domingo, 19 de outubro de 2014

"Cultura da Urgência - Sociedades que procuram roubar tempo ao próprio tempo"

Em primeiro lugar procederei a uma breve introdução sobre a matéria em questão e posteriormente à comparação do regime atual dos processos em massa com o processo urgente especial relativo ao projeto reforma ainda em discussão.


Todo o intimo do processo administrativo gira à volta da tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares e agora vários são os meios processuais que iluminam este mesmo principio e não ao contrario.
De entre os meios processuais mais importantes, destaco a análise e comparação entre a ação administrativa especial, regulada nos artigos 46 e seguintes do Código do Processo Administrativo, e os Processos Urgentes , regulados nos artigos 97 e seguintes.
A ação administrativa especial é um meio processual principal do contencioso administrativo, através do qual são tuteláveis alguns dos mais importantes direitos subjetivos das relações jurídicas administrativas (grande variedade de pedidos que leva a uma grande variedade de sentenças).
Os processos urgentes são aqueles que necessitam de uma rápida decisão de fundo pela natureza das coisas. Caracterizam-se pela sua celeridade ou prioridade e devem obter sobre determinadas questões quanto ao respectivo mérito, uma resolução definitiva pela via judicial num tempo curto.
Analisando o conceito de ação administrativa especial entendemos que se trata de um meio processual de banda larga no qual podemos distinguir várias sub-ações qualificadas em razão do pedido e é assim que surge então os denominados processos em massa. Estes surgiram num âmbito administrativo, como consequência da globalização e massificação das relações entre Administração e Particulares, o que levou a um “overload” de pedidos semelhantes sobre a legalidade de atos que mereciam um tratamento igual. Neste sentido prático de assegurar a tempestividade da tutela dos direitos dos particulares, garantindo a segurança jurídica dos mesmos foi criado o mecanismo previsto no artº48 – Processos em Massa (Imposição constitucional – artº20/4).
Os processos em massa dizem respeito a situações em que são intentados mais de 20 processos relativos à mesma relação jurídica material ou ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto (Requisito de qualificação). Assim o presidente pode decidir, neste caso, ouvidas as partes, que apenas proceda um único processo ou alguns destes. Sinteticamente, procede-se apenas à escolha de um só processo ou alguns e não todos que tramitam até à decisão final, enquanto que os restantes ficam suspensos. Para podermos qualificar este processo é necessário que todos os requisitos previstos na norma estejam cumpridos:
-       Nº de pendências igual ou superior a 20
-       Diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa
-  Identidade da Relação Jurídica Controvertida ou Identidade das Normas de Direito Aplicáveis à Mesma Matéria de Facto relativa as Relações Jurídicas Materiais Distintas (identidade da causa de pedido)

Uma pequena nota, a sentença final proferida não limita os direitos das partes dos processos suspensos; estas, de acordo com o nº5 do artigo em questão, podem desistir do processo, requerer a extensão ao seu caso, recorrer da sentença ou até recorrer a continuação do próprio processo.




            Paralelamente procederei à exposição da questão dos processo urgentes levantada pelo Projecto de Reforma do Contencioso Administrativo. O legislador acaba por querer introduzir um novo meio processual urgente destinado a obter uma pronúncia sobre o mérito da causa.

Sucessivamente prometida e adiada ao longo de quase vinte anos, a Re­for­ma do Con­ten­cioso administrativo foi por todos reconhecida como ab­so­­luta­men­te in­dis­pen­sável à plena ins­ti­tuição do Estado de Direito democrático em Portugal. A questão da reforma trata de dar resposta a uma necessidade que desde há muito era sentida. Um dos maiores planos de transformação desta reforma foi o plano da regulação do regime processual. Sente-se que esta ambiciosa reforma, vem transformar a justiça administrativa em Portugal.
Um dos pontos controversos no plano deste projecto de reforma é relativo à questão do processo urgente especial (artº99), será este mais adequado do que o próprio processo de massa já exposto anteriormente?
A proposta consiste no seguinte, introduzir “a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes” visando “assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo.”

A verdade é que com o passar do tempo, das épocas, o homem, a sociedade, sempre teve como um dos seus maiores obstáculos a impossibilidade de realizar a justiça de forma rápida e eficiente, há sempre uma “demora na justiça”. Nos dias que correm, num momento em que as sociedades mais vivem a cultura da urgência e “em que procuram roubar tempo ao próprio tempo”, é quando a tutela jurisdicional mais sofre de demora. E perante esta “doença”, “este trauma”, “este pecado original”, os sistemas processuais devem prever diferentes tipos de tutela jurisdicional adequados. Sendo que as reformas atuais traduzem-se nisso mesmo, numa tentativa de aceleração dos processos de tutela jurisdicional, com a introdução de processos cada vez mais céleres. Contudo, neste caso presente, ainda que o legislador tenha “ a melhor das intenções” parece-me que a introdução deste novo processo urgente traduziria-se “um overload” de processos urgentes presentes no contencioso administrativo português. Poderia colocar-se mesmo em causa quais seriam os processos mais urgentes, dentro dos processos urgentes – criação de um modelo de tramitação urgente que de urgente nada teria. Compreenderia que outros estados que não processos semelhantes a este, e que não garantem esta tutela, o quisessem introduzir na sua ordem jurídica. Agora num estado como o nosso que contempla um processo como o Processo de Massa, creio que não é necessário duplicar esta tutela, num sentido que levaria a mais confusão, incerteza e ineficiência, do que propriamente tutela acrescida.


Sofia Ribeiro
Nºde aluna: 140111049

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