domingo, 26 de outubro de 2014

Acção de Impugnação - o pressuposto da Impugnabilidade

Relativamente aos pressupostos específicos da acção de Impugnação, um deles é a Impugnabilidade e encontra-se previsto e regulado nos artigos 51º e seguintes.
O nosso legislador decidiu estabelecer no artigo 51º dois critérios distintos de aferição da Impugnabilidade: critério da eficácia externa e o critério da lesão. É criticada a formulação destes dois critérios do artigo 51º - não se trata de um critério menor e outro maior, mas de dois critérios distintos com objectos diferentes. O critério mais amplo nem é o da eficácia externa, mas o critério da lesão (contrariamente ao que parece resultar da norma do artigo 51º).
O legislador de 2004 quis introduzir alterações significativas nesta matéria e portanto resolveu mostrar que aquelas características que antes se usavam para caracterizar o acto definitivo executório foram afastada:
  •        Afastada a definitividade em sentido horizontal e portanto o particular pode escolher o momento em que pretende atacar a actuação da administração. Qualquer acto é susceptível de ser impugnado em qualquer momento.
  • A norma do artigo 53º vem colocar em causa a Definitividade Material.

Diz-se agora que os critérios de determinação têm que corresponder a um acto que seja exactamente igual e portanto a ideia de definitividade material perde importância. Mesmo quando há definição de direito, ela não vale para efeitos processuais. Só não pode impugnar se o acto for exactamente igual. Vem se dizer que o que releva é a lesão e não o critério da definição de direito.
  •   Em relação à definitividade vertical – se olharmos para o artigo 51º e ss não se faz qualquer referencia à necessidade de o acto ter que ser praticado por órgão de topo da hierarquia. Anteriormente, havia uma previsão processual que dizia que só depois de ter havido Recurso Superior Hierárquico é que podia haver impugnação contenciosa – no nosso CPTA actual não existe nenhuma exigência deste tipo.

Vamos analisar de forma mais cuidada este último ponto, que tem sido objecto de muita discussão na nossa Doutrina e Jurisprudência.
É hoje pacifico que desde 2004 houve uma revogação da regra geral que exigia o recurso superior hierárquico – este recurso hierárquico é agora facultativo.
Professor VPS vai ainda mais longe e entende que este CPTA estatui que em caso algum pode haver este Recurso Superior Hierárquico! Isto resultaria da analise do CPTA e das regras constitucionais. Professor Mário Aroso de Almeida e Professor Freitas do Amaral não afastaram este Recurso Hierárquico quando exista regra especial (ainda que reconheçam que a regra geral tenha sido afastada).
Esta questão não é recente, sendo que a Constituição na sua versão original estabelecia um limite constitucional de acesso à justiça apenas para os actos definitivos e executórios – esta norma desapareceu em 1989.
Principais argumentos de natureza constitucional invocados pelo Professor VPS para sustentar a sua posição – existem muitos outros que permitem “desgastar o oponente na discussão”: a exigência do recurso hierárquico necessário violaria o Principio do Acesso a Justiça (não faz sentido condicionar este acesso à justiça pelo uso ou não uso de uma garantia processual administrativa); separação de administração e justiça, o que significa que não faz sentido condicionar a ida a tribunal pelo facto de não ter ido primeiro à administração; Principio da Desconcentração que divide os poderes de decisão pelos vários órgãos, não faz sentido haver um principio de concentração que exija a pronuncia de um órgão de topo (foi o argumento utilizado a este propósito em Itália); limitação pratica do exercício de um direito de forma excessiva, a desproporção desta exigência implicava dizer que um particular tinha que usar primeiro o recurso hierárquico, o que significava reduzir o prazo de impugnação de 2 meses para um mês.
Ainda hoje o principal problema segundo o Professor VPS é um problema de Inconstitucionalidade de uma exigência como estas: a orientação do Tribunal Constitucional entre 1989 e 2004 era de que essa exigência de recurso hierárquico necessário não era inconstitucional porque o particular não é prejudicado por usar o recurso hierárquico, pelo contrario, até vai beneficiar da suspensão do acto. Onde há inconstitucionalidade é quando o particular não impugnou o acto administrativamente e por isso deixa de poder impugnar judicialmente: não é preciso exigir as duas coisas como pressuposto!
Professor considera que ainda hoje estes argumentos de ordem constitucional são válidos e que o recurso superior hierárquico não é devido em termos constitucionais mas também não é devido em termos legislativos – esse pressuposto só podia estar previsto neste CPTA e não está: o facto de não estar aqui e, para alem disso nem estar em qualquer lei avulsa, permite concluir pela inexistência dessa mesma figura.
Em sentido contrário relativamente ao que tem vindo a defender o Professor VPS, Mário Aroso de Almeida e Freitas do Amaral dizem que o legislador revogou a regra geral do CPTA mas isso não implica que tenha revogado as leis especiais. Professor VPS diz que o argumento é falacioso: se tanto a lei geral como a lei especial prevêem este pressuposto, a lei avulsa em relação a lei geral não seria especial mas seria uma lei que confirmava a regra geral. Para além disso, acrescenta o Professor VPS que o legislador não falava na revogação de normas de procedimento, mas na revogação de normas de processo e portanto não se trata de um problema de revogação mas de um problema de caducidade e consequentemente, não se pode invocar o argumento da revogação. Se ainda por cima dissermos que não há apenas problema legislativo mas também problema constitucional, as normas constitucionais não revogam as regras legais mas caducam. Portanto a consequência desta reforma seria ter afastado todas as exigências de recurso hierárquico (normas gerais e normas avulsas que confirmavam) mas através de uma caducidade!
“O recurso hierárquico necessário tornou-se desnecessário”.
O máximo que poderíamos dizer era que essas normas ainda poderiam ser válidas para as normas anteriores ao novo regime e aqui VPS diz que não pode por razões constitucionais e porque além disso teria que resultar de uma revisão do contencioso administrativo – sendo que essa alteração se encontra neste momento em “lista de espera”.
O novo Projecto de Revisão admite a titulo excepcional o recurso superior hierárquico e cria leis de processo para os casos em que se admite o recurso superior hierárquico. VPS diz que não tem qualquer sentido obrigar o particular a usar primeiro o recurso superior hierárquico – só vai contribuir para uma maior demora do prazo de impugnação e para tornar a justiça ainda mais morosa – porque o que sucede na realidade é na maior parte dos casos o superior hierárquico confirmar a decisão do seu subalterno.
Seria diferente se estas vias de impugnação pudessem ser decididas por uma autoridade independente: é o que sucede com os “tribunals” na Grã-Bretanha.
É um dos aspectos mais criticados no âmbito da “reforma da reforma”: o legislador estabeleceu no CPTA que em casos especiais em que a lei expressamente o preveja possa haver recurso hierárquico necessário e depois a lei de processo estabelece pressupostos – a partir de agora o único argumento do Professor VPS passa a ser o argumento constitucional.
Outros aspectos relevantes deste Projecto de Revisão: o legislador estabeleceu benefícios para que o particular possa ter alguma vantagem em utilizar o recurso hierárquico facultativo (ex.: quando se fala nos prazos de impugnação diz-se que se suspende os prazos de impugnação contenciosa do acto administrativo); no nº5 do 59º diz-se que a suspensão do prazo, não impede o particular de impugnar contenciosamente o acto – ou seja, o particular que usou a garantia administrativa não está impedido de usar meio contencioso.
Em suma, o artigo 59º nº5 estabelece três soluções para o particular: pode impugnar administrativamente e ficar à espera da resposta para impugnar contenciosamente; pode impugnar administrativamente e não esperar pela resposta indo logo a tribunal; pode simultaneamente impugnar administrativa e contenciosamente.

Diogo Pinto
140111018


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