sábado, 29 de novembro de 2014

Intimação para um comportamento - as ramificações do nº3

Intimação para um comportamento – nº3/ artº37

Relativamente a esta modalidade de ação comum existem duas graves deficiências:

a)    Instrumentalidade e falta de autonomia – uma vez que o meio só podia ser utilizado antes do uso de meios administrativos ou contenciosos adequados à tutela de interesses a que a intimação se destinava ou na pendência de processo correspondente a esses meios, constituindo incidente de processo contencioso;
b)   Não poder ser utilizada contra a Administração

De acordo com Mário Aroso de Almeida, a forma como o legislador procurou suprir essas deficiências, passou pela consagração da possibilidade de se obter a condenação através de um meio principal, tanto da Administração como de particulares ou concessionários à adopção de comportamentos ativos ou omissivos, por outro lado de um principio de atipicidade das providencias cautelares que os tribunais administrativos passam a consentir.
            Tendo em conta o universo global das intimações é necessário distinguir 4 situações distintas que deram origem a:
a)     Providências cautelares, de condenação provisória num determinado comportamento positivo ou negativo, só que agora susceptível de ser dirigida tanto contra a Administração como contra um particular, em caso de alegada violação ou juridicamente fundado receio de violação de normas de direito administrativo;
b)    Modalidade de ação comum dirigida exclusivamente contra particulares, de modo a permitir reagir jurisdicionalmente perante condutas de privados não correspondentes a qualquer das formas de atuação administrativa, mas suscetíveis de configurar uma violação de vínculos jurídico administrativos independentemente da sua fonte (processo principal);
c)     Modalidade de ação comum, dirigida contra a administração ou particulares que com ela colaborem no exercício da função administrativa, destinada a obter a condenação de qualquer desses sujeitos na adopção ou na abstenção de uma atuação técnica informal ou operação material ou ainda na abstenção da prática de um ato administrativo lesivo.
d)    A uma ação especial de condenação na prática do ato administrativo devido, no caso das entidades publicas, ou dos particulares no exercício de funções administrativas terem praticado um ato administrativo de conteúdo negativo ou terem omitido a pratica de tal ato sempre que legalmente exigido.


Analisando um pouco mais a fundo a norma nº3, percebe-se que esta se refere a pedidos de condenação ou abstenção de certos comportamentos dos privados, mas não se vê qualquer razão para que não existam pedidos de simples apreciação ou de anulação-
Podem de resto configurar-se múltiplas situações complexas, de relações jurídicas multilaterais em que se justifiquem pedidos de simples apreciação ou natureza constitutiva, para além dos de natureza condenatória por estar em causa um direito fundamental como o ambiente que implica obrigações e deveres de atuação e fiscalização a cargo dos poderes públicos mas em especial da administração que tendem a transformar em administrativas a maior parte das relações ambientais. A interpretação sistemática da norma no contexto do principio geral segundo o qual a qualquer direito deve corresponder uma forma adequada para a respetiva proteção judicial assim como da própria cláusula aberta de pedidos tuteláveis através da ação comum e consequente natureza exemplificativa dos pedidos enumerados, de modo a considerar a admissibilidade também de pedidos de simples apreciação e de anulação ao lado dos de condenação.

Sofia Ribeiro



A problemática de contradição dos critérios de distinção das ações - Pedidos de Condenação

 (continuação do post anterior) 

A)   Pedidos de Condenação
Cria desde logo um problema de concurso dos meios processuais (ação comum vs ação especial).

A admissibilidade de sentenças condenatórias da Administração faz todo o sentido na lógica de um contencioso de plena jurisdição, tendo o legislador ido buscar inspiração para esta norma ao direito alemão.
O legislador português estabeleceu a possibilidade de existência de pedidos genéricos de condenação sempre que estejam em causa atuações informais, técnicas e operações materiais, em ação administrativa comum, ao mesmo tempo que previa igualmente a possibilidade desses pedidos genéricos de condenação serem suscitados relativamente a atos administrativos, mas nesse caso através da ação administrativa especial. O legislador parece ter admitido a possibilidade de existência de pedidos de condenação em ação administrativa comum relativos a atos administrativos e em contradição com os critérios delimitadores das ações. Para resolver este problema impõem-se uma interpretação sistemática do artº37, no contexto das normas que delimitam o âmbito da aplicação da ação comum em relação à especial, resultando o seguinte:
a)           Os pedidos de condenação à adopção  ou abstençãoo de comportamentos destinam-se ao domínio dos contratos, atuações técnicas e informais e das operações materiais da Administração. E que as hipóteses correspondentes a esta aplicação são múltiplas – ambiente, urbanismo, ordenamento do território, economia, energia;

b)          Os pedidos de condenação em ação comum podem dizer respeito à pratica futura de atos administrativos, mas apenas quando não sejam objeto de regulação especial – designadamente quando esse pedido de condenação não deva seguir a forma da ação administrativa especial. Ora, quando esteja em causa um pedido de condenação à adopção de um ato administrativo, das duas uma: ou a pratica do ato administrativo corresponde ao exercício de um poder administrativo vinculado e nesse caso o meio processual adequado é a ação especial na modalidade de condenação da pratica do ato devido ou a pratica do ato corresponde a um poder discricionário cuja adopção é da exclusiva responsabilidade da Administração pelo que uma eventual condenação corresponderia a um juízo de conveniência ou de oportunidade que está vedado aos tribunais administrativos sob pena de violação do principio de separação e interdependência dos poderes.

c)           Os pedidos de condenação à abstenção da prática de um ato administrativo podem ter lugar em ação administrativa comum ( e só esses). Trata-se de um meio processual caracterizado pela função preventiva através do qual a omissão de uma atuação publica que nao possua a característica de ato administrativo também pode dar lugar a uma condenação.  Assim, numa relação jurídica administrativa em que se verifique a ameaça da prática, ainda não concretizada, de um ato administrativo a ação pode ter uma função preventiva da lesão futura de um direito do particular. Caso em que o objetivo do particular tanto pode ser o da obtenção de uma sentença declarativa do seu direito, de modo a inibir ou condicionar a atuação administrativa futura, como o de conseguir a condenação da administração à abstenção da prática de um ato administrativo. A efetividade da tutela preventiva resultante de tais pedidos fica dependente de duas condicionantes: celeridade da atuação do tribunal e da não imediatividade de atuação por parte da Administração na realização dos objetivos propostos. Exemplo: o caso de um plano diretor municipal que contenha a ameaça de lesão de um direito dos particulares.

*De referir que relativamente a estas situações de tutela preventiva dos direitos dos particulares o legislador estabelece também medidas cautelares (artº112/2)


“Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objecto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto”
- Tratam-se de pedidos genéricos de natureza condenatória relativos à emissão de atuações técnicas, informais e de operações materiais cuja existência é necessária para a execução de obrigações de dar, prestar e restituir, decorrentes de quaisquer atuações administrativas de natureza jurídica.

“d) Condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados; 
f) Responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo ações de regresso;
g) Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público”

- Tratam de pedidos relativos à responsabilidade civil pública e que é tratada autonomamente.

“Enriquecimento sem causa”


- Em todas as situações em que se verifique um locupletamento à custa alheia, por parte de uma autoridade administrativa ou de um particular no exercício da função administrativa, que não tenha por fundamento uma qualquer forma de atuação administrativa


Sofia Ribeiro

A Troca de denominações processuais – a dita ação administrativa comum


Artigo 37 Código de Processo Administrativo
           
É necessário desde logo delimitar o âmbito de aplicação da ação administrativa comum relativamente à ação administrativa especial.  Essa delimitação assenta em dois critérios fundamentais: um de natureza substantiva (feito em razão das formas de atuação administrativa) e um de natureza processual (à ação administrativa comum são aplicadas as regras do processo de declaração regulado no CPC) .
A ação administrativa especial é o meio processual adequado para o controlo de atos e de regulamentos administrativos, enquanto que a ação administrativa comum é o meio adequado para o julgamento de contratos, de atuações informais e técnicas ou de operações materiais. Cabe também nesta última, o conhecimento de atos ou regulamentos administrativos, só que apenas indiretamente enquanto simples fatos jurídicos

A ação administrativa comum é pois um meio processual de grande alcance, uma ação quadro, no âmbito da qual se pode suscitar uma grande diversidade de pedidos ou mais especificamente todos os pedidos que não digam respeito nem a julgamento de atos ou de regulamentos administrativos. Assim de acordo com o artº37 cabem no âmbito da ação administrativa comum um conjunto de pedidos, enumerados a titulo meramente exemplificativo, que vão desde a simples apreciação à condenação, passando por outros de natureza mista, em que se podem combinar as vertentes de simples apreciação, com as constitutivas ou de condenação.

Detalhes de cada um dos pedidos

A)   Pedidos de Simples Apreciação:

“Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo”

- Está em causa o reconhecimento da existência de direitos ou relações jurídicas diretamente resultantes de atos normativos, assim como decorrentes de atuações informais, técnicas ou mesmo de simples operações materiais. Apesar da referencia a atos jurídicos, não parece que o legislador tenha querido referir-se a atos administrativos, ainda que a nossa noção de ato jurídica seja ampla (artº120 CPA – qualquer atuação administrativa suscetível de produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta). O que está em causa são atuações juridicamente relevantes e não atos jurídicos, uma vez que o legislador estabelece que as ações declarativas referentes a atos administrativos devem seguir a forma de atuação administrativa especial (normas – artº5, 37, 46 e 50). Há que ter em conta, resultante da amplitude do conceito de ato administrativo que: as atuações informais e técnicas são de considerar como atos administrativos, salvo quando desprovidas de efeitos jurídicos diretos, caso em que devem ser antes consideradas como simples operações materiais. Assim na nossa ordem jurídica, devem distinguir-se as atuações produtoras de efeitos jurídicos individuais e concretos que são atos administrativos e as atuações desprovidas de efeitos jurídicos imediatos que são operações materiais. Da mesma maneira, do ponto de vista processual, haverá que distinguir entre litígios relativos a atos administrativos (ação administrativa especial) e litígios referentes a atuações técnicas, informais ou operações materiais, que não são produtoras de efeitos jurídicos (ação administrativa comum).

“Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições”

- Trata-se de situações em que está em causa o reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições – hipóteses que na maior parte dos casos também cabem na alínea anterior (sobreposição de disposições).

Exemplo de casos destas alíneas:
-       Domínio do património cultural – verifica-se a existência de limites, restrições e condicionamentos dos direitos dos particulares em relação a bens classificados ou a classificar que decorrem diretamente da lei, mas que, em virtude do seu carácter genérico podem necessitar de concretização, o que deve possibilitar aos titulares desses direitos o acesso ao tribunal para sua defesa.
-       Tutela de direitos fundamentais dos particulares sem que haja um concreto ato lesivo- exemplo do funcionário que por ser do partido x, não é que tenha sido prejudicado, mas o que ele nunca mais foi beneficiado sem que haja concretamente uma atuação que possa impugnar;


 C) Pedidos de Natureza Mista


            Tanto podem dar origem a sentenças de simples apreciação, como constitutivas ou de condenação são desde logo:
-       Os pedidos do contencioso contratual relativos à “h) Interpretação, validade ou execução de contratos”
-       A resolução de litígios emergentes das “j) Relações jurídicas entre entidades administrativas.”
-       Processos previstos no nº3/artº37


Nº3
            A especificidade desta modalidade de ação administrativa comum é o fato dela não ser dirigida contra a Administração, mas sim contra particulares, no quadro de relações jurídicas administrativas multilaterais, que se caracterizam pela diversidade de partes e pela rede de ligações jurídicas, de que resultam direitos e deveres recíprocos, que se estabelecem entre esses sujeitos públicos e privados. Fonte direta desta modalidade de ação comum é a intimação para um comportamento, a qual dirigindo-se apenas contra particulares possuía em regra a natureza de meio processual acessório – foi um meio processual mal amado e tendo sido suscitado múltiplos reparos.


 Nota: os pedidos de condenação estarão noutra publicação para não sobrecarregar a mesma


Sofia Ribeiro