A noção de causa de pedir é uma das questões muito marcadas
pelos traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo.
Em termos abstractos, a opção que se tome quanto à noção de
causa de pedir deve depender da função e natureza do Contencioso
Administrativo.
Assim, uma orientação objectivista da justiça administrativa,
que pretende controlar o exercício do poder administrativo, diria que a causa
de pedir inclui a consideração de validade ou invalidade do acto
administrativo, independentemente das alegações dos particulares relativas aos
seus interesses materiais lesados.
No lado oposto, um Contencioso Administrativo de índole mais
subjectivista “configura a causa de pedir na sua ligação com os direitos dos
particulares. Não é o acto administrativo, na sua globalidade, que constitui o
objecto do processo, mas sim o acto enquanto lesivo de direitos dos
particulares, e que foi trazido a processo através das suas pretensões”. Assim,
a causa de pedir é uma ilegalidade relacionada com o direito subjectivo do
lesado, e não independente dele. Este é um processo de partes e está delimitado
por aquilo que o particular leva a juízo.
O princípio essencial é o de que só o que é levado a juízo o
tribunal tem de decidir. Tudo o que não for levado a juízo o tribunal não tem
de decidir. Além disso o juiz deve tratar todas as questões. Aqui a questão é
particularmente relevante porque no Contencioso Administrativo o juiz ter
decidido com base numa das causas de pedir justifica sem mais a ilegalidade do
acto. O juiz produziria uma sentença com efeitos úteis se só enunciasse uma das
causas de pedir trazidas pelo particular. Esta norma por um lado introduz um
princípio acusatório, por outro introduz esta dimensão de que o juiz tem de
apreciar integralmente todas as causas do processo.
A polémica nesta matéria gera-se em torno da segunda parte do nº 2 do
artigo 95º do CPTA.
No entendimento do professor Vasco Pereira da Silva, o que a
norma deste artigo consagra é o dever de o juiz “identificar” ou “individualizar”
ilegalidades dos actos administrativos distintas das trazidas pelo autor, desde
que estas resultem ou possam vir a resultar das alegações das partes que introduziram
os factos em juízo.
Isto significa, desde logo, que o juiz pode qualificar
diferentemente os factos alegados pelas partes. Mas significa mais. Importa
ainda um alargamento dos poderes do juiz, no que respeita ao conhecimento do
objecto do processo, possibilitando a apreciação dos direitos dos particulares
directamente, bem como dos factos causadores da respectiva lesão.
O professor Vieira de Andrade, seguindo uma concepção
objectivista, entende que “a questão principal a resolver no processo é, em
qualquer caso, nos termos da lei, a da “ilegalidade” (ilegitimidade jurídica)
do acto impugnado e não necessariamente a da lesão de um direito substantivo do
particular que pode nem existir no caso.”
Deste entendimento resulta a interpretação do artigo 95º/2
de acordo com a qual o juiz, para além de conhecer de todos os factos invocados
pelo autor, deverá também averiguar de modo oficioso a existência de ilegalidades
do acto impugnado, em derrogação ao princípio da limitação do juiz à causa de
pedir. Assim, o juiz poderia alegar factos novos na medida que esses factos
integrassem a lesão que o particular sofreu, o ilícito que o particular sofreu.
Ora, como afirma o professor Vasco Pereira da Silva, isto
introduz uma complicação absolutamente desnecessária para a questão que está
aqui em jogo.
Em primeiro lugar, a ideia do direito reactivo traduz a confusão
entre relação jurídica processual e relação jurídica substantiva. Desde logo,
esta é uma construção inadequada do ponto de vista teórico.
Acresce que aplicar esta construção a esta norma conduz a
resultados que não são admissíveis porque o que o preceito preconiza é que o
juiz deve identificar os factos alegados pelas partes e não ir à procura de
factos novos. De facto, quando o legislador afirma que o juiz deve identificar
a existência de causas de invalidade diversas, está a seguir a ideia de que o
juiz pode e deve detectar as qualificações erradas elaboradas pelas partes, na
medida que o particular tenha alegado os vícios do acto administrativo. Isto
significa que o juiz não tem de se ater apenas à qualificação dos vícios tal
como o particular os identifica, mas deve identificar esses factos e qualificá-los
da maneira que entender mais adequada.
Em suma, o problema que aqui se coloca é o de saber o que
significa esta identificação das causas de invalidade diversas das alegadas.
O melhor entendimento vai no sentido de considerar que isto
significa unicamente a correcção da causa de pedir e do pedido, da qualificação
que o particular fez, e que o juiz não está limitado pela qualificação dada
pela parte, podendo estabelecer juízos valorativos diferentes, com o limite dos
factos trazidos a juízo.
O que a jurisprudência tem feito é assumir uma posição que
não é reconduzível a nenhuma das duas opções anteriormente apresentadas, entendendo que o
juiz pode trazer factos novos desde que alegados pelas partes.
Rita Pereira de Abreu
140111082
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