domingo, 2 de novembro de 2014
O Orçamento de Estado e o ataque ao direito de acesso aos tribunais
Nos termos da proposta orçamental do Governo, aprovada na generalidade na Assembleia da República na passada sexta-feira, apenas as decisões dos processos tributários com causas superiores a 5 mil euros - um aumento de quatro vezes face ao limite actual - serão passíveis de recurso dos tribunais fiscais de primeira instância.
Assim, o valor alçada dos Tribunais Administrativos e Fiscais passa a ser equivalente à dos tribunais judiciais de primeira instância em matéria cível (artigo 44.º, Lei nº 62/2013).
Esta alteração visa combater a excessiva pendência processual, face ao aumento exponencial do número de contribuintes a recorrer aos tribunais nos últimos anos. De acordo com dados do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o número de processos pendentes no ano de 2013 ultrapassava os 40 mil, tendo ainda dado entrada nos tribunais mais de 14 mil litígios no mesmo ano.
Sucede que, apesar da alteração apenas produzir efeitos relativamente a processos com início a partir do ano de 2015, o aumento desmesurado do limite para recurso surge como um verdadeiro atentado ao princípio constitucional de acesso à Justiça (artigo 20.º, Constituição da República Portuguesa).
Compreende-se, efectivamente, a existência de um limite instrumental – passível de actualização pelo Ministério das Finanças -, de modo a evitar que processos de muito baixo valor procedam para tribunais superiores, congestionando o sistema judicial. Porém, a pretensão de uniformizar as alçadas de todos os tribunais, de modo a aliviar o número de litígios, peca por excessiva e desproporcional: resta, assim, aos contribuintes com processos inferiores a cinco mil euros junto dos tribunais - que pretendam contestar decisões do fisco - reagir pela via administrativa, através de meios (tendencialmente desfavoráveis ao recorrente) regulados no Código de Processo e Procedimento Tributário, como o recurso hierárquico (art. 66.º) ou a reclamação graciosa (art. 68.º).
Esta limitação, a juntar às taxas de justiça e custas processuais por si já elevadíssimas, vem comprometer ainda mais o direito dos contribuintes de recurso aos tribunais administrativos e fiscais.
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