O art.º 268º
nº4 da Constituição parte da tutela dos direitos particulares para os meios
processuais e não o contrário. Desde a revisão de 1997 que se deu, nas palavras
do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, uma verdadeira revolução coperniciana, uma vez que passaram a ser os diferentes
meios processuais a girar à volta do princípio da tutela plena e efectiva dos
direitos dos particulares e não o contrário.
Com base nesta
opção, duas possibilidades se colocavam ao legislador. Podia distinguir tantas
acções quantos os efeitos das sentenças (à semelhança do que acontece no
processo civil e no contencioso administrativo alemão) ou seguir a via
latina, criando um número reduzido de meios processuais que permitissem que os
pedidos sejam diferenciados e o juiz pudesse emitir sentenças de simples
apreciação, anulação ou condenação no âmbito daquele mesmo meio processual, ou
seja, uma espécie de “acção guarda-chuva” onde coubessem todos os pedidos e
todas as sentenças.
Foi esta
segunda via que o legislador português seguiu ao criar dois meios processuais
principais: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial. O
legislador em cada uma destas acções permite ao particular apresentar pedidos
diferenciados e isso tem consequências na sentença emitida. O art.º 2º do CPTA
vem consagrar um contencioso pleno, onde o direito à tutela jurisdicional
efectiva significa que a todo o direito corresponde uma tutela adequada, mas não
um específico meio processual, e elenca a título exemplificativo os pedidos que
podem ser feitos ao tribunal. No entanto, se procurarmos conciliar o art.º 2º
com as normas previstas no âmbito dos dois meios processuais que o legislador
estabeleceu – a acção comum (art.º 37º) e a acção especial (art.º 46º) – veremos
que estes pedidos tanto podem ser feitos no quadro da acção comum, como da
especial. Surge assim a questão de saber quais os critérios que legislador
estabelece para distinguirmos a acção administrativa dita comum da dita
especial.
Mais uma vez
aqui, e à boa maneira dos ensinamentos do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, há que
recorrer à psicanálise do contencioso, porque há dois critérios: um critério
que o legislador aparentemente estabelece e que se contrapõe ao critério real.
Analisando os
arts.º 37º e 46º parece que aquilo que distingue uma acção da outra é meramente
processual, ou seja, o modo como o processo foi organizado e a natureza
residual ou não do pedido em causa. Assim, tudo o que for especialmente
regulado caberá dentro da acção especial e o que não for, caberá na acção
comum. No entanto, o critério efectivo é um critério substantivo que tem a ver
com as formas de actuação administrativa: o que se diz no art.º 46º é que a regulação
especial diz respeito às actuações administrativas que sejam actos
administrativos ou regulamentos e que esses cabem no âmbito da acção
administrativa especial. Todos os demais actos, como os contratos e operações
técnicas, cabem na acção comum.
Este critério
real substantivo leva a questionar o nome dado às acções: a acção
administrativa comum devia ser a mais importante, correspondendo à generalidade
processos, mas não é assim!
Os nomes “acção
administrativa especial” e “acção administrativa comum” são nomes “com cadastro”
que correspondem à história traumática do contencioso administrativo: falava-se
em acção especial para distinguir o processo administrativo do processo civil,
porque a Administração estava a ser especialmente julgada e os poderes do juiz
eram limitados. Contudo, o legislador da reforma conferiu plenitude de poderes
em todos os meios processuais e, como tal, não há nenhuma limitação por
estarmos no âmbito da acção administrativa especial. Deste modo, era preferível
que legislador não tivesse usado este nome. Há ainda outro problema que é o
facto de o legislador não só usar a palavra “especial” para qualificar um dos
meios processuais, como depois vai estabelecendo modalidades especiais dentro
da acção administrativa especial (condenação, declaração de ilegalidade, …). O uso
da palavra “especial” tantas vezes não ajuda à caracterização deste meio
processual!
Para além
disso, esta realidade da acção comum e especial vai traduzir-se na norma do
art.º 35º CPTA, em que o legislador vem estabelecer que aos casos previstos na
acção administrativa comum se aplicam as regras do processo civil, ou seja, com
excepção dos arts.º 37º a 45º, não há regras para a acção administrativa comum,
correndo tudo nos termos do processo civil. Assim, o nome “comum” dever-se-ia
ao facto de corresponder ao processo civil e “especial” a ser regulado em legislação
própria, o que corresponde ao trauma de que o processo administrativo devia ser
especial por se estar a julgar a Administração, mas esse trauma está
ultrapassado, pelo que o legislador devia ter estabelecido uma tramitação
processual para todo o contencioso administrativo, independentemente de depois
haver regras especiais para cada uma das acções.
Assim, não é
só uma questão de nome, porque mesmo se admitirmos que eram os únicos nomes que
o legislador poderia dar aos meios processuais, pelo menos não devia ter
chamado acção especial àquela que é a acção comum do contencioso administrativo
e acção comum àquela que é a especial. Se dizemos que o âmbito de aplicação
desta acção administrativa especial é tudo o que corresponde a actos administrativos
e regulamentos, então esta acção corresponde à maioria dos casos do processo
administrativo.
Ademais, isto não
é só uma questão quantitativa, porque o legislador não previu apenas a
existência de todos os pedidos possíveis como estabeleceu ainda que é possível
a cumulação de pedidos, nos termos do art.º 4, ou seja, o particular pode
juntar no mesmo processo pedidos de simples apreciação, de condenação ou constitutivos
e pode, por exemplo, cumular pedidos relativos a um acto administrativo e a um regulamento
no qual o acto se baseia, ou relativos a um contrato e ao acto administrativo no
qual o contrato se baseia, não estando limitado pelas formas de actuação no
âmbito da cumulação. Isto marca o contencioso no sentido de o tornar pleno, mas
gera um problema, porque se o critério de distinção que o legislador
aparentemente estabelece entre o art.º 37º e o art.º 46º tem a ver com as formas
de actuação, então qual é o meio processual que o particular deve utilizar? O art.º
4º vem estatuir que a cumulação de pedidos segue a forma da acção
administrativa especial, com as adaptações necessárias.
Isto também
nos leva a concluir que a acção mais generalizada é a dita especial e aquela
que é a mais generalizada, devia ser a comum, mas não é só por uma questão de generalização,
é também porque é a acção essencial no quadro do contencioso administrativo, o
que está em causa nas acções administrativas especiais são os casos mais graves
de lesão dos direitos dos particulares!
Na nova
reforma pretende-se que passe a haver apenas uma acção jurídica administrativa,
pondo-se fim à esquizofrenia, sendo que esta acção será ainda mais uma “acção guarda-chuva”,
porque é possível formular todos os pedidos e todos se expressam a através de
uma única forma de processo.
Inês Chorro - 140111062
Inês Chorro - 140111062
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