sábado, 11 de outubro de 2014

PORQUE É QUE A ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DEVERIA SER A ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM?

O art.º 268º nº4 da Constituição parte da tutela dos direitos particulares para os meios processuais e não o contrário. Desde a revisão de 1997 que se deu, nas palavras do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, uma verdadeira revolução coperniciana, uma vez que passaram a ser os diferentes meios processuais a girar à volta do princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e não o contrário.
Com base nesta opção, duas possibilidades se colocavam ao legislador. Podia distinguir tantas acções quantos os efeitos das sentenças (à semelhança do que acontece no processo civil e no contencioso administrativo alemão) ou seguir a via latina, criando um número reduzido de meios processuais que permitissem que os pedidos sejam diferenciados e o juiz pudesse emitir sentenças de simples apreciação, anulação ou condenação no âmbito daquele mesmo meio processual, ou seja, uma espécie de “acção guarda-chuva” onde coubessem todos os pedidos e todas as sentenças.
Foi esta segunda via que o legislador português seguiu ao criar dois meios processuais principais: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial. O legislador em cada uma destas acções permite ao particular apresentar pedidos diferenciados e isso tem consequências na sentença emitida. O art.º 2º do CPTA vem consagrar um contencioso pleno, onde o direito à tutela jurisdicional efectiva significa que a todo o direito corresponde uma tutela adequada, mas não um específico meio processual, e elenca a título exemplificativo os pedidos que podem ser feitos ao tribunal. No entanto, se procurarmos conciliar o art.º 2º com as normas previstas no âmbito dos dois meios processuais que o legislador estabeleceu – a acção comum (art.º 37º) e a acção especial (art.º 46º) – veremos que estes pedidos tanto podem ser feitos no quadro da acção comum, como da especial. Surge assim a questão de saber quais os critérios que legislador estabelece para distinguirmos a acção administrativa dita comum da dita especial.
Mais uma vez aqui, e à boa maneira dos ensinamentos do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, há que recorrer à psicanálise do contencioso, porque há dois critérios: um critério que o legislador aparentemente estabelece e que se contrapõe ao critério real.
Analisando os arts.º 37º e 46º parece que aquilo que distingue uma acção da outra é meramente processual, ou seja, o modo como o processo foi organizado e a natureza residual ou não do pedido em causa. Assim, tudo o que for especialmente regulado caberá dentro da acção especial e o que não for, caberá na acção comum. No entanto, o critério efectivo é um critério substantivo que tem a ver com as formas de actuação administrativa: o que se diz no art.º 46º é que a regulação especial diz respeito às actuações administrativas que sejam actos administrativos ou regulamentos e que esses cabem no âmbito da acção administrativa especial. Todos os demais actos, como os contratos e operações técnicas, cabem na acção comum.
Este critério real substantivo leva a questionar o nome dado às acções: a acção administrativa comum devia ser a mais importante, correspondendo à generalidade processos, mas não é assim!
Os nomes “acção administrativa especial” e “acção administrativa comum” são nomes “com cadastro” que correspondem à história traumática do contencioso administrativo: falava-se em acção especial para distinguir o processo administrativo do processo civil, porque a Administração estava a ser especialmente julgada e os poderes do juiz eram limitados. Contudo, o legislador da reforma conferiu plenitude de poderes em todos os meios processuais e, como tal, não há nenhuma limitação por estarmos no âmbito da acção administrativa especial. Deste modo, era preferível que legislador não tivesse usado este nome. Há ainda outro problema que é o facto de o legislador não só usar a palavra “especial” para qualificar um dos meios processuais, como depois vai estabelecendo modalidades especiais dentro da acção administrativa especial (condenação, declaração de ilegalidade, …). O uso da palavra “especial” tantas vezes não ajuda à caracterização deste meio processual!
Para além disso, esta realidade da acção comum e especial vai traduzir-se na norma do art.º 35º CPTA, em que o legislador vem estabelecer que aos casos previstos na acção administrativa comum se aplicam as regras do processo civil, ou seja, com excepção dos arts.º 37º a 45º, não há regras para a acção administrativa comum, correndo tudo nos termos do processo civil. Assim, o nome “comum” dever-se-ia ao facto de corresponder ao processo civil e “especial” a ser regulado em legislação própria, o que corresponde ao trauma de que o processo administrativo devia ser especial por se estar a julgar a Administração, mas esse trauma está ultrapassado, pelo que o legislador devia ter estabelecido uma tramitação processual para todo o contencioso administrativo, independentemente de depois haver regras especiais para cada uma das acções.
Assim, não é só uma questão de nome, porque mesmo se admitirmos que eram os únicos nomes que o legislador poderia dar aos meios processuais, pelo menos não devia ter chamado acção especial àquela que é a acção comum do contencioso administrativo e acção comum àquela que é a especial. Se dizemos que o âmbito de aplicação desta acção administrativa especial é tudo o que corresponde a actos administrativos e regulamentos, então esta acção corresponde à maioria dos casos do processo administrativo.
Ademais, isto não é só uma questão quantitativa, porque o legislador não previu apenas a existência de todos os pedidos possíveis como estabeleceu ainda que é possível a cumulação de pedidos, nos termos do art.º 4, ou seja, o particular pode juntar no mesmo processo pedidos de simples apreciação, de condenação ou constitutivos e pode, por exemplo, cumular pedidos relativos a um acto administrativo e a um regulamento no qual o acto se baseia, ou relativos a um contrato e ao acto administrativo no qual o contrato se baseia, não estando limitado pelas formas de actuação no âmbito da cumulação. Isto marca o contencioso no sentido de o tornar pleno, mas gera um problema, porque se o critério de distinção que o legislador aparentemente estabelece entre o art.º 37º e o art.º 46º tem a ver com as formas de actuação, então qual é o meio processual que o particular deve utilizar? O art.º 4º vem estatuir que a cumulação de pedidos segue a forma da acção administrativa especial, com as adaptações necessárias.
Isto também nos leva a concluir que a acção mais generalizada é a dita especial e aquela que é a mais generalizada, devia ser a comum, mas não é só por uma questão de generalização, é também porque é a acção essencial no quadro do contencioso administrativo, o que está em causa nas acções administrativas especiais são os casos mais graves de lesão dos direitos dos particulares!
Na nova reforma pretende-se que passe a haver apenas uma acção jurídica administrativa, pondo-se fim à esquizofrenia, sendo que esta acção será ainda mais uma “acção guarda-chuva”, porque é possível formular todos os pedidos e todos se expressam a através de uma única forma de processo.

Inês Chorro - 140111062

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