domingo, 19 de outubro de 2014

Processos em massa no artigo 48º CPTA e o Projecto de Revisão

Primeiramente, importa começar por explicar de forma sucinta o actual regime do artigo 48º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), com a epígrafe “Processos em Massa”.
Evidentemente esta figura surgiu já numa fase de “maturidade” do Direito Administrativo, uma fase caracterizada pelo aumento das relações entre particular e Administração e concomitantemente por um aumento dos conflitos entre estes intervenientes. O legislador sentiu necessidade de encontrar uma solução que permitisse aliviar a sobrecarga dos nossos tribunais administrativos.
Qual é o verdadeiro objecto e finalidade do artigo 48º?
Os juízes eram constantemente confrontados com a realidade de ter que resolver pedidos idênticos, em relação aos quais aplicavam sempre a mesma solução. O que vai suceder é que o Presidente do tribunal (a atribuição deste poder ao Presidente do tribunal, justificada com o facto de ele ter uma visão mais ampla dos processos e do funcionamento dos tribunais, é um dos “temas quentes” desta nova reforma) ao identificar vários processos com o mesmo pedido, vai determinar que seja julgado apenas um dos processos e suspende todos os outros até obtenção de sentença final.
Analisando as várias normas do artigo 48º parece desde logo importante salientar que esta é uma possibilidade que o Presidente do tribunal tem, que não está em condição alguma vinculado a fazê-lo. Para além disso, para que possa existir um “Processo em massa” é necessário que se verifiquem os seguintes três pressupostos identificados no nº1 do artigo 48º:

  •       Serem intentados mais de 20 processos
  •       Todos os processos digam respeito à mesma relação jurídica material
  •       Processos digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto
Aqueles processos que não forem escolhidos para prosseguir serão suspensos até ao momento da sentença, sendo que nos termos do nº2 do artigo 48º o tribunal pode suspender outros processos que entretanto venham a ser intentados na pendência do processo seleccionado (desde que preenchidos os pressupostos do nº1).
Posteriormente à emissão da sentença transitada em julgado respeitante àquele processo seleccionado, as partes nos processos suspensos não estão obrigadas a que se lhes aplique essa mesma sentença, podendo optar por uma das soluções previstas no nº5 do artigo 48º: desistir do seu próprio processo; requerer ao tribunal a extensão ao seu caso dos efeitos da sentença proferida; requerer a continuação do seu próprio processo; recorrer da sentença, se ela tiver sido proferida em primeira instância.

No entanto, no âmbito do Projecto de Revisão do CPTA que se encontra pendente, é planeada uma significativa alteração deste regime dos “Processos em massa”. Como é referido no parágrafo 4 daquele Projecto Lei “é introduzida nos artigos 97.º e 99.º a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa” sendo que os principais objectivos desta reforma passariam por “assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo”.
Esta norma do artigo 99º vem portanto acrescentar em relação ao artigo 48º do actual CPTA, entre outros aspectos, que estes processos em massa devem revestir a forma de Processo Urgente – com os prazos estabelecidos no nº5. Para além disso, foi igualmente estabelecido que o “processo-modelo” deve ser sempre o que foi intentado em primeiro lugar e que todos os outros processos devem ser apensos a esse processo principal.
Diferentemente do que se verifica no artigo 48º que apenas enuncia os pressupostos que um processo tem que preencher para aplicação da norma, o artigo 99º prevê uma lista exemplificativa dos tipos de processo que podem ser objecto desta norma:

  •       Concursos de pessoal cujos participantes sejam em número superior a 20;
  •       Procedimentos de realização de provas cujos participantes sejam em número superior a 20;
  •       Procedimentos de recrutamento cujos envolvidos sejam em número superior a 20.
Algumas criticas têm sido apontadas a este artigo 99º do Projecto de Revisão, vejamos algumas.
Em primeiro lugar, parece existir uma margem de liberdade para a escolha dos processos abrangidos por esta norma “sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial” que pode ser considerada excessiva, sobretudo quando comparada com a norma do artigo 48º que estabelecia exigentes pressupostos para que pudesse ser aplicado o regime dos Processos em Massa. Para além disso, o numero de participantes “superior a 20” parece constituir um limite relativamente baixo para aquilo que seria desejável.
Sobretudo do ponto de vista dos tribunais e dos juízes, estes dois factores enunciados no parágrafo supra vão ter como consequência um aumento significativo do número de processos urgentes nos nossos tribunais. Isto pode ter o efeito perverso de tornar impossível o cumprimento dos prazos nos processos urgentes, assim se deixando de dar tratamento urgente aos processos que verdadeiramente necessitam desse tratamento.
Uma segunda critica importante a este novo regime prende-se com a norma do nº2 do artigo 99º, uma vez que todos estes processos urgentes devem correr termos no tribunal administrativo de círculo de Lisboa (com as excepções do artigo 20º do Projecto Lei). Esta opção parece ser algo exagerada e susceptível de gerar uma ineficiência no normal funcionamento daquele Tribunal.

Diogo Pinto
140111018

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