quinta-feira, 23 de outubro de 2014

- O Objecto do Processo Administrativo -


Na sua génese o contencioso administrativo consagrava um modelo objectivista que se caracterizava pela verificação da legalidade dos actos administrativos. Com as crescentes criticas este sistema naturalmente evoluiu para um modelo subjectivista. Dito isto, questão recorrentemente debatida pela doutrina prende-se com a noção de objecto do processo. Dando uma noção muito primitiva o objecto é a matéria sobre a qual o tribunal é chamado a pronunciar-se, sendo que o tribunal só pode pronunciar-se sobre o objecto do processo tal como ele foi determinado pelas partes. Como ensina Mário de Aroso Almeida  o objecto não é mais do que as questões jurídicas sobre as quais o Tribunal é chamado a pronunciar-se no âmbito do processo através da emissão da correspondente sentença. O objecto do processo é definido por referencia à pretensão formulada pelo autor, identificada pelo pedido e pela  causa de pedir que por ele foram deduzidos. É ao nível do objecto do processo que se estabelece a conexão entre o processo e o direito substantivo. Assume uma especial importância uma vez que é elemento vital de qualquer processo. Como refere o Professor Vasco Pereira da Silva trata-se de “ assegurar a ligação entre a relação jurídica material e a relação jurídica processual, determinando quais os aspetos da relação jurídica substantiva, existente entre as partes, que foram trazidas a juízo.” Tradicionalmente, os estudiosos das temáticas do contencioso administrativo problematizavam a questão numa optica dualista dependendo se estivéssemos perante um contencioso de anulação ou perante um contencioso de acções. Com a reforma do contencioso administrativo esta realidade desapareceu na medida em que deu lugar ao modelo constitucional de um contencioso administrativo plenamente jurisdicionalizado e subjectivizado. Assim, o legislador afastou por completo os “fantasmas” do “contencioso feito ao acto” colocando os direitos dos particulares no centro do processo. Contudo, os velhos traumas deixam marcas, mesmo quando superados.

No tocante ao pedido este dirige-se à providência a conceder ao juiz, à sentença que o autor solicita ao tribunal através da qual vai ser actuada a tutela jurídica pretendida. O pedido também exprime a formulação de uma pretensão por parte do autor que se dirige à produção de um efeito jurídico. Esse efeito pode resultar no reconhecimento por parte do tribunal da existência ou inexistência de uma situação, de um efeito ou de um facto jurídico, individualizado em função dos respetivos factos ou elementos constitutivos. É a chamada causa de pedir. Para Vieira de Andrade considera que o conceito de causa de pedir será constituído pelos factos concretos e pelas razões de direito em que se baseia a pretensão, devendo ser adequada a fundamentar cada acção em concreto, variando assim em função do tipo de pedido formulado pelo autor.

Para Vasco Pereira da Silva e Vieira de Andrade, o pedido compreende o efeito pretendido pelo seu autor e o direito que esse efeito visa defender. Daí ser essencial, distinguir entre pedido imediato (que é o efeito pretendido pelo autor) e o pedido mediato (que é o direito que esse efeito visa tutelar). O professor tece algumas criticas à posição tradicional da doutrina dizendo que hiperbolizavam o pedido e só se preocupavam a sua vertente imediata. Considera ser habitual a pouca importância dada ao pedido mediato. A verdade, é que esta visão tradicionalista é incompatível com o nosso modelo constitucional de justiça administrativa (caracterizando-se pela consagração da posição substantiva do particular como sujeito titular de direitos nas relações jurídicas administrativas e pelo estabelecimento do principio de protecçao plena e efetiva dos direitos dos particulares). Daí ser essencial considerar o pedido tanto na sua vertente imediata como mediata. A reforma do contencioso administrativo fez com que olhássemos para a questão do pedido com “outros olhos” nomeadamente no tocante ao pedido imediato (os efeitos pretendidos pelas partes não sofrem limitações, podendo ser solicitados de modo isolado ou em acumulação num contencioso que se tornou de plena jurisdição). Por sua vez, a causa de pedir cuja noção deve essencialmente depender da função e natureza do contencioso administrativo foi das principais vítimas dos traumas sofridos por este ramo do Direito. Na verdade, se não tivessem em causa posições subjectivas dos particulares, a causa de pedir deveria ser somente a apreciação integral da actuação administrativa que é trazida a juízo de modo a que possa fazer uma consideração objectiva da legalidade ou ilegalidade do acto que estiver em analise. Esta proposta de solução não foi vista com bons olhos, seguindo então o caminho de que devemos considerar que a causa de pedir são as alegações do autor referentes ao acto administrativo.

Com uma prespectiva mais subjectivista trazida pela Reforma onde se evidenciava uma maior protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares (art. 268°/4 CRP e art. 2° CPTA) a causa de pedir deixa de ser vista em modos absolutos ou passando a ser encarada de forma conexa com as pretensões formuladas pelas partes (direitos subjectivos dos particulares). Regra essencial a ter em conta é o artº 95 do cpta. Uma vez que o contencioso Administrativo se tornou de plena jurisdição é imperioso encaramo-lo de outa forma, isto é, em razão da função desempenhada pelo meio processual (esteja em causa uma acção para a defesa de direitos ou de interesses próprios ou  se trate de uma acção pública ou de uma acção popular) .

No caso da acção para defesa de direitos e interesse próprios o objecto do processo é constituído pelos direitos subjectivos alegados pelos particulares numa concreta relação jurídica administrativa. Já no caso de ser uma acção publica e da acção popular, que se destina à tutela directa da legalidade e do interesse público, o objecto também é delimitado pelas alegações dos sujeitos, só que elas apenas configuram uma mera pretensão processual que não corresponde a nenhuma pretensão para protecção da posição jurídica substantiva.

Vejamos então, agora os principais tipos de questões substantivas que podem constituir o objecto de processos administrativos. Fazemo-lo com o intuito de obter uma visão de conjunto da realidade da litigiosidade que é submetida à apreciação dos tribunais administrativos. Relembro, que contrariamente ao que acontecia, já não vigora um regime de tipicidade quanto aos tipos de pretensões que podem ser deduzidos. O único requisito incontornável é inscreverem - se no âmbito da jurisdição desses tribunais. Não falamos em elencos meramente fechados, mas sim exemplificativos. Mais um advertência é fundamental, ou seja, a de saber que o CPTA introduziu no processo administrativo o princípio da livre cumulabilidade de pedidos. Significa isto que os diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos perante os tribunais administrativos não tem de ser artificialmente associados a meios processuais separados entre si, mas podem ser deduzidos em conjunto, no âmbito de um só processo desde que haja conexão entre os pedidos deduzidos (a causa de pedir é a mesma ou de os pedidos estarem entre si numa relação de prejudicabilidade e dependência ou  do facto de a procedência dos pedidos principais depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas. Na verdade, a cumulação de pedidos é uma faculdade que assiste ao interessado sendo este livre de optar por a exercer ou não.

Desta forma, à semelhança com processo civil as acções declarativas podem ser de três tipos:

Ø  Acções de simples apreciação: obter a declaração jurisdicional da existência ou inexistência de um direito ou de um facto. No fundo, o efeito jurídico a resultar da sentença, a que se dirige a pretensão do autor se resume ao reconhecimento, por parte do tribunal da existência ou inexistência do direito ou do facto.

Ø  Acções de condenação: exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito ou interesse legalmente protegido. O efeito jurídico a resultar da sentença, a que se dirige a pretensão do autor é o reconhecimento de uma situação jurídica isto é o direito ou interesse dirigido à prestação de coisa ou de facto, com o alcance constitutivo de submeter o devedor que é objecto da condenação à possibilidade de vir a ser executado se não cumprir o disposto na sentença.

Ø  Acções constitutivas: introduzir uma modificação na ordem jurídica existente. O efeito jurídico a resultar da sentença, a que se dirige a pretensão do ator, é reconhecimento do novo efeito decorrente do alcance constitutivo da sentença assim como dos factos constitutivos em que ele assenta.

Contudo, temos de ter presente que numa mesma acção que pode ter natureza mista (constitutiva e condenatória) podem ser deduzidos diferentes tipos de pretensões desde que entre eles exista uma conexão jurídica relevante. Após este breve enquadramento, resta nos perguntar qual é a tramitação de um processo. Vejamos:

Em suma, é notório a grande abertura existente nesta temática do objecto do processo administrativo.

Margarida Quintino - 140109036

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