sábado, 18 de outubro de 2014

PROCESSOS EM MASSA - A REFORMA DA REFORMA DO CONTENCIOSO


Finalmente chegou a tão desejada reforma do Contencioso Administrativo. No âmbito desta reforma discute-se a alteração do regime actual dos processos em massa, presente no artigo 48º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Trataremos aqui das propostas de alteração dos artigos 48º e 99º do CPTA.

Conforme o preâmbulo do projecto: “é introduzida (...) a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes” visando “assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo.”1
Este assunto é, porém, muito delicado, na medida em que  é já bastante elevado o número de processos urgentes nos tribunais administrativos. Tendo isto tem conta, a criação de novos processos desta espécies, ou o "relaxamento" de algum dos pressupostos na qualificação dos mesmos deve ser considerado com a cautela adequada a este tipo de situações, sob pena de "se tornar impossível o cumprimento dos respectivos prazos, assim se deixando de dar tratamento urgente aos processos que verdadeiramente necessitam desse tratamento."2.

Quanto ao artigo 48º: 
Propsota - "Artigo 48.o Processos em massa 1 - Quando, num mesmo tribunal, sejam intentados mais de dez processos que, embora referidos a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo, o presidente do tribunal deve determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento a apenas um ou alguns deles, que, neste último caso, são apensados num único
processo, e se suspenda a tramitação dos demais. 2 - O tribunal pode igualmente determinar, ouvidas as partes, a suspensão dos processos que venham a ser intentados na pendência do processo selecionado e que preencham os pressupostos previstos no número anterior. 3 - No exercício dos poderes conferidos nos números anteriores, o tribunal deve certificar-se de que no processo ou processos aos quais seja dado andamento prioritário a questão é debatida em todos os seus aspetos de facto e de direito e que a suspensão da tramitação dos demais processos não tem o alcance de limitar o âmbito da instrução, afastando a apreciação de factos ou a realização de diligências de prova necessárias para o completo apuramento da verdade. 4 - O disposto nos números anteriores também é aplicável quando a situação se verifique no conjunto de diferentes tribunais, podendo o impulso partir do presidente de qualquer dos tribunais envolvidos ou de qualquer das partes nos processos em causa. 5 - A aplicação do regime do presente artigo a situações de processos em massa existentes em diferentes tribunais, segundo o previsto no número anterior, é determinada pelo Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, a quem compete estabelecer qual ou quais os processos aos quais deve ser dado andamento, com suspensão dos demais, oficiosamente ou mediante proposta dos presidentes dos tribunais envolvidos. 6 - Ao processo ou processos selecionados segundo o disposto no n.o 1 é aplicável o disposto neste Código para os processos urgentes e no seu julgamento intervêm todos os juízes do tribunal ou da secção.
7 - Quando, no processo selecionado, seja emitida pronúncia transitada em julgado, as partes nos processos suspensos são notificadas da decisão, podendo o autor nesses processos optar, no prazo de trinta dias, por:
a) Desistir do pedido; b) Requerer ao tribunal a extensão ao seu caso dos efeitos da sentença proferida,
deduzindo qualquer das pretensões enunciadas nos n.os 3, 4 e 5 do artigo 176.o; c) Requerer a continuação do seu próprio processo; d) Recorrer da sentença proferida no processo selecionado quando esta não tenha
sido objeto de recurso. 8 - Quando seja apresentado o requerimento a que se refere a alínea b) do número anterior, seguem-se, com as devidas adaptações, os trâmites previstos nos artigos 177.o a 179.o. 9 - Se o recurso previsto na alínea d) do n.o 7 vier a ser julgado procedente, pode o autor exercer a faculdade prevista na alínea b) do mesmo número, sendo também neste caso aplicável o disposto no número anterior."3.


Nos termos do regime actual, "para que se possa avançar para um processo em massa têm de se encontrar preenchidos cumulativamente os seguintes pressupostos: (i) Terem sido intentados mais de 20 processos; (ii) Haver diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa; (iii) Identidade da relação jurídica controvertida ou identidade das normas aplicáveis à mesma matéria de facto relativa a relações jurídicas distintas."4.

A reforma propõe que o pressuposto dos 20 processos passe para 10 processos. A alteração proposta para o art. 48º (Processos em massa) - consideramos a redução do número de processos de 20 para 10 desacertada, pois implica um aumento dos processos em massa, os quais revestindo natureza urgente irão, de forma excessiva, aumentar o volume de processos dessa natureza no contencioso administrativo.

Ainda no art. 48º da reforma propõe-se que "a aplicação do regime do presente artigo a situações de processos em massa existentes em diferentes tribunais, segundo o previsto no número anterior, é determinada pelo Presidente do Supremo Tribunal Administrativo"5. 
Esta alteração parece-nos  errada, uma vez que sobrecarrega o Presidente do STA com uma carga que mais se coaduna com a centralização de poderes de outros tempos do que com as necessidades do tempo presente...

Quanto ao art. 99º:

Proposta - "Artigo 99.o Contencioso dos procedimentos de massa 1 – Para os efeitos do disposto na presente secção, e sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial, o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão
de atos administrativos nos seguintes domínios: a) Concursos de pessoal cujos participantes sejam em número superior a 20; b) Procedimentos de realização de provas cujos participantes sejam em número
superior a 20; c) Procedimentos de recrutamento cujos envolvidos sejam em número superior a 20.
2 – Salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura das acções a que se refere o presente artigo é de um mês e, salvo nos casos abrangidos pela previsão do n.o 1 do artigo 20.o, elas devem ser propostas no tribunal administrativo de círculo de Lisboa.
3 – O modelo a que devem obedecer os articulados é estabelecido por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. 4 – Quando, por referência ao mesmo procedimento, seja proposta mais do que uma ação, os respetivos processos são objeto de apensação obrigatória àquele que tiver sido intentado em primeiro lugar, segundo o disposto no artigo 28.o.
5 – Os prazos a observar durante a tramitação do processo são os seguintes: a) 20 dias para a contestação; b) 15 dias para a decisão do juiz ou do relator, ou para o despacho deste a submeter
o processo a julgamento; c) 10 dias para os restantes casos.
6 – Nos processos da competência de tribunal superior, quando não seja decidido pelo relator, o processo é julgado, independentemente de vistos, na primeira sessão que tenha lugar após o despacho referido na alínea b) do número anterior."6.

Parece-nos que o pressuposto de 20 processos determinado por este artigo é demasiado amplo, uma vez que, dada a natureza dos assunto em questão dificilmente estaríamos perante menos de 20 processos. Assim sendo, conferir a estes processos a natureza urgente que a lei confere aos processos de massa representaria um congestionamento dos tribunais que poria em causa o acesso à justiça em tempo útil.

Outro problema relevante, conforme salienta o Professor Vasco Pereira da Silva é o prazo de um mês, findo o qual a possibilidade de se impugnar a actuação da administração é precludida, com efeitos, evidentemente definitivos, e como tal nefastos para  os direitos de particulares, que no prazo de um mês poderão nem sequer ter a noção dos prejuízos que a actuação da administração provocou. Pensamos, pois, seguindo a opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, que esta solução levanta sérios problemas de constitucionalidade.

Assim, tendemos a concordar com a posição do parecer "Em face do que entendemos que as alterações propostas (...) não corporizam um ganho de eficiência, simplificação e de resolução de problemas existentes, antes pelo contrário, excepto as que em sede de contencioso pré‐contratual visam a adequada transposição da Directiva Recursos ao estabelecer um efeito suspensivo automático à impugnação do acto de adjudicação."7.

Assim, a tão esperada reforma, acaba por não ser aquilo que se esperava. O legislador, ao que parece, continua a tratar o contencioso administrativo aquém da sua nobreza entre os demais ramos do direito.

Rodrigo Lobo Machado
140111033


1. cfr. http://www.cstaf.pt/Pareceres/CSTAF.Parecer.Revisão%20ETAF_CPTA.pdf
2. cfr. idem
3. cfr. http://www.portugal.gov.pt/media/1352316/20140225%20mj%20prop%20lei%20cpta%20etaf.pdf
4. cfr. http://contenciosoadministrativo-vps.blogspot.pt/2014/10/processos-em-massa-o-vigente-e-proposta.html
5. cfr. http://www.portugal.gov.pt/media/1352316/20140225%20mj%20prop%20lei%20cpta%20etaf.pdf
6. cfr. idem
7. cfr. http://www.cstaf.pt/Pareceres/CSTAF.Parecer.Revisão%20ETAF_CPTA.pdf

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