- Considerações acerca do actual regime dos Processos em Massa e sua Reforma -
Lê-se
no artigo 48.º do actual Código de Processo dos Tribunais Administrativos
(doravante CPTA), acerca dos Processos em Massa, que:
“Quando sejam intentados mais de 20 processos
que, embora reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa,
digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a
diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de
ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de
facto, o presidente do tribunal pode determinar, ouvidas as partes, que seja
dado andamento a apenas um ou alguns deles, que neste último caso são apensados
num único processo, e se suspensa a tramitação dos demais”.
Antes
de observarmos os pressupostos para que haja um processo em massa, cabe-nos
analisar a ratio por detrás deste
artigo. Parece desde logo que se vem dar forma ao princípio da celeridade, tal
como consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. É nos
seus números 4º e 5º que se estabelece o princípio segundo o qual todos têm
direito a uma decisão em prazo razoável, e a procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade.
Mais
se diga, está ainda em causa o princípio da igualdade, pois, ao dar andamento a
apenas um ou alguns dos processos, suspendendo a tramitação dos demais, está a
evitar-se que, perante pedidos semelhantes, de partes diferentes, se cheguem a
decisões diferentes em casos que são materialmente idênticos.
Vejamos
agora os requisitos. É necessário que:
- Haja mais de 20 (vinte) processos;
- Sejam reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa;
- Sejam respeitantes à mesma relação material ou, se respeitantes a relação material diferente, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto.
Perante
uma situação que preencha cumulativamente os requisitos enumerados, existe um
poder discricionário do presidente do tribunal em aplicar a figura do processo
em massa.
Após uma tal decisão, o que ocorrerá será o seguimento de um dos processos,
ao qual se aplicará o disposto para os processos urgentes (cfr. art. 48.º, n.º4
do CPTA), e a suspensão dos demais. Da aplicação deste mecanismo resultará ainda a intervenção de todos os juízes do tribunal ou da secção (cfr. art. 48.º, n.º4
do CPTA e art. 41.º, n.º2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais –
ETAF).
Após
emissão de pronúncia, e se for verificada que esta pode ser aplicada aos
processos cuja tramitação foi suspensa, as partes são imediatamente notificadas
da sentença.
Nesse momento, terão a hipótese de, no prazo de 30 (trinta) dias:
- Desistir do processo;
- Requerer a extensão dos efeitos do caso julgado;
- Prosseguir com o processo;
- Recorrer da decisão, se esta tiver sido proferida em primeira instância.
Uma
vez visto e analisado o artigo 48.º, podemos concluir que os processos em massa
nele estabelecidos trarão como vantagens, e como referido anteriormente, a
obtenção de decisões potencialmente uniformizadas, e uma maior celeridade,
visto não ser necessário lidar com um elevado número de processos e peças
processuais diferentes, ainda que materialmente iguais.
...
Está
de momento em curso a reforma do Direito Processual Administrativo,
designadamente através da revisão do ETAF e do CPTA, corporizadas num Projecto
de Revisão que se encontra agora em fase de discussão pública.
Refere-se,
desde logo, no preâmbulo do Projecto que “(…)
no que respeita às formas de processo, é introduzida nos artigos 97.º e 99.º a
previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere
e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa (…). O novo
regime dos procedimentos em massa visa assegurar a concentração num único
processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os
participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso
administrativo”.
Isto
visto, o primeiro passo será o de analisar a nova redacção do artigo 48.º. Neste
projecto, os requisitos para aplicação de um processo em massa são que:
- Haja mais de 10 (dez) processos;
- Sejam reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa;
- Sejam respeitantes à mesma relação material ou, se respeitantes a relação material diferente, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto.
Para
além da redução do número de processos necessários (de vinte para dez), surge
uma nova alteração que consta na fixação de um dever de determinação, por parte
do presidente do tribunal, em aplicar este mecanismo. Ou seja, procedeu-se a
uma alteração no sentido de que aquilo que era um poder discricionário, se
tornar agora uma obrigação.
Vem ainda
introduzir-se uma alteração no sentido de que este mecanismo é também aplicável
quando a situação se verifique no conjunto de diferentes tribunais.
Vistas
a alterações efectuadas, podemos concluir que se pretendeu uma agilização do
processo, pois veio não só facilitar-se o recurso a este mecanismo, como torná-lo
obrigatório, ao invés de uma decisão discricionária por parte do presidente do
tribunal.
Tratou
ainda o legislador, e regressando ao que iniciámos nesta segunda parte, de
introduzir no artigo 99.º um novo meio processual urgente destinado aos processos em massa.
O âmbito
deste contencioso aparece como tendo um limiar de 20 (vinte) participantes,
como fixado nas alíneas do n.º1 do art.99.º. Parece contudo que a fixação de um
tal limitar eram dispensável, por não se configurar alguma hipótese em que
haja concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas, ou procedimento
de recrutamento, em que esse não seja ultrapassado.
O
Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante CSTAF), no
parecer que emitiu em fase de discussão pública, demonstrou entender que “os processos de carácter urgente são
actualmente já em número bastante elevado nos tribunais administrativos, pelo
que a criação de novos processos desta espécie impõe muita cautela, sob pena de
se tornar impossível o cumprimento dos respectivos prazos, assim se deixando de
dar tratamento urgente aos processos que verdadeiramente necessitam desse
tratamento.”
Veio pois o CSTAF argumentar no sentido de que se deve eliminar
este novo processo urgente, no sentido em que a sua manutenção levaria a um
entupimento do sistema com processos ditos urgentes, sem que o realmente
fossem.
...
Tudo
visto, resta deixar para reflexão ponderações acerca das boas intenções do
legislador – celeridade e agilização dos processos – e as parcas soluções a que
este chegou – possível entupimento do sistema.
Acontece
que muito embora tenha havido tentativas no sentido de facilitar o recurso ao
mecanismo dos processos em massa, projecto que confio vir a agilizar o sistema,
parece que se quer ir mais além, quiçá demasiado além, ao criar um novo processo
urgente, ao invés de manter a mera remissão do n.º5 do art. 48.º.
Parece
que não se ganhou em eficiência nem simplificação, ocorrendo antes um
alargamento do conceito de “urgente” a processos aos quais os Tribunais não
serão capazes de dar resposta em tempo.
Inês Metello - 140111090
Inês Metello - 140111090
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