terça-feira, 21 de outubro de 2014

Revisão dos processos em massa- celeridade ou sobrecarga?

Nos dias de hoje, o princípio da celeridade processual tem importância revestida. Tal princípio materializa-se, entre outras, na figura dos processos em massa (art.º 48º do CPTA).

Por um conjunto de razões históricas e sociais, o binómio Administração-particular foi aumentando de um modo exponencial.  Assim, e partindo da própria raiz etimológica do conceito, os processos em massa brotam como consequência da massificação das relações entre a Administração e os particulares propondo a mesma solução jurídica para pedidos idênticos, cumprindo a imposição constitucional da tutela em tempo útil (art.º 20º nº5 CRP).

Perante este problema/necessidade, surgem os processos em massa.  Procede-se à escolha de um ou alguns processos que tramitam até à decisão final (o processo-modelo), sendo os restantes suspensos. A iniciativa compete ao presidente do tribunal, actor com melhor posição e discernimento, nos termos do art.º 48/1, contudo, tem de ouvir as partes e trata-se de uma faculdade (48º/1- “o presidente do tribunal pode determinar”).

Para poder haver um processo em massa é imprescindível que, conforme o  nº1 do art.º 48º :
tenham sido intentados mais de 20 processos;
hajam diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa;
se esteja perante a mesma relação jurídica material (os direitos e deveres atribuídos às partes – Administração e particular – são os mesmos) ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto.

Acrescem os demais processos intentados na pendência do processo seleccionado (preenchidas as disposições nº1 do art.º 48º podem ser suspensos pelo tribunal, após ouvidas as partes).

Apesar disto, incumbe ao juiz salvaguardar que, no processo-modelo, a questão é debatida em todos os seus aspectos de facto e de direito. Por outro lado, a suspensão dos restantes processos não dita o âmbito da instrução, preterindo o completo apuramento da verdade (nº3). Logo, embora não haja critérios, pelo menos expressos de selecção do processo-modelo, o juiz deverá escolher aquele(s) processo(s) que oferecerem melhores garantias.

De referir ainda que a tramitação do processo seleccionado segue o previsto no CPTA para os processos urgentes (art.º 48/4).

Actualmente, há um projecto de revisão do CPTA. Este projecto tem a pretensão principal de concretizar o princípio da celeridade processual. Conforme o preâmbulo do projecto de revisão do CPTA, “é introduzida nos artigos 97º e 99º a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes”.

Antes disso, há um conjunto de modificações no 48º/1. O nº1, buscando-se a redução do número de processos exigidos, de mais de 20 para mais de 10, para que o presidente do tribunal possa exercer a sua faculdade (algo que, ao contrário do que possa parecer, pelo risco de diminuição do conceito urgência, pode fazer diminuir a ambicionada celeridade). Estatui-se, igualmente, no número 4 que poderá acontecer também quando a situação se verifique “no conjunto de diferentes tribunais”. Já o nº 5 limita-se a facultar ao Presidente do STA o poder decisório, em casos de processos em massa existentes em diferentes tribunais, qual ou quais os processos aos quais deve ser dado andamento e quais se devem, consequentemente, suspender.

Já o art.º 99º vem, por remissão do nº6, sob a epígrafe “contencioso dos procedimentos de massa”, normativizar que “o contencioso dos actos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos nos seguintes domínios:
Concursos de pessoal cujos participantes sejam em número superior a 20;
Procedimentos de realização de provas cujos participantes sejam em número superior a 20;
Procedimentos de recrutamento cujos envolvidos sejam em número superior a 20.”

O nº2 deste artigo dita que as acções devem, tendo de ser propostas, no tribunal administrativo de círculo de Lisboa, excepto no art.º 20/1. O nº4 norma que “quando, por referência ao mesmo procedimento, seja proposta mais do que uma ação, os respetivos processos são objeto de apensação obrigatória àquele que tiver sido intentado em primeiro lugar”. algo que pode criar diversas questões duvidosas.

Já o nº1 respeita à prática ou omissão de actos administrativos e nos domínios aí presente. Procura-se a anulação ou condenação à prática de um acto, não se compreendendo a razão de não admitir outros pedidos (exemplo: pedidos indemnizatórios, invalidade de contrato, …). Esta posição parte da concepção de que o contencioso administrativo é pleno, dando aval a todos os pedidos e todas as sentenças. O art.º 48/1 reconhece-se precisamente isso, que se basta com a identidade da relação jurídica material. Esta limitação fará com que se deixe de fora acções que se reportam à mesma situação jurídica material, o que pode levar a diferenças de tratamento.

Não obstante, o nº 4 norma a apensação obrigatória dos processos intentados ao que houver sido proposto em primeiro lugar. Este artigo pode levar a algumas questões pela fixação do critério temporal, dado que o processo escolhido deve oferecer as melhores garantias de tratamento global das questões suscitadas.

Finalmente, conforme o nº2 (excepção feita aos casos do art.º 20/1), as acções têm de ser propostas no tribunal administrativo de círculo de Lisboa. Algo que volta a levantar dúvidas, pois esta proposta de concentrar estes processos num único tribunal,  pode, fruto da sobrecarrega, por em causa o direito à tutela jurisdicional efectiva em tempo útil (como já vimos, presente no art.º 20/4 CRP).

Em suma, estamos em crer que esta revisão terá que ser ponderada e pautada pelos interesses dos particulares, e, consequentemente, salvaguardar a funcionalidade e capacidade de resposta dos tribunais administrativos.

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