sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Processos em Massa - o vigente e a proposta

O regime dos processos em massa, previsto no actual artigo 48º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (adiante CPTA) traduz-se num mecanismo que pretende ser de agilização processual, procurando responder aos fenómenos de massificação processual que são desencadeados no domínio do Contencioso Administrativo pela proliferação de decisões da Administração relativas a questões semelhantes e comuns a um vasto número de interessados.

Esta norma tem, assim, como principal objectivo o de evitar que o tribunal se vá pronunciar individualizadamente sobre todos e cada um dos processos que dizem respeito a matéria idêntica.

O campo propício de aplicação deste artigo 48º ocorre no domínio do contencioso da função pública onde, muitas vezes, um mesmo acto administrativo ou vários actos contidos num mesmo despacho têm incidência na mesma relação jurídica material.

Os actos de colocação de professores, por exemplo, afectam uma multiplicidade de sujeitos e todos eles apresentam pedidos e causas de pedir idênticas. Ora, se cada um destes casos fosse decidido individualmente teríamos milhares de processos iguais cujas decisões seriam exactamente as mesmas, o que seria altamente contraditório com o Princípio da Economia Processual.

Em termos simplificados, o legislador estabeleceu um esquema de acordo com o qual se há uma série de processos e todos avançarem ao mesmo tempo o tribunal vai decidir o primeiro caso que lhe chegou, ficando os outros suspensos. 

Nos termos do art. 48º/1 CPTA, é o presidente do tribunal que tem a iniciativa nesta matéria, o que faz todo o sentido se compreendermos que é ele que tem a possibilidade de ter uma visão de todos os processos que tenham sido intentados naquele tribunal.

Para que se possa avançar para um processo em massa têm de se encontrar preenchidos cumulativamente os seguintes pressupostos:

(i) Terem sido intentados mais de 20 processos;
(ii) Haver diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa;
(iii) Identidade da relação jurídica controvertida ou identidade das normas aplicáveis à mesma matéria de facto relativa a relações jurídicas distintas.

Iniciado um processo de massa, os outros particulares cujos processos ficaram suspensos têm duas hipóteses: ou aceitam a decisão do tribunal e esta é-lhes aplicada; ou não aceitam, o processo continua e esses processos são julgados autonomamente.

O regime dos processos em massa tal como está configurado não atinge com completude os fins de economia processual que em termos ideais deveriam ser atingidos, verificando-se aqui, tal como em muitas outras matérias do Contencioso Administrativo, a carência de reforma para a qual muitos autores têm vindo a alertar.

Um dos temas sobre os quais a revisão do CPTA que está agora em cima da mesa se debruça é precisamente o dos processos em massa, onde o legislador procura uma resposta célere, visando assegurar a concentração num único processo, a decorrer num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes em procedimentos de massa pretendem deduzir no Contencioso Administrativo.

Esta matéria passa, na proposta de reforma, a estar prevista também nos artigos 97º e 99º CPTA, onde é introduzida uma nova forma de processo urgente com o fim de dar uma resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa em domínios como os dos concursos na Administração Publica, da realização de exames com um elevado número de participantes.

O artigo 48º agora em vigor mantém-se, na proposta de alteração, sob a mesma epígrafe, mas com algumas alterações.

Desde logo, passa a exigir-se que tenham sido intentados apenas 10 processos e não os 20 processos que actualmente são necessários. Isto implicará um aumento dos processos em massa, uma vez que um dos pressupostos se torna menos exigente, o que poderá levar a um congestionamento do contencioso administrativo numa área em que as exigências de celeridade são ainda mais acentuadas.

A respeito do artigo 48º/5, não parece ser adequada a atribuição de competência ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo nas situações em que se trate de diferentes tribunais integrados sob a jurisdição do mesmo TCA, caso em que essa competência deveria ser atribuída ao presidente deste.

No que diz respeito à criação de uma nova forma de processo urgente, corre-se o risco de deixar de ser possível o cumprimento dos respectivos prazos, deixando de se dar tratamento urgente aos processos que necessitam efectivamente desse tratamento, já que são imensos os processos de carácter urgente que chegam actualmente aos tribunais administrativos.

A exigência do nº 2 do art. 99º de que as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos da Administração Central sejam interpostas e julgadas no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa é exagerada e poderá gerar uma ineficiência para o normal funcionamento daquele Tribunal, sem vantagens de maior para os envolvidos. É, assim, preterida a regra geral da competência territorial sem que se vislumbrem quaisquer razões de utilidade prática que devam prevalecer. 

Assim, as alterações que estão agora em cima da mesa não parecem ir no sentido de uma maior eficiência, simplificação e resolução de problemas existentes, como seria desejável. Um pouco no seguimento do que vem dizendo o professor Vasco Pereira da Silva, o legislador tem preferido, em lugar de talhar um "fato novo", colocar "remendos" em "roupa velha", o que é o mesmo que dizer que embora seja de louvar que finalmente esteja em cima da mesa a tão adiada reforma do Contencioso, me parece que ainda há um longo caminho a percorrer no sentido de colmatar a situação de défice de protecção jurídica, tão evidente ao nível da nossa justiça administrativa. 

Rita Pereira de Abreu
140111082

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