Relativamente aos
pressupostos específicos da acção de Impugnação, um deles é a Impugnabilidade e
encontra-se previsto e regulado nos artigos 51º e seguintes.
O nosso legislador
decidiu estabelecer no artigo 51º dois critérios distintos de aferição da
Impugnabilidade: critério da eficácia externa e o critério da lesão. É
criticada a formulação destes dois critérios do artigo 51º - não se trata de um
critério menor e outro maior, mas de dois critérios distintos com objectos
diferentes. O critério mais amplo nem é o da eficácia externa, mas o critério
da lesão (contrariamente ao que parece resultar da norma do artigo 51º).
O legislador de 2004
quis introduzir alterações significativas nesta matéria e portanto resolveu
mostrar que aquelas características que antes se usavam para caracterizar o
acto definitivo executório foram afastada:
- Afastada a definitividade em sentido horizontal e portanto o particular pode escolher o momento em que pretende atacar a actuação da administração. Qualquer acto é susceptível de ser impugnado em qualquer momento.
- A norma do artigo 53º vem colocar em causa a Definitividade Material.
Diz-se agora que os critérios de determinação têm que corresponder a um acto que seja exactamente igual e portanto a ideia de definitividade material perde importância. Mesmo quando há definição de direito, ela não vale para efeitos processuais. Só não pode impugnar se o acto for exactamente igual. Vem se dizer que o que releva é a lesão e não o critério da definição de direito.
- Em relação à definitividade vertical – se olharmos para o artigo 51º e ss não se faz qualquer referencia à necessidade de o acto ter que ser praticado por órgão de topo da hierarquia. Anteriormente, havia uma previsão processual que dizia que só depois de ter havido Recurso Superior Hierárquico é que podia haver impugnação contenciosa – no nosso CPTA actual não existe nenhuma exigência deste tipo.
Vamos analisar de forma
mais cuidada este último ponto, que tem sido objecto de muita discussão na
nossa Doutrina e Jurisprudência.
É hoje pacifico que
desde 2004 houve uma revogação da regra geral que exigia o recurso superior
hierárquico – este recurso hierárquico é agora facultativo.
Professor VPS vai ainda
mais longe e entende que este CPTA estatui que em caso algum pode haver este
Recurso Superior Hierárquico! Isto resultaria da analise do CPTA e das regras
constitucionais. Professor Mário Aroso de Almeida e Professor Freitas do Amaral
não afastaram este Recurso Hierárquico quando exista regra especial (ainda que
reconheçam que a regra geral tenha sido afastada).
Esta questão não é
recente, sendo que a Constituição na sua versão original estabelecia um limite constitucional
de acesso à justiça apenas para os actos definitivos e executórios – esta norma
desapareceu em 1989.
Principais argumentos de
natureza constitucional invocados pelo Professor VPS para sustentar a sua posição
– existem muitos outros que permitem “desgastar o oponente na discussão”: a
exigência do recurso hierárquico necessário violaria o Principio do Acesso a
Justiça (não faz sentido condicionar este acesso à justiça pelo uso ou não uso
de uma garantia processual administrativa); separação de administração e
justiça, o que significa que não faz sentido condicionar a ida a tribunal pelo
facto de não ter ido primeiro à administração; Principio da Desconcentração que
divide os poderes de decisão pelos vários órgãos, não faz sentido haver um
principio de concentração que exija a pronuncia de um órgão de topo (foi o
argumento utilizado a este propósito em Itália); limitação pratica do exercício
de um direito de forma excessiva, a desproporção desta exigência implicava
dizer que um particular tinha que usar primeiro o recurso hierárquico, o que significava
reduzir o prazo de impugnação de 2 meses para um mês.
Ainda hoje o principal
problema segundo o Professor VPS é um problema de Inconstitucionalidade de uma
exigência como estas: a orientação do Tribunal Constitucional entre 1989 e 2004 era de que essa
exigência de recurso hierárquico necessário não era inconstitucional porque o
particular não é prejudicado por usar o recurso hierárquico, pelo contrario,
até vai beneficiar da suspensão do acto. Onde há inconstitucionalidade é quando
o particular não impugnou o acto administrativamente e por isso deixa de poder
impugnar judicialmente: não é preciso exigir as duas coisas como pressuposto!
Professor considera que
ainda hoje estes argumentos de ordem constitucional são válidos e que o recurso
superior hierárquico não é devido em termos constitucionais mas também não é
devido em termos legislativos – esse pressuposto só podia estar previsto neste
CPTA e não está: o facto de não estar aqui e, para alem disso nem estar em
qualquer lei avulsa, permite concluir pela inexistência dessa mesma figura.
Em sentido contrário
relativamente ao que tem vindo a defender o Professor VPS, Mário Aroso de
Almeida e Freitas do Amaral dizem que o legislador revogou a regra geral do
CPTA mas isso não implica que tenha revogado as leis especiais. Professor VPS
diz que o argumento é falacioso: se tanto a lei geral como a lei especial
prevêem este pressuposto, a lei avulsa em relação a lei geral não seria
especial mas seria uma lei que confirmava a regra geral. Para além disso, acrescenta
o Professor VPS que o legislador não falava na revogação de normas de
procedimento, mas na revogação de normas de processo e portanto não se trata de
um problema de revogação mas de um problema de caducidade e consequentemente,
não se pode invocar o argumento da revogação. Se ainda por cima dissermos que
não há apenas problema legislativo mas também problema constitucional, as
normas constitucionais não revogam as regras legais mas caducam. Portanto a
consequência desta reforma seria ter afastado todas as exigências de recurso
hierárquico (normas gerais e normas avulsas que confirmavam) mas através de uma
caducidade!
“O recurso hierárquico
necessário tornou-se desnecessário”.
O máximo que poderíamos
dizer era que essas normas ainda poderiam ser válidas para as normas anteriores
ao novo regime e aqui VPS diz que não pode por razões constitucionais e porque
além disso teria que resultar de uma revisão do contencioso administrativo – sendo
que essa alteração se encontra neste momento em “lista de espera”.
O novo Projecto de
Revisão admite a titulo excepcional o recurso superior hierárquico e cria leis
de processo para os casos em que se admite o recurso superior hierárquico. VPS
diz que não tem qualquer sentido obrigar o particular a usar primeiro o recurso
superior hierárquico – só vai contribuir para uma maior demora do prazo de
impugnação e para tornar a justiça ainda mais morosa – porque o que sucede na
realidade é na maior parte dos casos o superior hierárquico confirmar a decisão
do seu subalterno.
Seria diferente se
estas vias de impugnação pudessem ser decididas por uma autoridade independente:
é o que sucede com os “tribunals” na Grã-Bretanha.
É um dos aspectos mais
criticados no âmbito da “reforma da reforma”: o legislador estabeleceu no CPTA
que em casos especiais em que a lei expressamente o preveja possa haver recurso
hierárquico necessário e depois a lei de processo estabelece pressupostos – a
partir de agora o único argumento do Professor VPS passa a ser o argumento
constitucional.
Outros aspectos
relevantes deste Projecto de Revisão: o legislador estabeleceu benefícios para
que o particular possa ter alguma vantagem em utilizar o recurso hierárquico
facultativo (ex.: quando se fala nos prazos de impugnação diz-se que se
suspende os prazos de impugnação contenciosa do acto administrativo); no nº5 do
59º diz-se que a suspensão do prazo, não impede o particular de impugnar
contenciosamente o acto – ou seja, o particular que usou a garantia
administrativa não está impedido de usar meio contencioso.
Em suma, o artigo 59º
nº5 estabelece três soluções para o particular: pode impugnar administrativamente
e ficar à espera da resposta para impugnar contenciosamente; pode impugnar
administrativamente e não esperar pela resposta indo logo a tribunal; pode
simultaneamente impugnar administrativa e contenciosamente.
Diogo Pinto
140111018
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