Esta faculdade é-lhe atribuída pelo artigo 47º/1 e 2 b) do CPTA, onde se prevê precisamente a cumulação de pedidos.

Uma última nota relaciona-se com o facto de a Administração ter o ónus de contestar sendo que, se não o fizer, o juiz vai entender que a Administração se conforma com as pretensões do particular. Assim, naturalmente, aquela informação prestada ao jornal não produziria qualquer efeito ao nível do processo.


Rita Pereira de Abreu
140111082

Providências Cautelares: Breve reflexão sobre a influência do artigo 121.º do CPTA na revisão do CPC de 2013


Providências Cautelares: Breve reflexão sobre a influência do artigo 121.º do CPTA na revisão do CPC de 2013

As providências cautelares destinam-se a salvaguardar a utilidade da sentença a proferir numa acção administrativa comum, em que tenha sido suscitado um pedido de condenação à abstenção da prática de uma actuação administrativa. Esta tutela preventiva, seja a título principal seja a título cautelar, só é admissível em casos de fundado receio de violação de normas de direito administrativo.
Dentro da matéria das providências cautelares prevê o artigo 121.º do CPTA que, quando seja manifesta a urgência na definição resolutiva do caso e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal, transformando de certa maneira assim o que se tratava de uma decisão cautelar na decisão principal.
Estando o tribunal em condições de julgar os factos previamente, uma vez que tem todos os elementos necessários para o efeito, faz sentido esta antecipação da decisão principal por razões de economia processual. Penso que foram estas mesmas razões que levaram a revisão do Código de Processo Civil de 2013 a adoptar solução semelhante para o direito processual civil. Assim, no Código de Processo Civil surge em 2013 a figura da Inversão do Contencioso, no artigo 369.º do CPC. Esta norma dispõe no seu número 1. que “Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio”. Isto trata-se de uma forma de antecipar uma decisão principal na sequência de uma providência cautelar. Podemos observar aqui então uma solução bastante semelhante à consagrada pelo artigo 121º do CPTA quanto à matéria das providências cautelares na esfera do direito administrativo.
Então, na minha opinião, o legislador da revisão do CPC de 2013, procurando uma cada vez maior economia processual, de modo a tornar mais rápido todo o processo, inspirou-se assim no artigo 121.º do CPTA para criar figura semelhante no Processo Civil. Vejo então o artigo 121.º do CPTA como uma provável influência na criação da figura da Inversão do Contencioso.


Armando Evangelista da Cruz Maria, 140111077

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Caso Prático 2

Recentemente chegado de viagem prolongada ao estrangeiro, o Dr. Anacleto, conhecido jurista da nossa praça, tomou conhecimento com a leitura do jornal Jornal Farpas, da notícia segundo a qual o presidente da Câmara Municipal da Póvoa do Lanhoso se prepara para inaugurar aterro sanitário nas proximidades de uma quinta de que é proprietário o mesmo Dr. Anacleto. Indignado, o Dr. Anacleto pretende reagir contenciosamente contra a deliberação camarária de instalar o referido aterro junto a propriedade sua. Para além da anulação do acto invoca também o direito à reparação dos danos patrimoniais entretanto sofridos. o presidente da Câmara Municipal sustentou em informação prestada ao jornal que  o interessado já ultrapassou o prazo legal de impugnação dos actos administrativos e que, mesmo que assim não fosse, nunca teria legitimidade  para propor a acção na medida em que o aterro sanitário se encontra a mais de 1 km de distância da sua propriedade. Alega ainda ser evidente que o Dr. Anacleto aceitou o acto administrativo praticado na medida em que já depois de ter tido conhecimento da sua emissão, adquiriu outra propriedade contígua ao aterro. Em desabafo, concluiu o Presidente da Câmara, que estão apenas a querer prejudicar o povo da Póvoa do Lanhoso.

Quid iuris?

Caso Prático 1

O Ministro da Saúde nomeou recentemente para o cargo de presidente da Autoridade Nacional de Saúde o Dr. Aleixo. Profundamente indignado com esta promoção ficou o Dr. Barata, que alega ter sido perseguido arbitrariamente pelo primeiro, quando anteriormente exercia funções no mesmo cargo. o Dr. Barata pretende impugnar o acto de nomeação do Dr. Aleixo, invocando, para o efeito, várias ilegalidades do acto de nomeação, entre as quais a falta de fundamentação.

a) Aprecie a legitimidade processual do Dr. Barata.

b) Em resposta à impugnação do acto de nomeação, o Ministro da Saúde, por intermédio dos serviços jurídicos do ministério, alega que o seu despacho se limitou a homologar o acto de nomeação já praticado, há três meses, pelo director-geral da saúde. Poderá, ainda assim, ser impugnado o despacho do ministro?

terça-feira, 28 de outubro de 2014

A legitimidade e o método "repetitivo-pedagógico"

      A legitimidade processual é um dos pressupostos processuais específicos do Contencioso Administrativo. E dando já uma pequena nota, o professor Vasco Pereira da Silva considera que é inadequado o fato de a lei não ter procedido a uma diferenciação efetiva do que era comum e do que era especial – repetindo, a propósito de cada um dos meios processuais, o que já antes tinha sido dito a propósito dos termos gerais, não se acrescentando nada de novo. 
            Este pressuposto é relativo aos sujeitos que figuram como partes no processo, e constitui o elo de ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual, destinando-se a trazer a trazer a juízo os titulares da relação material controvertida no intuito de dar sentido útil às decisões dos tribunais.
          O artº 55.º/1 a) do CPTA fixa como critério especial de aferição da legitimidade processual ativa dos particulares para a impugnação de atos administrativos a expressão “ser titular de um interesse pessoal e direto”. Trata de apurar o sentido da atividade dos particulares para impugnação de atos administrativos. 
         Analisando o artº55 do código do processo administrativo há que considerar que estão elencados um número de diferentes atores processuais, nomeadamente, sujeitos privados que podem ser: 
a) os indivíduos que possuem um interesse direto e pessoal na demanda, o qual resulta da alegação da titularidade de um direito subjetivo (noção ampla de direito subjetivo que engloba os direitos subjetivos e interesses legítimos e interesses difusos);
b) as pessoas coletivas privadas-  O Prof. Vasco Pereira da Silva é crítico quanto a esta opção legislativa pois, atualmente, a noção de pessoa colectiva não está em condições de funcionar como único sujeito de imputação de condutas administrativas devido à complexidade da organização administrativa e também ao facto de as atuais relações administrativas serem multi-laterais. Contudo, na prática, o Professor admite que, através da referência que é feita ao órgão no art.10.º/4 e ao determinar não existir qualquer irregularidade quando se verifica a indicação do "órgão que praticou ou deveria ter praticado o ato" (art.º78.º/3), o legislador consagra a possibilidade de tanto as pessoas colectivas como os órgãos administrativos serem sujeitos processuais; 
C) os sujeitos públicos – pessoas coletivas públicas e órgãos administrativos; 
D) e o autor popular nas suas duas vertentes – a genérica, que remete para o artº9 e que engloba os particulares e pessoas coletivas atuando para a defesa da legalidade e interesse público, independentemente de possuírem interesse direto na demanda; e a de âmbito autárquico, segundo a qual qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos é permitido impugnar as deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado. 

           A previsão da ação popular genérica engoliu a previsão da ação de âmbito autárquico. Assim, nada de novo foi acrescentado pelo legislador , apenas se consagrou uma repetição do já desenvolvido no intuito de segurança jurídica, referida pelo Professor como o método “repetitivo-pedagógico”. 

E) E por último aparece como sujeito o Ministério Público que é titular do direito de ação pública – cabendo-lhe atuar a titulo institucional para a defesa da legalidade e do interesse publico. 
O artº55 regula a legitimidade estabelecendo regras especiais, que completam o que está no artº9/10 – não há alterações ao regime geral (reforma da reforma). 
           
          A finalidade última deste pressuposto processual no Contencioso Administrativo é que haja uma efetiva tutela a quem quer que se lhe dirija - não apenas os indivíduos em defesa dos seus direitos e interesses, mas também outros sujeitos que de alguma forma sejam afectados pela prática ou omissão do ato administrativo.



Um breve olhar sobre o Contencioso no Estado Pós-Social

A constitucionalização e europeização do Contencioso Administrativo surgem numa altura em que se começa a falar na crise do Estado-providência e se produz a passagem para o Estado Pós-social. De facto, começa a ser evidente o esgotamento do estado providência, que cada vez mais se demonstra incapaz de dar resposta aos mais recentes problemas colocados pela evolução da sociedade.
O constante aumento das contribuições dos indivíduos para o Estado que, muitas vezes, parece ser mais do que proporcional às prestações dele recebidas, o que muitas vezes gera sentimentos de injustiça e desconfiança e deteriora a relação estado-particular, que tanto relevo assume no vida do contencioso administrativo.
A acrescentar ao que foi supra referido, numa altura em que se exigia um Estado dinâmico e flexível,temos assistido, no que ao contencioso diz respeito, a uma intervenção deficitária e por vezes pouco económica dos órgãos estaduais, transformando o processo decisório em algo burocrático e excessivamente pesado e moroso, tanto para os tribunais como para os particulares.
O surgimento do Estado Pós-social tem consequências ao nível da Administração Pública, tanto a nível objectivo como subjectivo, vejamos: de um prisma objetivo, um estado renovado,compreendido à luz de um novo paradigma, traz consigo novas tarefas que o estado tem de desempenhar, com vista a satisfazer as necessidades públicas. De um ponto de vista subjectivo, é necessário alterar as formas de organização das administrações públicas, por forma a que estas sejam capazes de desempenhar as novas tarefas que o estado abraça.
O Estado Pós- social introduz uma nova lógica na actividade administrativa: a actuação estadual passa a ser infra-estrutural e o trabalho realizado visa organizar não tanto o presente, mas o futuro. Com o apoio dos particulares, o estado fica responsável por criar infraestruturas que permitam às entidades privadas prosseguir a actividade administrativa e o bem comum, sob fiscalização pública. Neste contexto a  figura das parcerias público-privadas começa a assumir um papel importante na realização e prossecução do interesse público, ao mesmo tempo que o estado deixa de ser produtor de bens e serviços(como ocorria até então), e passa a ser regulador do processo de mercado.
O estado infra-estrutural é também um estado multilateral: as decisões administrativas, que antes diziam respeito apenas ao particular e ao órgão decisório, passam a produzir efeitos susceptíveis de afectar um grande número de sujeitos. Assim, passam a existir decisões individuais que afectam terceiros fora da relação jurídica, como é o caso das autorizações administrativas, que deixam de ser consideradas actos singulares pelos efeitos que produzem em relação a outros indivíduos.
A questão que agora se coloca é a de saber em que medida é que os direitos subjectivos públicos podem ser lesados através da repercussão imediata dos actos administrativos acima referidos. Nascem assim direitos subjetivos novos, os chamados "direitos de terceiros".
O acto administrativo com eficácia múltipla é, de facto, uma inovação do estado pós-social, em consequência das relações complexas do estado planificador e dirigente do futuro. O carácter especial destes actos encontra-se na relação jurídica que estes têm por base: na mesma relação encontram-se a Administração Pública, os destinatários do acto e os terceiros por ele afectados. Assim nasceram as relações complexas da administração moderna.


Tiago Almeida, aluno nº 140111013

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Dislexia Legislativa

- Considerações acerca da dicotomia entre acções especiais e acções comuns -
- no Processo Administrativo -

Qualquer pessoa tem os seus defeitos e as suas pequenas particularidades que tanto o distinguem quanto dão graça à sua personalidade. É o caso de quem aponta para a esquerda e indica “direita”, de quem continua sem ter resposta automática para que mês vem primeiro – julho ou junho? – ou ainda de quem, insanavelmente, continua a chamar melão à meloa.
Outros casos há em que a troca efectuada é demasiado grave para se deixar passar sem avaliação profissional. Surge-nos a dislexia. A dislexia é uma perturbação que se manifesta numa dificuldade nos processos de descodificação fonológica e lexical. Resulta, de entre outros factores, de alterações neurobiológicas na forma como o cérebro processa a informação linguística, e de alterações em domínios neuropsicológicos que conduzem a um conjunto significativo de alterações na leitura e escrita.
Ora, é precisamente neste contexto que nos cabe diagnosticar o legislador português que tão pacificamente, e quiçá pensando que ninguém notaria, teima em chamar de “especial” ao que é comum, e “comum” ao que é especial. Estamos pois a referir-nos às acções administrativas que, até agora irremediavelmente, foram baptizadas com um nome que não é o seu.
Mas comecemos pelo princípio.

Encontra-se consagrado no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa o direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Tal direito é igualmente o princípio fundamental de organização do Contencioso Administrativo. Este princípio da tutela judicial efectiva encontra-se também presente no artigo 2.º do Código de Processo Administrativo (doravante CPA), e corresponde tanto ao direito a obter, em tempo útil, uma decisão jurídica favorável, como ao direito a uma justiça material, que se pronuncie sobre o mérito das pretensões formuladas, não se limitando a uma mera apreciação formal do litígio.
É na tarefa de reforma e actualização do Contencioso Administrativo que o legislador, tomando em consideração o referido direito-princípio, se vê perante as alternativas de, primeiro, criar tantos meios processuais quanto os efeitos das sentenças, ou, segundo, unificar todos os meios processuais independentemente dos pedidos ou dos efeitos das sentenças.
A escolha foi feita e optou-se pela unificação, consagrando-se, consequentemente, uma dicotomia de meios processuais entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial. Resta agora saber qual o seu critério de distinção.
Comparando os artigos 37.º e 46.º do CPA, parece que o critério tomado pelo legislador reformador foi o de considerar que pertencem à acção administrativa comum todos os litígios administrativos não especialmente regulados, e que pertencem à acção administrativa especial os processos relativos a actos e a regulamentos administrativos.
Pergunta-se se a lógica não estará invertida. Afinal, entende-se por “especial”, linguisticamente falando, algo que é particular, relativo a determinado aspecto, peculiar ou mesmo fora do comum. Acontece que aqui, aquela que é chamada de “acção especial” é de facto a acção mais comum, tanto no sentido de ser mais frequente, uma vez que representa a esmagadora maioria dos casos que se colocam no quadro do processo administrativo, como no sentido de ser aquela que mais caracteriza o Contencioso Administrativo.
Parece que esta dicotomia tem subjacente uma visão fechada e já muito ultrapassada daquele que é o Contencioso Administrativo, e que nos faz entrar naquele que é o domínio neuropsicológico dos traumas da sua infância difícil.
Recuamos então ao tempo do administrador-juiz, onde os poderes da entidade controladora estavam limitados à anulação dos actos administrativos. Aí, a ideia de poder administrativo justificava regras excepcionais, traduzidas numa acção especial a que corresponderia a tal ideia de um contencioso de mera anulação. No entanto, hoje, já se considera que os tribunais administrativos são verdadeiros e próprios tribunais, que devem ter por critério e medida os direitos dos particulares. Deixou de fazer sentido uma qualquer limitação dos poderes do juiz, uma vez que a própria reforma do Contencioso Administrativo vem afastar estas limitações.
Se assim é, e se a acção administrativa especial permite tanto a anulação de actos como a condenação na prática de actos administrativos devidos, não se entende onde reside a especialidade.
Mais se diga que o outro evento traumático, de concepção do Direito Administrativo como um conjunto de exceções ao Direito Civil, e da qual resultada a ideia de especialidade do Direito Administrativo, se encontra também ultrapassado uma vez que a Administração, enquanto Prestadora e Infra-estrutural, passou a ser considerada autonomamente, e como tendo regras e valores próprios.
Vistas bem as coisas, percebemos que não faz qualquer sentido manter esta esquizofrenia de meios processuais, uma vez que não se mantém já as razões para tal.


Em conclusão, cumpre-nos deixar para reflexão a ideia de que, com a ampla possibilidade de pronúncia dos tribunais administrativos, seria de pensar que os complexos traumáticos da infância do Contencioso Administrativo se vissem superados, mas são estas pequenas demonstrações, sob forma de dislexia legislativa, que nos mostram todo o recalcamento que permanece associado à evolução do nosso Contencioso, e que ainda hoje perpetua. 

Inês Metello - 140111090

Juiz aprecia a legalidade ou pode apreciar o mérito das decisões?

Classicamente, a lógica do controlo da Administração Pública era a de que a mesma seria apenas limitada pelo Princípio da Legalidade. Nesta altura o Princípio da Legalidade era apenas entendido na sua dimensão negativa, isto é, em termos muito estritos, sendo que a legalidade corresponderia apenas à lei em sentido formal. 

Nos dias de hoje, o Principio da legalidade, além da sua dimensão negativa, é também entendido como tendo uma dimensão positiva, isto é, é aceite, além da lei em sentido formal, a lei em sentido material o que quer dizer que a lei serve de fundamento, critério e limite da actuação da administração. 

No plano do contencioso este novo entendimento da legalidade teve um impacto sobre o que juiz pode ou não conhecer. O juiz deve conhecer do cumprimento do direito, da ‘mera legalidade’, mas pode ir um bocadinho além disso. Houve uma ligeira abertura para o controlo do poder discricionário da Administração, ou seja, da escolha que fez no caso concreto, muito embora o juiz não possa intervir na esfera de decisão da Administração, que lhe continua reservada. No fundo isto não quer dizer que o juiz possa dizer que esta decisão é melhor ou pior que aquela, não controla à partida do mérito, mas no quadro da legalidade o juiz pode controlar a integralidade da decisão administrativo e como no quadro das escolhas ela cumpriu ou não as opções constitucionais. Isto significa assim que é cada vez maior a exigência que a lei coloca à Administração Pública.

Como já se disse anteriormente, a regra geral do nosso contencioso é a de que os tribunais apenas julgam da legalidade não tendo em conta as questões de mérito. O sentido da legalidade é definido no artigo 3º do CPA que adopta esta visão ampla de legalidade que significa obediência à lei e ao direito. Não é apenas à lei, é o direito na sua totalidade, o que significa que a lógica da legalidade se abre ao direito constitucional, ao direito internacional, aos regulamentos administração, à própria actuação da administração porque há vinculações que a administração está obrigada e estas vinculações não resulta apenas da lei em sentido formal ou em sentido material. Mais do que a subordinação à lei, a administração está subordinada ao direito no seu conjunto.


Existem no entanto duas excepções previstas no nosso ordenamento jurídico:

  • Os tribunais podem excepcionalmente fixar sanções pecuniárias no processo declarativo, artigo 66º nº3 - permite-se a antecipação das sanções para o processo declarativo. Aqui o tribunal não está a determinar se o direito aplicável foi efectivamente aplicado, está a conhecer antes de uma questão de oportunidade, de determinação do momento do cumprimento da sentença na fase declarativa.


  • Emissão de sentenças substitutivas - o tribunal pode determinar que na sentença que a Administração terá que agir desta ou daquela forma. Mas isto não seria retornar aos tempos do pecado original em que estávamos perante um Juiz-Administrador e colocar assim em perigo a separação entre a Administração e a Justiça? Não parece que assim seja dado que o tribunal apenas pode emitir estas sentenças substitutivas quando a sentença declarativa não seja executada voluntariamente por parte da autoridade administrativa e, mais importante que isso, quando estão em causa poderes vinculados. 



Catarina Nunes 140110156
Monica Simões 140110144
Guilherme Gaspar 140110054

domingo, 26 de outubro de 2014

Acção de Impugnação - o pressuposto da Impugnabilidade

Relativamente aos pressupostos específicos da acção de Impugnação, um deles é a Impugnabilidade e encontra-se previsto e regulado nos artigos 51º e seguintes.
O nosso legislador decidiu estabelecer no artigo 51º dois critérios distintos de aferição da Impugnabilidade: critério da eficácia externa e o critério da lesão. É criticada a formulação destes dois critérios do artigo 51º - não se trata de um critério menor e outro maior, mas de dois critérios distintos com objectos diferentes. O critério mais amplo nem é o da eficácia externa, mas o critério da lesão (contrariamente ao que parece resultar da norma do artigo 51º).
O legislador de 2004 quis introduzir alterações significativas nesta matéria e portanto resolveu mostrar que aquelas características que antes se usavam para caracterizar o acto definitivo executório foram afastada:
  •        Afastada a definitividade em sentido horizontal e portanto o particular pode escolher o momento em que pretende atacar a actuação da administração. Qualquer acto é susceptível de ser impugnado em qualquer momento.
  • A norma do artigo 53º vem colocar em causa a Definitividade Material.

Diz-se agora que os critérios de determinação têm que corresponder a um acto que seja exactamente igual e portanto a ideia de definitividade material perde importância. Mesmo quando há definição de direito, ela não vale para efeitos processuais. Só não pode impugnar se o acto for exactamente igual. Vem se dizer que o que releva é a lesão e não o critério da definição de direito.
  •   Em relação à definitividade vertical – se olharmos para o artigo 51º e ss não se faz qualquer referencia à necessidade de o acto ter que ser praticado por órgão de topo da hierarquia. Anteriormente, havia uma previsão processual que dizia que só depois de ter havido Recurso Superior Hierárquico é que podia haver impugnação contenciosa – no nosso CPTA actual não existe nenhuma exigência deste tipo.

Vamos analisar de forma mais cuidada este último ponto, que tem sido objecto de muita discussão na nossa Doutrina e Jurisprudência.
É hoje pacifico que desde 2004 houve uma revogação da regra geral que exigia o recurso superior hierárquico – este recurso hierárquico é agora facultativo.
Professor VPS vai ainda mais longe e entende que este CPTA estatui que em caso algum pode haver este Recurso Superior Hierárquico! Isto resultaria da analise do CPTA e das regras constitucionais. Professor Mário Aroso de Almeida e Professor Freitas do Amaral não afastaram este Recurso Hierárquico quando exista regra especial (ainda que reconheçam que a regra geral tenha sido afastada).
Esta questão não é recente, sendo que a Constituição na sua versão original estabelecia um limite constitucional de acesso à justiça apenas para os actos definitivos e executórios – esta norma desapareceu em 1989.
Principais argumentos de natureza constitucional invocados pelo Professor VPS para sustentar a sua posição – existem muitos outros que permitem “desgastar o oponente na discussão”: a exigência do recurso hierárquico necessário violaria o Principio do Acesso a Justiça (não faz sentido condicionar este acesso à justiça pelo uso ou não uso de uma garantia processual administrativa); separação de administração e justiça, o que significa que não faz sentido condicionar a ida a tribunal pelo facto de não ter ido primeiro à administração; Principio da Desconcentração que divide os poderes de decisão pelos vários órgãos, não faz sentido haver um principio de concentração que exija a pronuncia de um órgão de topo (foi o argumento utilizado a este propósito em Itália); limitação pratica do exercício de um direito de forma excessiva, a desproporção desta exigência implicava dizer que um particular tinha que usar primeiro o recurso hierárquico, o que significava reduzir o prazo de impugnação de 2 meses para um mês.
Ainda hoje o principal problema segundo o Professor VPS é um problema de Inconstitucionalidade de uma exigência como estas: a orientação do Tribunal Constitucional entre 1989 e 2004 era de que essa exigência de recurso hierárquico necessário não era inconstitucional porque o particular não é prejudicado por usar o recurso hierárquico, pelo contrario, até vai beneficiar da suspensão do acto. Onde há inconstitucionalidade é quando o particular não impugnou o acto administrativamente e por isso deixa de poder impugnar judicialmente: não é preciso exigir as duas coisas como pressuposto!
Professor considera que ainda hoje estes argumentos de ordem constitucional são válidos e que o recurso superior hierárquico não é devido em termos constitucionais mas também não é devido em termos legislativos – esse pressuposto só podia estar previsto neste CPTA e não está: o facto de não estar aqui e, para alem disso nem estar em qualquer lei avulsa, permite concluir pela inexistência dessa mesma figura.
Em sentido contrário relativamente ao que tem vindo a defender o Professor VPS, Mário Aroso de Almeida e Freitas do Amaral dizem que o legislador revogou a regra geral do CPTA mas isso não implica que tenha revogado as leis especiais. Professor VPS diz que o argumento é falacioso: se tanto a lei geral como a lei especial prevêem este pressuposto, a lei avulsa em relação a lei geral não seria especial mas seria uma lei que confirmava a regra geral. Para além disso, acrescenta o Professor VPS que o legislador não falava na revogação de normas de procedimento, mas na revogação de normas de processo e portanto não se trata de um problema de revogação mas de um problema de caducidade e consequentemente, não se pode invocar o argumento da revogação. Se ainda por cima dissermos que não há apenas problema legislativo mas também problema constitucional, as normas constitucionais não revogam as regras legais mas caducam. Portanto a consequência desta reforma seria ter afastado todas as exigências de recurso hierárquico (normas gerais e normas avulsas que confirmavam) mas através de uma caducidade!
“O recurso hierárquico necessário tornou-se desnecessário”.
O máximo que poderíamos dizer era que essas normas ainda poderiam ser válidas para as normas anteriores ao novo regime e aqui VPS diz que não pode por razões constitucionais e porque além disso teria que resultar de uma revisão do contencioso administrativo – sendo que essa alteração se encontra neste momento em “lista de espera”.
O novo Projecto de Revisão admite a titulo excepcional o recurso superior hierárquico e cria leis de processo para os casos em que se admite o recurso superior hierárquico. VPS diz que não tem qualquer sentido obrigar o particular a usar primeiro o recurso superior hierárquico – só vai contribuir para uma maior demora do prazo de impugnação e para tornar a justiça ainda mais morosa – porque o que sucede na realidade é na maior parte dos casos o superior hierárquico confirmar a decisão do seu subalterno.
Seria diferente se estas vias de impugnação pudessem ser decididas por uma autoridade independente: é o que sucede com os “tribunals” na Grã-Bretanha.
É um dos aspectos mais criticados no âmbito da “reforma da reforma”: o legislador estabeleceu no CPTA que em casos especiais em que a lei expressamente o preveja possa haver recurso hierárquico necessário e depois a lei de processo estabelece pressupostos – a partir de agora o único argumento do Professor VPS passa a ser o argumento constitucional.
Outros aspectos relevantes deste Projecto de Revisão: o legislador estabeleceu benefícios para que o particular possa ter alguma vantagem em utilizar o recurso hierárquico facultativo (ex.: quando se fala nos prazos de impugnação diz-se que se suspende os prazos de impugnação contenciosa do acto administrativo); no nº5 do 59º diz-se que a suspensão do prazo, não impede o particular de impugnar contenciosamente o acto – ou seja, o particular que usou a garantia administrativa não está impedido de usar meio contencioso.
Em suma, o artigo 59º nº5 estabelece três soluções para o particular: pode impugnar administrativamente e ficar à espera da resposta para impugnar contenciosamente; pode impugnar administrativamente e não esperar pela resposta indo logo a tribunal; pode simultaneamente impugnar administrativa e contenciosamente.

Diogo Pinto
140111018


Emendas ao Contencioso - Impugnabilidade dos atos


A reforma do contencioso administrativo constitui uma reforma essencial à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, pois incide sobre o principal instrumento de garantia desses direitos perante a Administração Pública.
          Uma das grandes mudanças desta mesma reforma (de há tanto esperada), foi a fusão de uma série de meios processuais existentes, passando a existir dois grandes meios processuais: a ação administrativa comum e a ação administrativa especial – cujo objecto consiste na impugnação de atos administrativos, condenação da pratica de atos administrativos devidos, e pedidos de declaração de ilegalidade de regulamentos ou da omissão de regulamentos devidos.
       Centrando-me nas mudanças profundas do ato administrativo impugnável, são de relevar algumas pequenas notas introdutórias acerca do mesmo.
O ato administrativo nasceu nos tempos da infância traumática do Contencioso Administrativo – visando delimitar atuações administrativas submetidas a uma jurisdição e a formas de processo especiais. Posteriormente transformou-se no conceito substantivo central do Direito Administrativo, e também sentiu-se a necessidade de este conceito ser reconstruído em razão da sua tripla dimensão: substantiva, procedimental e processual. Assim, atos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afetar ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis. Impugnáveis são todos os atos administrativos que, em razão da sua situação, sejam susceptíveis de provocar uma lesão ou de afetar imediatamente posições subjetivas de particulares.
Sendo assim, a impugnabilidade dos atos administrativos passa a ser determinada em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares.

Mas afinal, o que mudou relativamente à impugnabilidade dos atos administrativos com a Reforma do Contencioso Administrativo?

-       Os prazos – artº 58 Código de Processo dos Tribunais Administrativos – o prazo geral foi aumentado para três meses e consagra-se a possibilidade de no nº4, a impugnação continuar a ser possível desde que não tenha expirado o prazo de um ano e em casos especiais que se demonstre a tempestividade da apresentação da petição não fosse exigível a um cidadão normalmente diligente;
-   A recorribilidade do ato – adoptando o conceito presente no artº 51, permite-se a impugnação de qualquer ato com eficácia externa, independentemente de estar inserido num procedimento administrativo ou não (Alargamento do conceito);
-    Alargamento do objecto da ação - o objeto do processo administrativo no novo CPTA aparece como uma realidade aberta, quer por via da possibilidade de cumulação de pedidos, quer por via da possibilidade da sua ampliação do objecto processual ao logo do processo;
-   Poderes dos tribunais- verifica-se que o tribunal passa a dispor do poder-dever de se pronunciar sobre todas as concretas causas de invalidade de que enferma o ato impugnado, mesmo que estas não tenham sido expressamente invocadas pelo autor; “Quanto aos poderes de condenação, face a um pedido dirigido à prática do ato administrativo devido, permite-se que o tribunal condene a Administração na prática desse ato, bem como na adopção dos demais comportamentos que não consubstanciem atos administrativos. Os poderes em causa não se resumem a uma condenação genérica na necessidade de prática do ato, devendo antes o tribunal pronunciar-se sobre a pretensão material do autor, podendo determinar o conteúdo concreto do ato a praticar pela Administração, sempre que isso seja possível. Quando isso não seja possível por tal tarefa implicar o exercício da função administrativa, deve explicitar quais os aspectos vinculados da prática do ato que devem ser observados na emissão de uma nova pronúncia administrativa. (artigo 71.o do CPTA).”

Sofia Ribeiro

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

- O Objecto do Processo Administrativo -


Na sua génese o contencioso administrativo consagrava um modelo objectivista que se caracterizava pela verificação da legalidade dos actos administrativos. Com as crescentes criticas este sistema naturalmente evoluiu para um modelo subjectivista. Dito isto, questão recorrentemente debatida pela doutrina prende-se com a noção de objecto do processo. Dando uma noção muito primitiva o objecto é a matéria sobre a qual o tribunal é chamado a pronunciar-se, sendo que o tribunal só pode pronunciar-se sobre o objecto do processo tal como ele foi determinado pelas partes. Como ensina Mário de Aroso Almeida  o objecto não é mais do que as questões jurídicas sobre as quais o Tribunal é chamado a pronunciar-se no âmbito do processo através da emissão da correspondente sentença. O objecto do processo é definido por referencia à pretensão formulada pelo autor, identificada pelo pedido e pela  causa de pedir que por ele foram deduzidos. É ao nível do objecto do processo que se estabelece a conexão entre o processo e o direito substantivo. Assume uma especial importância uma vez que é elemento vital de qualquer processo. Como refere o Professor Vasco Pereira da Silva trata-se de “ assegurar a ligação entre a relação jurídica material e a relação jurídica processual, determinando quais os aspetos da relação jurídica substantiva, existente entre as partes, que foram trazidas a juízo.” Tradicionalmente, os estudiosos das temáticas do contencioso administrativo problematizavam a questão numa optica dualista dependendo se estivéssemos perante um contencioso de anulação ou perante um contencioso de acções. Com a reforma do contencioso administrativo esta realidade desapareceu na medida em que deu lugar ao modelo constitucional de um contencioso administrativo plenamente jurisdicionalizado e subjectivizado. Assim, o legislador afastou por completo os “fantasmas” do “contencioso feito ao acto” colocando os direitos dos particulares no centro do processo. Contudo, os velhos traumas deixam marcas, mesmo quando superados.

No tocante ao pedido este dirige-se à providência a conceder ao juiz, à sentença que o autor solicita ao tribunal através da qual vai ser actuada a tutela jurídica pretendida. O pedido também exprime a formulação de uma pretensão por parte do autor que se dirige à produção de um efeito jurídico. Esse efeito pode resultar no reconhecimento por parte do tribunal da existência ou inexistência de uma situação, de um efeito ou de um facto jurídico, individualizado em função dos respetivos factos ou elementos constitutivos. É a chamada causa de pedir. Para Vieira de Andrade considera que o conceito de causa de pedir será constituído pelos factos concretos e pelas razões de direito em que se baseia a pretensão, devendo ser adequada a fundamentar cada acção em concreto, variando assim em função do tipo de pedido formulado pelo autor.

Para Vasco Pereira da Silva e Vieira de Andrade, o pedido compreende o efeito pretendido pelo seu autor e o direito que esse efeito visa defender. Daí ser essencial, distinguir entre pedido imediato (que é o efeito pretendido pelo autor) e o pedido mediato (que é o direito que esse efeito visa tutelar). O professor tece algumas criticas à posição tradicional da doutrina dizendo que hiperbolizavam o pedido e só se preocupavam a sua vertente imediata. Considera ser habitual a pouca importância dada ao pedido mediato. A verdade, é que esta visão tradicionalista é incompatível com o nosso modelo constitucional de justiça administrativa (caracterizando-se pela consagração da posição substantiva do particular como sujeito titular de direitos nas relações jurídicas administrativas e pelo estabelecimento do principio de protecçao plena e efetiva dos direitos dos particulares). Daí ser essencial considerar o pedido tanto na sua vertente imediata como mediata. A reforma do contencioso administrativo fez com que olhássemos para a questão do pedido com “outros olhos” nomeadamente no tocante ao pedido imediato (os efeitos pretendidos pelas partes não sofrem limitações, podendo ser solicitados de modo isolado ou em acumulação num contencioso que se tornou de plena jurisdição). Por sua vez, a causa de pedir cuja noção deve essencialmente depender da função e natureza do contencioso administrativo foi das principais vítimas dos traumas sofridos por este ramo do Direito. Na verdade, se não tivessem em causa posições subjectivas dos particulares, a causa de pedir deveria ser somente a apreciação integral da actuação administrativa que é trazida a juízo de modo a que possa fazer uma consideração objectiva da legalidade ou ilegalidade do acto que estiver em analise. Esta proposta de solução não foi vista com bons olhos, seguindo então o caminho de que devemos considerar que a causa de pedir são as alegações do autor referentes ao acto administrativo.

Com uma prespectiva mais subjectivista trazida pela Reforma onde se evidenciava uma maior protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares (art. 268°/4 CRP e art. 2° CPTA) a causa de pedir deixa de ser vista em modos absolutos ou passando a ser encarada de forma conexa com as pretensões formuladas pelas partes (direitos subjectivos dos particulares). Regra essencial a ter em conta é o artº 95 do cpta. Uma vez que o contencioso Administrativo se tornou de plena jurisdição é imperioso encaramo-lo de outa forma, isto é, em razão da função desempenhada pelo meio processual (esteja em causa uma acção para a defesa de direitos ou de interesses próprios ou  se trate de uma acção pública ou de uma acção popular) .

No caso da acção para defesa de direitos e interesse próprios o objecto do processo é constituído pelos direitos subjectivos alegados pelos particulares numa concreta relação jurídica administrativa. Já no caso de ser uma acção publica e da acção popular, que se destina à tutela directa da legalidade e do interesse público, o objecto também é delimitado pelas alegações dos sujeitos, só que elas apenas configuram uma mera pretensão processual que não corresponde a nenhuma pretensão para protecção da posição jurídica substantiva.

Vejamos então, agora os principais tipos de questões substantivas que podem constituir o objecto de processos administrativos. Fazemo-lo com o intuito de obter uma visão de conjunto da realidade da litigiosidade que é submetida à apreciação dos tribunais administrativos. Relembro, que contrariamente ao que acontecia, já não vigora um regime de tipicidade quanto aos tipos de pretensões que podem ser deduzidos. O único requisito incontornável é inscreverem - se no âmbito da jurisdição desses tribunais. Não falamos em elencos meramente fechados, mas sim exemplificativos. Mais um advertência é fundamental, ou seja, a de saber que o CPTA introduziu no processo administrativo o princípio da livre cumulabilidade de pedidos. Significa isto que os diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos perante os tribunais administrativos não tem de ser artificialmente associados a meios processuais separados entre si, mas podem ser deduzidos em conjunto, no âmbito de um só processo desde que haja conexão entre os pedidos deduzidos (a causa de pedir é a mesma ou de os pedidos estarem entre si numa relação de prejudicabilidade e dependência ou  do facto de a procedência dos pedidos principais depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas. Na verdade, a cumulação de pedidos é uma faculdade que assiste ao interessado sendo este livre de optar por a exercer ou não.

Desta forma, à semelhança com processo civil as acções declarativas podem ser de três tipos:

Ø  Acções de simples apreciação: obter a declaração jurisdicional da existência ou inexistência de um direito ou de um facto. No fundo, o efeito jurídico a resultar da sentença, a que se dirige a pretensão do autor se resume ao reconhecimento, por parte do tribunal da existência ou inexistência do direito ou do facto.

Ø  Acções de condenação: exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito ou interesse legalmente protegido. O efeito jurídico a resultar da sentença, a que se dirige a pretensão do autor é o reconhecimento de uma situação jurídica isto é o direito ou interesse dirigido à prestação de coisa ou de facto, com o alcance constitutivo de submeter o devedor que é objecto da condenação à possibilidade de vir a ser executado se não cumprir o disposto na sentença.

Ø  Acções constitutivas: introduzir uma modificação na ordem jurídica existente. O efeito jurídico a resultar da sentença, a que se dirige a pretensão do ator, é reconhecimento do novo efeito decorrente do alcance constitutivo da sentença assim como dos factos constitutivos em que ele assenta.

Contudo, temos de ter presente que numa mesma acção que pode ter natureza mista (constitutiva e condenatória) podem ser deduzidos diferentes tipos de pretensões desde que entre eles exista uma conexão jurídica relevante. Após este breve enquadramento, resta nos perguntar qual é a tramitação de um processo. Vejamos:

Em suma, é notório a grande abertura existente nesta temática do objecto do processo administrativo.

Margarida Quintino - 140109036

Contencioso Verde por um Planeta Azul

- Âmbito da Jurisdição Administrativa em Matéria Ambiental -

A Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) consagra no n.º 1 do seu art. 66.º o princípio jurídico-constitucional da sustentabilidade ambiental do desenvolvimento económico e social. Fá-lo ao prever que “todos têm direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
No n.º2 do referido artigo, são definidos conjuntos de tarefas impostas ao Estado para assegurar o direito ao ambiente, tarefas estas que deverão ser prosseguidas “por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos”.

Primeira questão que se suscita consta em determinar o que se entende por “ambiente”. Neste sentido encontramos a al. a) do n.º2 do art. 5.º da Lei n.º19/2014 de 14 de Abril – anterior Lei de Bases do Ambiente -, que vem definir ambiente como “o conjunto de sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais, com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os serres vivos e a qualidade de vida do homem”.

Segunda questão é saber o conteúdo do preceito constitucional. Desde logo, este direito compreende uma dimensão negativa que se materializa no direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções nocivas para o ambiente. Nesta dimensão o direito ao ambiente está abrangido pelo regime específico dos direitos liberdades e garantias, do art. 18.º da CRP.
Numa dimensão negativa, integra o direito a uma acção por parte do Estado no sentido de defender o ambiente e de controlar as acções de degradação ambiental, impondo-lhes as correspondentes obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais. Esta dimensão mostra-se especialmente relevante pois, com o desenvolver da questão ecológica, facilmente se compreendeu a necessidade de intervenção política que viesse no sentido de a controlar. Tal controlo constaria no reequilíbrio do sistema de justiça ambiental no seu plano intrageracional e de responsabilidade ética pelo futuro.
Mais se diga que esta dualidade foi reconhecida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Março de 2010 (Proc. n.º 046262), em que se reconhece ainda o direito ao ambiente como sendo um direito fundamental.

Ao lado do direito ao ambiente atribuído aos cidadãos, surge simultaneamente o dever de o defender. A defesa consta, como referido, da obrigação de não atentar contra o ambiente e, para o que neste contexto releva, no dever de impedir atentados de outrem, nomeadamente pelo exercício da acção popular, prevista no n.º3 do art. 52.º da CRP.
A acção popular é aqui conferida uma vez que nos encontramos no âmbito dos interesses difusos, que forçam a nossa Lei Fundamental a garantir aos cidadãos o direito de desencadear a intervenção dos tribunais no sentido de defesa desses sem que tenham de demonstrar ser titulares de um interesse directo e legítimo na relação jurídica de que deriva a sua pretensão.

Afirmado o direito ao ambiente como direito fundamental, e reconhecida a obrigação de defesa deste, importa agora analisar a forma como o sistema jurídico português enquadra os conflitos que surgem neste contexto.
Ora, nos termos do n.º3 do art. 212.º da CRP, compete aos tribunais administrativos o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Este conceito de relação jurídica administrativa refere-se a acções e recursos em que pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público, e às relações controvertidas, reguladas sob o ponto de vista material do direito administrativo.
Isto visto, parece que são de direito administrativo as relações jurídicas litigiosas que se constituem quando a actividade desenvolvida por um particular lesa outro no seu direito a viver num ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
O âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos resulta ainda do n.º1 do art.4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º13/2002, de 19 de Fevereiro. Nomeadamente, as alíneas a), b), h) e i) do supracitado artigo vêm absorver grande parte dos litígios em sede ambiental.
Vimos já que a utilização de recursos naturais está sujeita ao princípio de gestão racional, acarretando por isso uma intervenção prévia da Administração relativamente ao desenvolvimento de determinadas actividades. Daí que haja uma proliferação de actos autorizativos e de normas de onde decorrer parâmetros de actuação. Concretizando, e tomando em consideração al. b), vemos que esta alínea se refere, por exemplo, a autorizações administrativas concedidas quer a entes jurídico-públicos, quer a entes jurídico-privados. O que se discute é a decisão da Administração em autorizar um acto efectiva ou potencialmente lesivo que concretiza a relação jurídica administrativa. Tendo em conta o dever de protecção do interesse público por parte da Administração, uma tal autorização vem transportar o litígio emergente para a jurisdição administrativa.
Também a al. l) vem estender a tutela ambiental às acções ou omissões da Administração que sejam potencialmente lesivas. Neste caso a Administração será responsável por uma actuação em si mesma lesiva, e não pela autorização prévia de tal acto.

Em jeito de conclusão, a tutela contenciosa ambiental é jurídico-pública uma vez que o bem em causa é tanto colectivo como público, estando a sua promoção e protecção entregues primariamente a entidades públicas. Assim é pois os titulares dos interesses de facto na fruição do ambiente são os membros da colectividade em geral, e ninguém em particular.
Caberá então a essa mesma colectividade participar na promoção, junto dos tribunais administrativos, de iniciativas processuais de defesa do ambiente.

Inês Metello - 140111090

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Processos em Massa


1- O Conceito Actual de Processo em Massa:

A figura do processo em massa está regulada pelo Artigo 48º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). No fundo, trata-se de um mecanismo que permite a selecção de um (ou uns) "processos modelo", que não são mais que aqueles que tramitarão até à decisão final, enquanto o resto dos processos englobados fica suspenso. No entanto, não é qualquer conjunto aleatório de processos que pode integrar um processo em massa. Os requisitos de se aplicar este mecanismo processual constam do número 1 do referido Artigo 48º CPTA, que transcrevemos: 

"Artigo 48.º Processos em massa 
1 - Quando sejam intentados mais de 20 processos que, embora reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto, o presidente do tribunal pode determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento a apenas um ou alguns deles, que neste último caso são apensados num único processo, e se suspenda a tramitação dos demais."
 
 Verifica-se assim que os pressupostos são, fundamentalmente: a) a existência de mais de 20 processos; b) que tenha havido diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa; c) que estes digam respeito à mesma relação jurídica; d) ou que, falhando o anterior, sejam susceptíveis de ser decididas com base a aplicação das mesmas normas a situações de facto idênticas.  Por último, deve ainda dizer-se que a efectivação deste mecanismo depende de decisão do presidente do tribunal, correspondendo a uma faculdade deste, e não a um dever.
 
A criação deste figura prende-se com o facto dos da moderna administração serem cada vez mais dirigidos, a ou afectarem, vários destinatários. Para contrariar a tendência de aumento exponencial do número de processos, bem como garantir uma tutela em tempo útil e ainda  o tratamento igual de casos iguais.
 
Pode ainda, como se verifica, proceder-se à suspensão de processos intentados na penência do processo-modelo, desde que preencham os requisitos supra:
 
"2 - O tribunal pode igualmente determinar, ouvidas as partes, a suspensão dos processos que venham a ser intentados na pendência do processo seleccionado e que preencham os pressupostos previstos no número anterior. "
 
Para além disto, deve o tribunal realizar todos os esforços e diligências possíveis para apurar completamente a verdade, tanto nas questões de facto como nas de direito. A este processo é ainda aplicável o disposto para os processos urgentes.
 
"3 - No exercício dos poderes conferidos nos números anteriores, o tribunal deve certificar-se de que no processo ou processos aos quais seja dado andamento prioritário a questão é debatida em todos os seus aspectos de facto e de direito e que a suspensão da tramitação dos demais processos não tem o alcance de limitar o âmbito da instrução, afastando a apreciação de factos ou a realização de diligências de prova necessárias para o completo apuramento da verdade
4 - Ao processo ou processos seleccionados segundo o disposto no n.º 1 é aplicável o disposto neste Código para os processos urgentes e no seu julgamento intervêm todos os juízes do tribunal ou da secção."
 
 
No entanto, aquilo que é a verdadeira "pedra angular", que permite equilibrar as forças concorrentes da tutela efectiva de cada um dos particulares com a necessidade de eficiência dos tribunais administrativos, é o disposto no número 5 do mesmo artigo:

"5 - Quando, no processo seleccionado, seja emitida pronúncia transitada em julgado e seja de entender que a mesma solução pode ser aplicada aos processos que tenham ficado suspensos, por estes não apresentarem qualquer especificidade em relação àquele, as partes nos processos suspensos são imediatamente notificadas da sentença, podendo o autor nesses processos optar, no prazo de 30 dias, por:  a) Desistir do seu próprio processo; b) Requerer ao tribunal a extensão ao seu caso dos efeitos da sentença proferida, deduzindo qualquer das pretensões enunciadas nos n.os 3, 4 e 5 do artigo 176.º;  c) Requerer a continuação do seu próprio processo; d) Recorrer da sentença, se ela tiver sido proferida em primeira instância. "
 
Esta disposição permite que o particular, apos ver o seu processo suspenso e saber o resultado da tramitação do "processo-modelo", pode optar pela alternativa que for mais de acordo com os seus interesses e necessidades: a) desistir do processo; b) requerer a extensão da solução ao seu caso; c) requerer a continuação do seu processo e d) recorrer da sentença. esta opção do legislador permite que todos os possíveis interesses que o particular poderá ter, e querer fazer valer perante a Administração, poderão ser adequadamente garantidos.
 
 
2-A Proposta de Alteração
 
 
Com o objectivo de verdadeiramente "celerizar" os processo em massa, vem-se agora falar numa alteração ao CPTA. Esta alteração manteria, com algumas alterações, o Artigo 48º CPTA, e criaria, nos Artigos 97º e 99º, uma "nova forma de processo urgente".
 
Em primeiro lugar, as alterações mais substanciais ao regime do Artigo 48º: a) a redução para 10 do número mínimo de processos para permitir a aplicação do mecanismo do processo em massa; b) a possibilidade, em certos casos, da aplicação dos processos em massa por iniciativa das partes; c) a definição final da aplicação do regime dos processos em massa a processos que corram em tribunais diferentes ficaria a pertencer ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo; d) seria aplicável o novo regime para processos urgentes, do Artigo 99º.
 
No geral, não se vê o grande bem que estas alterações alcancem a custo do aumento de processos em massa, bem como de alguma confusão no processo.
 
Esta última confusão, no fundo, ficar-se-ia a dever ao facto de, remetendo o novo número 6 do referido Artigo 48º para o Artigo 99º, cedo se verificaria que a ampliação da "rede" a que este procede, levaria a uma situação em que , porventura, muitos processos verdadeiramente urgentes ficariam "atolados" num tribunal que fosse enchendo de novos processos em massa não merecedores actualmente de tal designação.
 
No fundo, achamos que, se pode ser necessária alguma reforma para verdadeiramente equilibrar este mecanismo, não é com esta alteração eu isto irá ser feito.
 
Pedro Sacadura Botte 

Se tudo é urgente, o que o é?

- Considerações acerca do actual regime dos Processos em Massa e sua Reforma - 


Lê-se no artigo 48.º do actual Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), acerca dos Processos em Massa, que:
Quando sejam intentados mais de 20 processos que, embora reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto, o presidente do tribunal pode determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento a apenas um ou alguns deles, que neste último caso são apensados num único processo, e se suspensa a tramitação dos demais”.

Antes de observarmos os pressupostos para que haja um processo em massa, cabe-nos analisar a ratio por detrás deste artigo. Parece desde logo que se vem dar forma ao princípio da celeridade, tal como consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. É nos seus números 4º e 5º que se estabelece o princípio segundo o qual todos têm direito a uma decisão em prazo razoável, e a procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade.
Mais se diga, está ainda em causa o princípio da igualdade, pois, ao dar andamento a apenas um ou alguns dos processos, suspendendo a tramitação dos demais, está a evitar-se que, perante pedidos semelhantes, de partes diferentes, se cheguem a decisões diferentes em casos que são materialmente idênticos.

Vejamos agora os requisitos. É necessário que:
  • Haja mais de 20 (vinte) processos;
  • Sejam reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa;
  • Sejam respeitantes à mesma relação material ou, se respeitantes a relação material diferente, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto.

Perante uma situação que preencha cumulativamente os requisitos enumerados, existe um poder discricionário do presidente do tribunal em aplicar a figura do processo em massa.
Após uma tal decisão, o que ocorrerá será o seguimento de um dos processos, ao qual se aplicará o disposto para os processos urgentes (cfr. art. 48.º, n.º4 do CPTA), e a suspensão dos demais. Da aplicação deste mecanismo resultará ainda a intervenção de todos os juízes do tribunal ou da secção (cfr. art. 48.º, n.º4 do CPTA e art. 41.º, n.º2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF).
Após emissão de pronúncia, e se for verificada que esta pode ser aplicada aos processos cuja tramitação foi suspensa, as partes são imediatamente notificadas da sentença.
Nesse momento, terão a hipótese de, no prazo de 30 (trinta) dias:
  • Desistir do processo;
  •  Requerer a extensão dos efeitos do caso julgado;
  • Prosseguir com o processo;
  • Recorrer da decisão, se esta tiver sido proferida em primeira instância.


Uma vez visto e analisado o artigo 48.º, podemos concluir que os processos em massa nele estabelecidos trarão como vantagens, e como referido anteriormente, a obtenção de decisões potencialmente uniformizadas, e uma maior celeridade, visto não ser necessário lidar com um elevado número de processos e peças processuais diferentes, ainda que materialmente iguais.

...

Está de momento em curso a reforma do Direito Processual Administrativo, designadamente através da revisão do ETAF e do CPTA, corporizadas num Projecto de Revisão que se encontra agora em fase de discussão pública.
Refere-se, desde logo, no preâmbulo do Projecto que “(…) no que respeita às formas de processo, é introduzida nos artigos 97.º e 99.º a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa (…). O novo regime dos procedimentos em massa visa assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo”.

Isto visto, o primeiro passo será o de analisar a nova redacção do artigo 48.º. Neste projecto, os requisitos para aplicação de um processo em massa são que:
  • Haja mais de 10 (dez) processos;
  • Sejam reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa;
  • Sejam respeitantes à mesma relação material ou, se respeitantes a relação material diferente, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto.

Para além da redução do número de processos necessários (de vinte para dez), surge uma nova alteração que consta na fixação de um dever de determinação, por parte do presidente do tribunal, em aplicar este mecanismo. Ou seja, procedeu-se a uma alteração no sentido de que aquilo que era um poder discricionário, se tornar agora uma obrigação.
Vem ainda introduzir-se uma alteração no sentido de que este mecanismo é também aplicável quando a situação se verifique no conjunto de diferentes tribunais.
Vistas a alterações efectuadas, podemos concluir que se pretendeu uma agilização do processo, pois veio não só facilitar-se o recurso a este mecanismo, como torná-lo obrigatório, ao invés de uma decisão discricionária por parte do presidente do tribunal.

Tratou ainda o legislador, e regressando ao que iniciámos nesta segunda parte, de introduzir no artigo 99.º um novo meio processual urgente destinado aos processos em massa.
O âmbito deste contencioso aparece como tendo um limiar de 20 (vinte) participantes, como fixado nas alíneas do n.º1 do art.99.º. Parece contudo que a fixação de um tal limitar eram dispensável, por não se configurar alguma hipótese em que haja concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas, ou procedimento de recrutamento, em que esse não seja ultrapassado.
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante CSTAF), no parecer que emitiu em fase de discussão pública, demonstrou entender que “os processos de carácter urgente são actualmente já em número bastante elevado nos tribunais administrativos, pelo que a criação de novos processos desta espécie impõe muita cautela, sob pena de se tornar impossível o cumprimento dos respectivos prazos, assim se deixando de dar tratamento urgente aos processos que verdadeiramente necessitam desse tratamento.”
Veio pois o CSTAF argumentar no sentido de que se deve eliminar este novo processo urgente, no sentido em que a sua manutenção levaria a um entupimento do sistema com processos ditos urgentes, sem que o realmente fossem.

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Tudo visto, resta deixar para reflexão ponderações acerca das boas intenções do legislador – celeridade e agilização dos processos – e as parcas soluções a que este chegou – possível entupimento do sistema.
Acontece que muito embora tenha havido tentativas no sentido de facilitar o recurso ao mecanismo dos processos em massa, projecto que confio vir a agilizar o sistema, parece que se quer ir mais além, quiçá demasiado além, ao criar um novo processo urgente, ao invés de manter a mera remissão do n.º5 do art. 48.º.
Parece que não se ganhou em eficiência nem simplificação, ocorrendo antes um alargamento do conceito de “urgente” a processos aos quais os Tribunais não serão capazes de dar resposta em tempo.   

Inês Metello - 140111090