quinta-feira, 16 de outubro de 2014

OS PROCESSOS EM MASSA E O PROJECTO DE REVISÃO DO CPTA



Actualmente, a figura dos processos em massa vem prevista no art.º 48º do CPTA. 

Tal como a própria designação indica, esta figura surgiu como consequência da massificação das relações entre a Administração e os particulares e como forma de evitar a sobrecarga dos tribunais administrativos com pedidos idênticos que merecem a mesma solução jurídica, cumprindo a imposição constitucional da tutela em tempo útil (art.º 20º nº4 CRP). 

O que acontece nestes processos é proceder-se à escolha de um ou alguns processos que tramitam até à decisão final (o processo-modelo), enquanto os restantes são suspensos. A iniciativa compete ao presidente do tribunal (é ele que pode ter uma visão de todos os processos intentados), nos termos do art.º 48/1, mas tem de ouvir as partes e trata-se de uma faculdade (como aliás indica o nº1 do art.º 48º ao estatuir que “o presidente do tribunal pode determinar”) e não de uma obrigação, mesmo que os requisitos se encontrem preenchidos. 

Para poder haver um processo em massa é necessário que estejam preenchidos os requisitos enunciados no nº1 do art.º 48º e que são: serem intentados mais de 20 processos, haver diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa e estarmos perante a mesma relação jurídica material (os direitos e deveres atribuídos às partes – Administração e particular – são os mesmos) ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto. 

Também os demais processos intentados na pendência do processo seleccionado e que preencham os pressupostos do nº1 do art.º 48º podem ser suspensos pelo tribunal, ouvidas as partes. 

No entanto, incumbe ao juiz garantir que no processo-modelo a questão é debatida em todos os seus aspectos de facto e de direito e que a suspensão do demais não limita o âmbito da instrução, preterindo o completo apuramento da verdade (nº3). Isto prende-se com a garantia dos interesses de todos os envolvidos. Assim, embora não haja critérios expressos de selecção do processo-modelo, o juiz deverá seleccionar o(s) processo(s) que oferecerem melhores garantias de tratamento global das questões suscitadas. 

A tramitação do processo seleccionado segue o previsto no CPTA para os processos urgentes (art.º 48/4). 

No entanto, a decisão transitada em julgado no âmbito do processo seleccionado não vincula as partes nos processos suspensos, mesmo quando seja de entender que a mesma solução pode ser-lhes aplicada, podendo as partes optar, no prazo de 30 dias, por desistir do seu processo, requerer a extensão dos efeitos da sentença proferida no âmbito do processo seleccionado ao seu caso, requerer a continuação do seu processo ou recorrer da sentença. 

Hoje, há um projecto de revisão do CPTA que, entre outros aspectos, visa “dar uma resposta célere aos chamados processos de massa, visando assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes em procedimentos de massa – concursos na Administração Pública – pretendem deduzir no contencioso administrativo”. Assim, conforme o preâmbulo do projecto de revisão do CPTA, “é introduzida nos artigos 97º e 99º a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes”.

O art.º 99º vem, sob a epígrafe “contencioso dos procedimentos de massa”, estatuir que “o contencioso dos actos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos nos seguintes domínios: a) Concursos de pessoal cujos participantes sejam em número superior a 20; Procedimentos de realização de provas cujos participantes sejam em número superior a 20; Procedimentos de recrutamento cujos envolvidos sejam em número superior a 20.”

O nº2 deste artigo vem estabelecer que as acções devem ser propostas no tribunal administrativo de círculo de Lisboa, salvo nos casos do art.º 20/1 (os processos respeitantes à prática ou omissão de normas e actos administrativos das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como das entidades por elas instituídas, e das pessoas colectivas de utilidade pública são intentados no tribunal da área da sede da entidade demandada). O nº4 estatui que “quando, por referência ao mesmo procedimento, seja proposta mais do que uma ação, os respetivos processos são objeto de apensação obrigatória àquele que tiver sido intentado em primeiro lugar”. 

Este artigo traz consigo algumas questões duvidosas.

Nos termos do nº1 respeita à prática ou omissão de actos administrativos e nos domínios aí elencados, ou seja, visa-se a anulação ou condenação à prática de um acto, não se compreendendo a razão de não admitir outros pedidos (como, por exemplo, pedidos indemnizatórios, invalidade de contrato, …) à luz da ideia de que o contencioso administrativo é pleno, sendo possíveis todos os pedidos e todas as sentenças, tal como admite o art.º 48/1 que se basta com a identidade da relação jurídica material. Esta limitação fará com que se deixe de fora acções que se reportam à mesma situação jurídica material, o que pode levar a diferenças de tratamento.

O nº4 determina a apensação obrigatória dos processos intentados ao que houver sido proposto em primeiro lugar. Este critério meramente temporal não leva a que se possa preterir que a questão seja debatida em todos os aspectos de facto e de direito? O processo seleccionado deve ser o que oferecer melhores garantias de tratamento global das questões suscitadas. 

Depois, nos termos do nº2, com salvaguarda dos casos do art.º 20/1, as acções têm de ser propostas no tribunal administrativo de círculo de Lisboa. Parece duvidosa esta solução de concentrar estes processos num único tribunal, sobrecarregando-o e pondo em causa o direito à tutela jurisdicional efectiva em tempo útil (art.º 20/4 CRP). 


Inês Chorro - 140111062








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