quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Contencioso Verde por um Planeta Azul

- Âmbito da Jurisdição Administrativa em Matéria Ambiental -

A Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) consagra no n.º 1 do seu art. 66.º o princípio jurídico-constitucional da sustentabilidade ambiental do desenvolvimento económico e social. Fá-lo ao prever que “todos têm direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
No n.º2 do referido artigo, são definidos conjuntos de tarefas impostas ao Estado para assegurar o direito ao ambiente, tarefas estas que deverão ser prosseguidas “por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos”.

Primeira questão que se suscita consta em determinar o que se entende por “ambiente”. Neste sentido encontramos a al. a) do n.º2 do art. 5.º da Lei n.º19/2014 de 14 de Abril – anterior Lei de Bases do Ambiente -, que vem definir ambiente como “o conjunto de sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais, com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os serres vivos e a qualidade de vida do homem”.

Segunda questão é saber o conteúdo do preceito constitucional. Desde logo, este direito compreende uma dimensão negativa que se materializa no direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções nocivas para o ambiente. Nesta dimensão o direito ao ambiente está abrangido pelo regime específico dos direitos liberdades e garantias, do art. 18.º da CRP.
Numa dimensão negativa, integra o direito a uma acção por parte do Estado no sentido de defender o ambiente e de controlar as acções de degradação ambiental, impondo-lhes as correspondentes obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais. Esta dimensão mostra-se especialmente relevante pois, com o desenvolver da questão ecológica, facilmente se compreendeu a necessidade de intervenção política que viesse no sentido de a controlar. Tal controlo constaria no reequilíbrio do sistema de justiça ambiental no seu plano intrageracional e de responsabilidade ética pelo futuro.
Mais se diga que esta dualidade foi reconhecida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Março de 2010 (Proc. n.º 046262), em que se reconhece ainda o direito ao ambiente como sendo um direito fundamental.

Ao lado do direito ao ambiente atribuído aos cidadãos, surge simultaneamente o dever de o defender. A defesa consta, como referido, da obrigação de não atentar contra o ambiente e, para o que neste contexto releva, no dever de impedir atentados de outrem, nomeadamente pelo exercício da acção popular, prevista no n.º3 do art. 52.º da CRP.
A acção popular é aqui conferida uma vez que nos encontramos no âmbito dos interesses difusos, que forçam a nossa Lei Fundamental a garantir aos cidadãos o direito de desencadear a intervenção dos tribunais no sentido de defesa desses sem que tenham de demonstrar ser titulares de um interesse directo e legítimo na relação jurídica de que deriva a sua pretensão.

Afirmado o direito ao ambiente como direito fundamental, e reconhecida a obrigação de defesa deste, importa agora analisar a forma como o sistema jurídico português enquadra os conflitos que surgem neste contexto.
Ora, nos termos do n.º3 do art. 212.º da CRP, compete aos tribunais administrativos o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Este conceito de relação jurídica administrativa refere-se a acções e recursos em que pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público, e às relações controvertidas, reguladas sob o ponto de vista material do direito administrativo.
Isto visto, parece que são de direito administrativo as relações jurídicas litigiosas que se constituem quando a actividade desenvolvida por um particular lesa outro no seu direito a viver num ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
O âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos resulta ainda do n.º1 do art.4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º13/2002, de 19 de Fevereiro. Nomeadamente, as alíneas a), b), h) e i) do supracitado artigo vêm absorver grande parte dos litígios em sede ambiental.
Vimos já que a utilização de recursos naturais está sujeita ao princípio de gestão racional, acarretando por isso uma intervenção prévia da Administração relativamente ao desenvolvimento de determinadas actividades. Daí que haja uma proliferação de actos autorizativos e de normas de onde decorrer parâmetros de actuação. Concretizando, e tomando em consideração al. b), vemos que esta alínea se refere, por exemplo, a autorizações administrativas concedidas quer a entes jurídico-públicos, quer a entes jurídico-privados. O que se discute é a decisão da Administração em autorizar um acto efectiva ou potencialmente lesivo que concretiza a relação jurídica administrativa. Tendo em conta o dever de protecção do interesse público por parte da Administração, uma tal autorização vem transportar o litígio emergente para a jurisdição administrativa.
Também a al. l) vem estender a tutela ambiental às acções ou omissões da Administração que sejam potencialmente lesivas. Neste caso a Administração será responsável por uma actuação em si mesma lesiva, e não pela autorização prévia de tal acto.

Em jeito de conclusão, a tutela contenciosa ambiental é jurídico-pública uma vez que o bem em causa é tanto colectivo como público, estando a sua promoção e protecção entregues primariamente a entidades públicas. Assim é pois os titulares dos interesses de facto na fruição do ambiente são os membros da colectividade em geral, e ninguém em particular.
Caberá então a essa mesma colectividade participar na promoção, junto dos tribunais administrativos, de iniciativas processuais de defesa do ambiente.

Inês Metello - 140111090

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