Primeiramente, importa
começar por explicar de forma sucinta o actual regime do artigo 48º do Código
de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), com a epígrafe “Processos em
Massa”.
Evidentemente esta
figura surgiu já numa fase de “maturidade” do Direito Administrativo, uma fase
caracterizada pelo aumento das relações entre particular e Administração e concomitantemente
por um aumento dos conflitos entre estes intervenientes. O legislador sentiu
necessidade de encontrar uma solução que permitisse aliviar a sobrecarga dos
nossos tribunais administrativos.
Qual é o verdadeiro
objecto e finalidade do artigo 48º?
Os juízes eram constantemente confrontados com a realidade
de ter que resolver pedidos idênticos, em relação aos quais aplicavam sempre a
mesma solução. O que vai suceder é que o Presidente do tribunal (a atribuição deste
poder ao Presidente do tribunal, justificada com o facto de ele ter uma visão mais
ampla dos processos e do funcionamento dos tribunais, é um dos “temas quentes”
desta nova reforma) ao identificar vários processos com o mesmo pedido, vai determinar
que seja julgado apenas um dos processos e suspende todos os outros até
obtenção de sentença final.
Analisando as várias normas do artigo 48º parece
desde logo importante salientar que esta é uma possibilidade que o Presidente
do tribunal tem, que não está em condição alguma vinculado a fazê-lo. Para além
disso, para que possa existir um “Processo em massa” é necessário que se
verifiquem os seguintes três pressupostos identificados no nº1 do artigo 48º:
- Serem intentados mais de 20 processos
- Todos os processos digam respeito à mesma relação jurídica material
- Processos digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto
Aqueles processos que não forem escolhidos para
prosseguir serão suspensos até ao momento da sentença, sendo que nos termos do
nº2 do artigo 48º o tribunal pode suspender outros processos que entretanto
venham a ser intentados na pendência do processo seleccionado (desde que
preenchidos os pressupostos do nº1).
Posteriormente à emissão da sentença transitada em
julgado respeitante àquele processo seleccionado, as partes nos processos
suspensos não estão obrigadas a que se lhes aplique essa mesma sentença,
podendo optar por uma das soluções previstas no nº5 do artigo 48º: desistir do
seu próprio processo; requerer ao tribunal a extensão ao seu caso dos efeitos
da sentença proferida; requerer a continuação do seu próprio processo; recorrer
da sentença, se ela tiver sido proferida em primeira instância.
No entanto, no âmbito do Projecto de Revisão do CPTA
que se encontra pendente, é planeada uma significativa alteração deste regime
dos “Processos em massa”. Como é referido no parágrafo 4 daquele Projecto Lei “é
introduzida nos artigos 97.º e 99.º a previsão de uma nova forma de processo
urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a
procedimentos de massa” sendo que os principais objectivos desta reforma
passariam por “assegurar a concentração num único processo, a correr num único
tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos
pretendam deduzir no contencioso administrativo”.
Esta norma do artigo 99º vem portanto acrescentar em
relação ao artigo 48º do actual CPTA, entre outros aspectos, que estes
processos em massa devem revestir a forma de Processo Urgente – com os prazos
estabelecidos no nº5. Para além disso, foi igualmente estabelecido que o “processo-modelo”
deve ser sempre o que foi intentado em primeiro lugar e que todos os outros
processos devem ser apensos a esse processo principal.
Diferentemente do que se verifica no artigo 48º que
apenas enuncia os pressupostos que um processo tem que preencher para aplicação
da norma, o artigo 99º prevê uma lista exemplificativa dos tipos de processo
que podem ser objecto desta norma:
- Concursos de pessoal cujos participantes sejam em número superior a 20;
- Procedimentos de realização de provas cujos participantes sejam em número superior a 20;
- Procedimentos de recrutamento cujos envolvidos sejam em número superior a 20.
Algumas criticas têm sido apontadas a este artigo
99º do Projecto de Revisão, vejamos algumas.
Em primeiro lugar, parece existir uma margem de
liberdade para a escolha dos processos abrangidos por esta norma “sem prejuízo
de outros casos previstos em lei especial” que pode ser considerada excessiva,
sobretudo quando comparada com a norma do artigo 48º que estabelecia exigentes
pressupostos para que pudesse ser aplicado o regime dos Processos em Massa.
Para além disso, o numero de participantes “superior a 20” parece constituir um
limite relativamente baixo para aquilo que seria desejável.
Sobretudo do ponto de vista dos tribunais e dos
juízes, estes dois factores enunciados no parágrafo supra vão ter como consequência um aumento significativo do número
de processos urgentes nos nossos tribunais. Isto pode ter o efeito perverso de
tornar impossível o cumprimento dos prazos nos processos urgentes, assim se
deixando de dar tratamento urgente aos processos que verdadeiramente necessitam
desse tratamento.
Uma segunda critica importante a este novo regime
prende-se com a norma do nº2 do artigo 99º, uma vez que todos estes processos
urgentes devem correr termos no tribunal administrativo de círculo de Lisboa
(com as excepções do artigo 20º do Projecto Lei). Esta opção parece ser algo
exagerada e susceptível de gerar uma ineficiência no normal funcionamento
daquele Tribunal.
Diogo Pinto
140111018
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