sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Primeira aproximação às angústias do Presidente da Câmara da Póvoa do Lanhoso

O legislador, a propósito das regras da acção de impugnação consagrou 4 pressupostos específicos:

(i)                  Impugnabilidade do acto;
(ii)                Legitimidade;
(iii)               Interesse em agir;
(iv)              Oportunidade.

O primeiro pressuposto é a impugnabilidade do acto. O art. 51º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (adiante CPTA) estabelece dois critérios autónomos. Em primeiro lugar, é necessário que se trate de um acto com eficácia externa, isto é, susceptível de produzir efeitos. Depois, exige-se que se trate de um acto susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
Na hipótese, a deliberação camarária de instalação do referido aterro é susceptível de produzir efeitos, desde logo, a construção do aterro e é também um acto susceptível de interferir com direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, desde logo o direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida, previsto no artigo 66º da Constituição da República Portuguesa.

O segundo critério é o da legitimidade. O artigo 55º estabelece regras especiais para a modalidade especial de acção de impugnação, que de certa forma complementa o que se encontra nos artigos 9º e 10º do CPTA, pelo que importa atender a todas essas realidades. Nesta matéria importa especificar que o artigo 55º de alguma forma arruma a matéria de forma diferente do artigo 9º, mas não cria novas partes.
Em sede do artigo 9º do CPTA (legitimidade activa), importa distinguir se estamos perante uma acção popular ou uma acção jurídico-subjectiva. O critério para que estejamos no âmbito da acção popular é que o autor não tenha um interesse directo na demanda.
Ora, nesta hipótese, parece-me que estamos perante uma acção jurídico-subjectiva, uma vez que o autor age para tutelar o seu direito ao ambiente e qualidade de vida. No direito francês costuma-se referir a questão da legitimidade como uma qualidade situacional do sujeito, uma vez que o que é fundamental averiguar é se o particular naquele caso concreto estava numa posição que lhe permitia pretender algo. Assim, no caso, Anacleto tinha interesse em agir uma vez que o aterro sanitário estava prestes a ser inaugurado junto da sua propriedade, prejudicando particularmente o seu direito a um ambiente sadio e equilibrado.

O presidente da Câmara Municipal alega que Anacleto não teria legitimidade em primeiro lugar por não haver nenhum direito seu afectado, uma vez que o aterro se localizava a 1km da sua quinta. Neste ponto teríamos de averiguar se o aterro, ainda que se encontrasse a 1km de distância da quinta de Anacleto, interferia com o seu bem-estar e até com o seu direito de propriedade, uma vez que um aterro sanitário nas proximidades da quinta se poderá traduzir numa desvalorização da mesma, numa diminuição do seu valor de mercado. 

O presidente da Câmara levanta ainda um outro problema que é o da possibilidade de ter havido uma aceitação do acto administrativo por parte de Anacleto. 
Importa aqui atender ao art. 56º CPTA, que implica necessariamente a perda de legitimidade em caso de aceitação expressa ou tácita do acto da Administração.
O professor Vasco Pereira da Silva é extremamente crítico relativamente a esta solução legal, por considerar que o legislador, tendo-se baseado no Processo Civil, poderá ter ido longe de mais, ter dito mais que aquilo que quereria dizer.
Ora, se existe um direito fundamental de impugnação indisponível garantido na nossa Constituição, há alguma dificuldade em aceitar que o particular vá renunciar a isso. Mesmo a aceitação expressa, no entendimento do professor Vasco Pereira da Silva, não terá uma aplicabilidade total, uma vez que só deverá ser admitida quando esteja em jogo um direito disponível. Se o professor apresenta reservas relativamente à aceitação expressa, no que respeita à aceitação tácita apresenta ainda mais. Acresce que a Administração goza de poderes de execução das suas decisões, pelo que não será por o particular sofrer os efeitos dessas decisões na sua esfera jurídica que se estará necessariamente a conformar com elas.
Acresce, ainda, que há um outro problema: ainda que se admita que esta aceitação possa valer, o que está em causa não é a legitimidade de que fala o legislador. O que estará aqui em causa é, isso sim, o pressuposto do interesse em agir.
Assim, não parece de admitir que a aquisição daquela propriedade contígua ao aterro por parte de Anacleto consubstancie uma “aceitação tácita” da sua parte, e muito menos que se possa daí concluir pela falta de um pressuposto processual e consequente improcedência da acção. Até porque para tal seria fundamental, nos termos do art. 56º/2 CPTA que o acto (aquisição da propriedade) fosse incompatível com a vontade de impugnar. Ora, muito pelo contrário, como Anacleto passa a ser proprietário de duas propriedades naquela zona, o seu interesse em agir sairá até reforçado porque passa a haver duas propriedades que irão ser afectadas.

Relativamente ao interesse em agir, o legislador estabeleceu no artigo 39º do CPTA o interesse processual a propósito das acções de simples apreciação. O professor Vasco Pereira da Silva entende que este interesse processual existe em qualquer meio processual e em qualquer pedido, sendo precisamente esse interesse processual que aparece aqui e no art. 56º CPTA.

No que respeita aos prazos está em jogo o critério da oportunidade.
Na questão dos prazos de impugnação o legislador vai estabelecer regras que têm a ver com a ponderação de interesses de todas as partes. Tendo em conta que está em causa uma actuação da Administração Pública, é razoável que esta questão não esteja em dúvida durante um período indeterminado de tempo. Esta é uma daquelas situações em que a segurança acaba por introduzir alguma limitação à ideia de justiça.
O não exercício do direito dentro dos prazos implica, em regra, que o particular já não possa exercer o seu direito contra aquele acto nos precisos termos em que poderia naquele período. O legislador estabeleceu um prazo entre os 3 meses e 1 ano para a propositura da acção, prevendo no art. 58º/4 CPTA a possibilidade de o particular intentar a acção dentro desse prazo de 1 ano verificando-se uma das razões justificativas desse preceito.
O legislador não estabelece nenhum efeito para este decurso do prazo, não estabelece nenhuma cominação. Este efeito, para o professor Vasco Pereira da Silva, só pode ser um efeito processual. Isto significa que o particular que queira impugnar um acto deixa de poder impugnar aquele acto mas não perde o direito a tutelar os seus direitos que são tutelados por aquele acto. Há que interpretar aquela norma como uma norma exclusivamente processual sem efeitos substantivos. Se repararmos bem, o próprio artigo 38º CPTA consagra esta ideia. Ao fim de um ano o acto já não pode ser impugnado mas o particular pode vir pedir a responsabilização civil da Administração Pública ou pedir a tutela de outros efeitos afectados por aquele acto no âmbito de uma relação jurídica duradoura.

Na hipótese, o aterro já tinha sido construído (a notícia é relativa à sua inauguração), pelo que Anacleto terá interesse não apenas em pedir a anulação da deliberação camarária, mas também em pedir a condenação da Administração à adopção dos actos necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado. Esta faculdade é-lhe atribuída pelo artigo 47º/1 e 2 b) do CPTA, onde se prevê precisamente a cumulação de pedidos.

Uma última nota relaciona-se com o facto de a Administração ter o ónus de contestar sendo que, se não o fizer, o juiz vai entender que a Administração se conforma com as pretensões do particular. Assim, naturalmente, aquela informação prestada ao jornal não produziria qualquer efeito ao nível do processo.


Rita Pereira de Abreu
140111082

Sem comentários:

Enviar um comentário