Contencioso Administrativo - VPS - 2014/2015
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Dos Processos Cautelares
1-Da Caracterização
Os processos cautelares, embora sejam autónomos, são acessórios de um processo principal ( Art. 113º/1 CPTA); são urgentes (Arts. 36º/1/e) e 113º/2 CPTA), pois são necessários para que o fim do processo principal não seja frustrado pela mera passagem do tempo; são baseados na prova sumária (Art. 114º/3/g)), devido à impracticablidade de realizar a recolha e análise da prova como no processo principal com a celeridade e urgência exigidas; são provisórios, na medida em que são instrumentais (Art. 123º CPTA), pois irão caducar sempre, quer seja ou não dada razão ao particular, e poderão ainda ser alteradas ou revogadas a qualquer altura (Art. 124º CPTA); e, por último, não poderão em caso algum corresponder à antecipação total da decisão final do processo, sendo que se o que o particular requer é a decisão imediata, é o processo principal que deve ser urgente, e não o processo cautelar.
Os processos cautelares são processos urgentes por força do Art. 36º/1/e) CPTA, e como tal são orientados pela vontade de impedir que a demora de um processo normal afecte gravemente os direitos e interesses do particular. No Contencioso Administrativo, têm as providências cautelares força constitucional, de acrodo com o Art. 238º/4 CRP.
2-Da Classificação
Não existe uma enumeração taxativa das providências cautelares que o particular pode requerer, sendo que esta dependerá de vários factores, como o direito ameaçado ou violado e as pretensões do particular.
No entanto, pode-se separar as providências cautelares em não especificadas (Art. 112º CPTA) e em especificadas, compreendendo esta categoria as que se encontrão no Art. 112º/2 CPTA e no Art. 128º e seguintes CPC, mediante a remissão do Art. 112º/2 CPTA.
As providências cautelares podem ainda ser classificadas enquanto antecipatórias, quando se pretende a practica de um acto que beneficia o proponente da acção; e conservatórias, quando se pretende conservar o direito que já existe.
3-Dos Pressupostos
3.1-Da Competência
Pertence ao tribunal competente para julgar a acção principal (Art. 114º/2 CPTA), pelo facto de, embora constituam decisões independentes, a tramitação de um processo estar ligada à tramitação do outro.
3.2-Da Legitimidade Activa
Em termos gerais, e devido à relação de dependência entre os dois processos, tem-na quem tenha legitimidade para intentar a acção principal concreta (Art. 112º/1 CPTA). Tem, portanto, de ser titular de um interesse na relação material controvertida.
3.3-Da Legitimidade Passiva
Será sempre relativa ao réu ou contraparte no processo principal.
3.4-Do Tempo
Objectivamente, não há prazo para requerer uma providência cautelar, mas isto não implica que possa ser proposta a qualquer altura. Pode ser proposta a todo o tempo enquanto corre o processo principal, mas, se este ainda não foi proposto, só pode ser proposto se o prazo de propositura do primeiro ainda não tiver passado.
3.5-Do Interesse em Agir
Embora os tribunais administrativos tenham, em regra, sido bastante magnânimos na aceitação deste pressuposto, este é entendido, em sentido estricto, enquanto uma carência de tutela cautelar.
Ficam assim expostos os principais pontos de caracterização dos processos cautelares enquanto figura jurídca administrativa.
Pedro Sacadura Botte
140111065
A legitimidade na acção administrativa comum no domínio contratual
No que à especificidade das regras relativas aos
pressupostos processuais das acções comuns no domínio da contratação
administrativa diz respeito, há que equacionar as questões de legitimidade trazidas
à colação pelo artigo 40º do CPTA.
A lógica tradicional encarava a questão da legitimidade
de uma óptica exclusivamente bipolar, interpretando de forma restritiva as
disposições legislativas que se referiam às partes, e considerando apenas a intervenção
judicial dos efectivos contratantes. Esta óptica bipolar estrita foi muito
criticada tanto em razão dos respectivos fundamentos como dos resultados
práticos a que chegava por parte de certos sectores da doutrina, com particular
evidência pela professora Maria João Estorninho, que defendia antes o
alargamento da legitimidade no domínio contratual a outros sujeitos lesados,
quer na qualidade de terceiros, quer como sujeitos de relações multilaterais.
No entendimento do professor Vasco Pereira da Silva,
independentemente de estar em causa um contrato, um acto ou qualquer outra
forma de exercício da actividade administrativa, sempre que os particulares
sejam afectados por essa actuação e sejam merecedores de protecção jurídica, não
são terceiros em face de uma relação jurídica estabelecida entre outros
privados e a AP, mas sim partes de uma relação multilateral, que se considera
existente e que abrange as autoridades administrativas, os privados que são
destinatários da actuação administrativa, assim como aqueles que são por ela
afectados.
O CPTA produz assim uma ruptura com esta perspectiva
fechada de entendimento da legitimidade no contencioso contratual da AP, ao
alargar os poderes de intervenção no processo não só aos intervenientes do
contrato, mas a todos os interessados e até mesmo ao Ministério Público e ao
actor popular (art.40º CPTA).
O Código começa por distinguir duas hipóteses: a dos
pedidos relativos à interpretação e à validade dos contratos (art.40º/1) e a
dos pedidos relativos à respectiva execução (art.40º/2).
No que respeita a pedidos relativos à validade, total ou
parcial, dos contratos da função administrativa estabelecem-se as seguintes
categorias de sujeitos dotados de legitimidade processual (art.40º/1 CPTA):
1. Os contraentes;
2. Todos os particulares susceptíveis de ser lesados nos respectivos direitos
pela celebração do contrato;
3. O Ministério Público;
4. O actor popular;
Consagra-se assim uma solução de alargamento da
legitimidade a todos os particulares afectados nas suas posições jurídicas
subjectivas pelo contrato, concretizando em matéria de contratos
administrativos, o princípio da protecção plena e efectiva dos direitos dos
particulares (art.268º/4 CRP). Já não parece ser razoável a opção do legislador
de alargar o universo de legitimidade para além da protecção jurídica
subjectiva, nomeadamente através da acção popular, admitindo que, mesmo aqueles
que não possuam “interesse pessoal na demanda” (art.9º/2 CPTA), possam intervir
no contencioso relativo a um contrato da função administrativa. O que está em
causa é uma actuação administrativa baseada num negócio jurídico bilateral, em
que a produção de efeitos decorre da vontade das partes, e não perante uma
relação decorrente de uma actuação unilateral da AP.
A própria noção de contrato parece ser incompatível com a
lógica da abertura do processo a quem nada tenha a ver com tal relação
jurídica, como é o caso do actor popular, pois não faz sentido considerar que
os direitos constituídos pela via contratual são, simultaneamente, relativos e
absolutos, decorrentes da vontades das partes e oponíveis erga omnes,
integrantes de uma relação criada por sujeitos determinados mas aberta a toda a
colectividade.
No que respeita aos pedidos relativos à execução dos
contratos da função administrativa, o Código consagrou igualmente uma situação
de ampliação da legitimidade (art.40º/2 CPTA), identificando categorias
similares de sujeitos, a saber:
1. os contraentes;
2. os particulares lesados nos seus direitos pela execução do contrato, quer
em razão do respectivo clausulado, quer por terem sido preteridos no
procedimento prévio;
3. o Ministério Público, mas apenas quando estiver em causa um interesse
público especialmente relevante;
4. o actor popular;
O legislador chega ao mesmo resultado de considerar que
para além dos contraentes, gozam também de legitimidade outros particulares
afectados pela relação contratual, assim como o actor público e o actor
popular. Os critérios de aferição da legitimidade para o MP parecem contudo ser
mais exigentes dos que o do actor popular, já que só se permite a intervenção
do primeiro em caso de interesse público especialmente relevante, o que não se
exige no segundo caso. Por um lado, os interesses de defesa da legalidade e do
interesse público, que tanto o MP como o actor popular prosseguem, mediante o
direito de acção em juízo, em geral, revestem-se sempre de especial relevância
– pois, estão em causa valores e bens constitucionalmente protegidos como
resulta do art.9º/2 CPTA -, não se percebendo porque é que em matéria de
contratos tal relevância deveria ser ainda mais especial. Ainda mais tratando-se
o primeiro de um organismo estadual, a quem está cometida a tarefa de zelar, a
titulo institucional, pela defesa da legalidade e do interesse público
(art.219º CRP).
Esta introdução não apenas implica um
alargamento desmesurado da legitimidade, dado que admite a intervenção de quem
não possua qualquer interesse pessoal na demanda, o que é contraditório com a
natureza da relação contratual controvertida; como também regula esse
alargamento objectivo de forma incorrecta pois ele deveria realizar-se antes
através do mecanismo da acção pública e não do da acção popular.
Especifica do contencioso contratual é também a regra do
pressuposto processual da oportunidade. Enquanto a acção administrativa comum,
em geral, não está sujeita a qualquer prazo (art.41º/1 CPTA), já no que
respeita à impugnação de contratos da função administrativa existe uma regra
especial, segundo a qual os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos
podem ser deduzidos no prazo de 6 meses contados da data da celebração do
contrato, ou, quanto a terceiros, do conhecimento do seu clausulado (art.41º/2
CPTA). O fundamento da regra parece ser o da criação de um paralelismo entre a
regulação aplicável à impugnação de actos e à impugnação de contratos, mas é
duvidosa esta asserção, dado que as exigências de estabilidade e da tutela da
confiança dos particulares, que justificam os prazos para reagir contra as
actuações unilaterais, não se colocam da mesma maneira perante um negócio
jurídico bilateral, em que a produção de efeitos decorre do próprio acordo de
vontades entre as partes.
É necessário interpretar a previsão de tais
prazos de forma restritiva, nomeadamente não a alargando aos pedidos de
condenação, que devem poder ser propostos a todo o tempo, da mesma maneira que
se deve considerar que aqueles não possuem qualquer efeito preclusivo do
julgamento futuro das relações contratuais, aplicando aqui, por analogia, o
regime previsto, no art.38º CPTA, sob pena de se estar a criar um regime de
inimpugnabilidade mais gravoso para os contratos da função administrativa do
que para os actos administrativos.
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
A causa de pedir enquanto objecto do processo
A doutrina clássica do contencioso tendia a considerar que o
que relevava para a determinação da causa de pedir eram as alegações do autor
referentes ao acto administrativo, nomeadamente quanto a saber qual o tipo de
invalidade que fere o acto, orientação subjectiva defendida em Portugal quer
pelo professor Marcello Caetano como pelo STA.
A orientação a tomar quanto à causa de pedir, primeiramente,
deve depender da função e da natureza do Contencioso administrativo: um
contencioso virado para a protecção jurídica subjectiva, pelo contrário,
configura a causa da pedir na sua ligação com os direitos dos particulares; não
é o acto administrativo que constitui o objecto do processo, mas sim o acto
enquanto lesivo de direitos dos particulares – a causa de pedir é uma
ilegalidade relativa porque relacionada com o direito subjectivo lesado,
devendo ser entendida em conexão com as pretensões formuladas pelas partes, as
quais, correspondem a direitos subjectivos dos particulares no caso da acção
para defesa de interesses próprios, ou são, antes, um mero expediente formal
para a tutela da legalidade e do interesse público num processo de partes como
sucede com a acção pública e a acção popular.
Tal é o entendimento da causa de pedir constante do CPTA, não
podendo o tribunal ocupar-se senão das questões suscitadas (95º n.º1). Regra
que corresponde à consagração de um princípio geral do contraditório, ainda que
temperado pela consagração de poderes inquisitórios do juiz. Por sua vez, o n.º
2 é norma especial para os processos impugnatórios de actos administrativos, o
que é explicável pela manifestação do ‘velho trauma’ de só atribuir importância
à questão da causa de pedir quando estão em causa actos administrativos.
Na primeira parte, estabelece-se que o tribunal se deve pronunciar
sobre todas as causas de invalidade, excepto quando não possa dispor dos
elementos indispensáveis para o efeito (95º2), com o objectivo de que o
julgador aprecie a integralidade dos direitos alegados. Determinando-se o dever
de conhecimento da integralidade da relação jurídica trazida a juízo,
previne-se o surgimento de verdadeiros círculos viciosos, de sucessivas e
infrutíferas apreciações jurisdicionais, numa dança contínua de anulações e
renovações de actos administrativos, gravemente lesiva dos direitos dos
particulares. A disposição contida na primeira parte do 95º2 não só não
constitui uma excepção à regra geral como tem que ver com qualquer alargamento
do objecto do processo para além das pretensões das partes, antes consagra um
entendimento da causa de pedir em conexão com os direitos dos particulares. Na
segunda parte do 95º2 determina-se que o tribunal deve identificar as causas de
invalidade diversas. Surge o problema de saber qual a amplitude deste dever do
juiz.
Do que se trata não é de introduzir factos novos mas sim de
identificar ou individualizar ilegalidades dos actos administrativos, distintas
das referenciados pelo autor, desde que elas resultem de alegações das partes,
podendo o juiz qualificar diferentemente os factos alegados pelas partes. Uma
coisa é dizer-se que o juiz está limitado à apreciação do acto na sua
relacionação com o objecto na sua relacionação com o direito subjectivo outra
coisa é dizer que o juiz se encontra obrigado a aceitar a qualificação
jurídica.
Do ponto de vista processual, os vícios do acto
administrativo eram vistos, pela doutrina e jurisprudência como uma forma de
introduzir em juízo a causa de pedir num contencioso concebido em termos
objectivos, constituindo portanto um expediente para aceder ao acto
administrativo, tendo como pretexto as alegações dos particulares dotados de
legitimidade processual, num controlo da actuação administrativa concebido em
termos limitados. Desta maneira, os vícios do acto administrativo forneciam um
álibi subjectivista para justificar um sistema de contencioso administrativo
objectivista.
Numa palavra, a causa de pedir não está mais condicionada
pela técnica dos vícios, nem tem de respeitar exclusivamente ao acto
administrativo impugnado, sendo delimitada apenas em razão dos direitos
alegados pelos particulares.
Para a acção pública e popular, está em causa a defesa da
legalidade feita em termos de um processo de partes, não estando a causa de
pedir condicionada pelo mecanismo dos vícios, devendo ser delimitada em razão
dos factos e alegações trazidas a juízo.
É no sentido do afastamento de uma visão restritiva da causa
de pedir correspondente à técnica dos vícios do acto administrativo que julgo
correcta a afirmação do 95º-2, que tem em vista algo de qualitativamente distinto
do mero exercício do poder de requalificação normativo dos argumentos
invocados, que é inerente ao princípio iura
novit cura. Está em causa a identificação, no episódio da vida que foi
trazida a juízo, de ilegalidades diversas daquelas que foram identificados pelo
autor.
O que está em causa é uma actuação administrativa lesiva de
direitos, e não o acto administrativo através da construção de uma pretensão
anulatória que é discutida em plenitude, o que conduziria ao entendimento de
que todas as possíveis causas de invalidade de que padeça o acto impugnado integram
a mesma causa de pedir pelo que a identificação, pelo tribunal, de qualquer
delas não o afasta do objecto do processo, conforme entende o professor Mário
Aroso de Almeida.
Do ponto de vista teórico, a construção da pretensão
anulatória, ou do direito à anulação, é uma figura que não é só incapaz de
abranger o universo das posições jurídicas substantivas dos particulares
perante a Administração, como também obriga a distinguir os direitos
subjectivos públicos, em razão, não da posição jurídica do respectivo titular
mas do facto de se estar ou não perante um acto administrativo. A concepção do
direito à anulação do acto administrativo, assumindo uma natureza formalmente
subjectivista que acaba por conduzir, paradoxalmente ao resultado objectivista
de considerar a causa de pedir como relativa à validade do acto administrativo,
equivale a fazer do juiz uma parte no processo o que se afigura ser
manifestamente inconstitucional.
Uma coisa é considerar que o MP é uma parte no processo
administrativo e que por isso pode configurar as pretensões em juízo,
formulando pedidos e carreando factos novos para o processo, outra coisa é
admitir que o juiz que não é parte venha a fazer o mesmo, sem estar limitado
pelo objecto do processo. No direito português haverá que distinguir entre a
acção para defesa de direitos, em que a pretensão processual deduzida em juízo
corresponde aos direitos subjectivos dos particulares, numa concreta relação
jurídica, e a acção pública e a acção popular através das quais se processa a
tutela directa da legalidade e do interesse público.
Assim, o nº2 do 95º não constitui uma excepção mas constitui
a particularização dessa regra para os processos impugnatórios, tendo em contas
as mudanças operadas pela reforma. O legislador é mesmo escrupuloso no respeito
pelo principio do contraditório aí. Todas estas considerações acerca de um
entendimento da causa de pedir, ampliado em relação à lógica tradicional e ao
direito anterior mas determinado em razão das pretensões das partes, valem
igualmente para os processos de impugnação de regulamentos.
O Contencioso Administrativo no divã da constituição
No quadro da realidade portuguesa, e olhando para o
texto originário da CRP de 1976, é possivel vermos um compromisso entre
princípios antagónicos. O legislador constituinte consagrou um compromisso
entre princípios liberais e o caminho para o socialismo, que são duas vias
manifestamente distintas.
Durante vários anos o legislador oscilou entre o novo contencioso administrativo -através da criação de direitos como o do acesso à justiça administrativa- e o velho contencioso, na medida em que o recurso que presente na constituição correspondia a lógica do sistema do ministro-juiz, em que se considera a administração e o tribunal como integrados no mesmo poder.
Logo depois da entrada em vigor da CRP um grupo de professores foi incumbido de elaborar uma lei que permitisse a compatibilização entre a realidade constitucional e a realidade administrativa, e a lógica do trabalho dessa comissão foi fazer um trabalho cirúrgico.
O trabalho realizado materializou-se no decreto lei de 1977, desse decreto é de enaltecer quatro pontos:
Durante vários anos o legislador oscilou entre o novo contencioso administrativo -através da criação de direitos como o do acesso à justiça administrativa- e o velho contencioso, na medida em que o recurso que presente na constituição correspondia a lógica do sistema do ministro-juiz, em que se considera a administração e o tribunal como integrados no mesmo poder.
Logo depois da entrada em vigor da CRP um grupo de professores foi incumbido de elaborar uma lei que permitisse a compatibilização entre a realidade constitucional e a realidade administrativa, e a lógica do trabalho dessa comissão foi fazer um trabalho cirúrgico.
O trabalho realizado materializou-se no decreto lei de 1977, desse decreto é de enaltecer quatro pontos:
(i) Dever de fundamentação da administração: importante do ponto de vista procedimental e do ponto de vista administrativo. Normalmente é por aqui que os particulares percebem se a AP está a cumprir com os seus deveres. VPS considera que o dever de fundamentação é um direito fundamental do particular.
(ii) Curiosamente foi estabelecido na lei e na revisão constitucional de 82 vai ser estabelecido na CRP e o legislador estabeleceu ainda um mecanismo de dar possibilidade ao autor do acto de o rever num determinado prazo de tempo.
(iii) Primeira tentativa ainda que limitada de pôr em causa o acto tácito indeferido. O fingimento de que o nada dizer da AP correspondia a um indeferimento do pedido do particular era levado demasiado a serio no quadro do direito português. O que estava em causa era mostrar que aquele chamado indeferimento tácito era um mero expedimento processual destinado a abrir a porta do contencioso mas que não teria qualquer utilidade.
(iiii) Regulação da execução das sentenças dos tribunais administrativos. Isto continua a ser algo difícil de fazer porque ainda ha uma reacção natural dos órgãos de topo do Governo. O 256ºA estabeleceu a responsabilidade civil, disciplinar e penal. Estes mecanismos mostraram-se adequados para acabar com esse fenómeno do incumprimento das sentenças. Hoje em dia pode-se dizer que de alguma maneira o problema crónico do contencioso administrativo das sentenças não executadas já melhorou bastante. Os casos de inexecução de sentenças em Portugal hoje são casos em que o particular se conformou com isso.
As alterações foram, de facto, importantes, mas pecaram por defeito na medida que foram as únicas, pelo que houve problemas que subsistiram durante muito mais tempo e a lógica continuou a ser a do velho contencioso administrativo.
Em 1982 existiu uma nova revisão constitucional e assistiu-se novamente a uma pequena alteração do contencioso: Por um lado alterou-se a lógica do recurso de anulação, por outro, criou-se um novo meio de defesa. Esta reforma alterou o recurso de anulação porque pela primeira vez estabeleceu o recurso como um processo de parte.
O legislador diz hoje na CRP que o objecto do contencioso administrativo é resolver os litígios que decorrem das relações jurídicas administrativas. A norma do 212º/3 veio introduzir uma alteração importante no quadro da justiça administrativa e do âmbito da justiça administrativa, criando se uma verdadeira institucionalização do contencioso. No 268º/3 e 4 o direito fundamental à justiça administrativa fica divido em dois direitos fundamentais: direito fundamental à impugnação de actos e direito fundamental a outros meios contencioso não de impugnação .
No que se refere à impugnação esse processo agora incide sobre actos lesivos dos particulares,isto significa não apenas deitar fora a ideia de acto definitivo e executório mas também dizer que os direitos dos particulares são o objecto do contencioso e é com base nisso que o tribunal vai apreciar a questão. Esta dimensão subjectiva do processo significa, do ponto de vista objectivo, que a AP vai ser obrigada a cumprir todos os seus deveres.
Todas as tentativas de reforma que surgiram até 2002 foram condenadas ao fracasso.O legislador de 97 resolveu dar o sinal de que as coisas não podiam ser assim. Era absolutamente imprescindível haver uma reforma do Contencioso Administrativo. Aquilo que vai resultar de 97 corresponde a uma revolução coperniana do contencioso administrativo. Em vez de se pensar nos meios processuais o legislador agora pensava na tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Isto vai dar origem ao actual art. 268º/4 CRP: O novo princípio e fundamento do contencioso é a tutela dos direitos.
Entre 1997 e 2004 agrava-se a omissão. O Governo apresentou três propostas de lei correspondentes a três diplomas que estavam em cima da mesa: o código de processo dos tribunais administrativos, o estatuto dos tribunais administrativos e um diploma sobre responsabilidade civil das entidades públicas.
Houve coisas que ficaram por fazer e foi pena que não se tenham feito. O balanço da reforma é positivo no que corresponde ao código de processo e menos positivo no que corresponde ao estatuto dos tribunais administrativos. O código de processo corresponde aos objectivos constitucionais. O estatuto tem apenas uma coisa boa - o art. 4º,que corresponde a uma norma aberta de limitação da jurisdição administrativa.
A esquizofrenia no contencioso administrativo contratual
Resultante da evolução de uma noção processual do
conceito de contrato público para a sua substantizavação,
surge toda uma doutrina da contratação administrativa marcada pela fragmentação
da “imagem do corpo”: procura-se, por um lado, justificar a divisão
esquizofrénica do universo contratual, distinguindo os contratos
administrativos dos contratos de direito privado da Administração, considerando
aqueles como correspondentes ao exercício de privilégios exorbitantes ou de
poderes especiais da Administração, que exigiam um específico regime jurídico e
os estes como simples contratos em que as autoridades administrativas actuavam
como simples privado, sendo o seu regime jurídico idêntico ao de qualquer outro
contrato. A própria noção de contrato administrativo é vista como um acordo de
vontade, como um negócio jurídico bilateral, celebrado entre a Administração e
os particulares, e como o exercício dos poderes unilaterais exorbitantes ou
autoritários por parte das autoridades públicas.
O contrato administrativo é, pois, um conceito bifronte
que consegue ser, ao mesmo tempo, bilateral e unilateral, consenso de vontades
e supremacia de uma parte em face da outra, instrumento de cooperação e mecanismo
de sujeição. A separação esquizofrénica entre contratos
administrativos e contratos de direito privado da Administração tinha
consequências de natureza substantiva e processual, considerando-se, do ponto
de vista substantivo, exigível a existência de um regime jurídico especial para
os contratos administrativos, e um comum aos demais contratos em que
interviessem a Administração.
A distinção entre contratos administrativos e os demais proceder-se-ia
em razão de critérios autoritários, decorrendo dessa autoridade poderes
especiais para a Administração, quer ao nível da interpretação do contrato,
quer ao nível da respectiva execução. Do ponto de vista contencioso, a natureza
do contrato administrativo implicava que os litígios relativos à sua
interpretação, validade ou execução fossem da competência dos tribunais
administrativos, enquanto que os contratos de direito privado da Administração
eram da competência dos tribunais comuns.
De acordo com a professora Maria João Estorninho, encontra-se cada vez mais generalizada utilização de
formas contratuais pela Administração enquanto modo normal de exercício da
função, ao lado de uma multiplicidade de outras formas de actuação, o que vai
dar origem a um movimento de sentido convergente, através do qual se tem vindo
a reconhecer que nem o contrato administrativo é tão exorbitante quanto isso,
nem os contratos privados da Administração são exactamente iguais aos
celebrados entre particulares, reflectindo desde logo uma eventual aproximação
entre todos os contratos da administração. A unidade é então propulsionada não
só pela doutrina, como também pelo Direito Europeu, que defende através da
construção de um espaço comunitário a existência de regras comuns em matéria de
contratação administrativa, resultando daqui o surgimento de múltiplas fontes
de Direito Administrativo Europeu, que encontra nas directivas a sua maior
Fonte de Direito
No Direito Interno em exclusivo, o CPA regula o
contencioso pré-contratual enquanto processo urgente por força dos artigos 100º
e ss, para além de consagrar um contencioso de plena jurisdição respeitante aos
litígios emergentes das relações contratuais administrativas, seja pela via da
acção comum, seja da especial.
A criação de um verdadeiro Direito Europeu de Contratação
Pública estabelece as bases gerais dos contratos da função administrativa em
todos os países da Europa, tratando-se de um regime jurídico comum europeu,
estabelecido para certos tipos de contratos, em razão da sua importância para o
exercício da função administrativa e independentemente da respectiva
qualificação nacional ou para determinados sectores da actividade, em razão dos
fins prosseguidos de modo a poder valer tanto para os ordenamentos dos países
de matriz francesa, como os de variante germânica ou ainda para os da “common
law”, o que explica que a matéria da contratação pública europeia seja
delimitada, sobretudo, com base em critérios materiais relativos à natureza da
actividade bem como aos fins prosseguidos.
Para além desta “integração vertical”, decorrente da
aplicabilidade das fontes comunitárias nas ordens jurídicas nacionais de cada
um dos Estados europeus, verifica-se ainda, conforme defende o professor Sabino
Cassese, um fenómeno de “integração horizontal”, que consiste na convergência
das administrações e das instituições nacionais, pois, a partir do momento em
que elas têm o dever de se harmonizar, isso faz com que tendam também a
convergir para um determinado modelo, daqui resultando que o direito dos
contratos das administrações públicas dos diferentes Estados tenda a convergir
para um modelo unitário, afirmando-se por isso que existe cada vez mais uma
tendência para a unidade dos contratos que correspondem ao exercício da função
administrativa, quer do ponto de vista do direito substantivo, como do procedimental
ou processual.
O fenómeno da europeização em Portugal tem sido um
importante eixo da transformação do Direito Administrativo português da
contratação pública. O movimento unificador da contratação pública ditado pelo
Direito Europeu, manifestou-se primeiro na legislação relativa aos
procedimentos pré-contratuais e, depois, na legislação do contencioso
administrativo, que eliminou, para efeitos processuais, a categoria dos
contratos administrativos (artigo 4º, nº1 alínea b), e) e f) do CPTA).
O actual do Código da Contratação Pública (DL nº18/2008
de 29 de Janeiro) trata-se de um meio-termo entre a adopção de um conceito
genérico de contrato público, em sentido europeu, e a manutenção da dualidade
esquizofrénica originária, estabelecendo o legislado, por um lado (e de forma
pioneira no Direito Administrativo nacional), uma disciplina geral completa de
todos os contratos em que intervém a administração, ao mesmo tempo que
uniformiza e simplifica a tipologia e a tramitação dos procedimentos
pré-contratuais e racionaliza o regime material a contratação pública. Por
outro lado, o CCP persiste em manter a dualidade conceptual esquizofrénica
entre contratos administrativos e outros contratos de administração (artigo 1º,
nº1 do CCP), mesmo se a definição do dito contrato administrativo (artigo 1º,
nº6) fornece argumentos para o esbatimento das fronteiras conceptuais ao nível
da totalidade da contratação pública, assim como alarga o respectivo âmbito,
que passa a incluir os contratos de aquisição de locação de bens e aquisição de
bens móveis e serviços (artigos 431º, 437º, 450º do CCP).
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