segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O objecto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um instituto que tem origem no Direito Espanhol, adoptado pelo legislador português no CPTA, que permite que sejam tomadas, com extrema rapidez, decisões de mérito, definitivas, indispensáveis para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia dos particulares.

Trata-se de um processo especial que existe para obter num curto prazo uma intimação que se destina a salvaguardar direitos, liberdades e garantias, concretizando assim a garantia da tutela jurisdicional efectiva prevista no n.º 4 do artigo 268º e no n.º 5 do artigo 20º da Constituição.

Da caracterização deste instituto resulta tratar-se, em primeiro lugar, de um processo principal e não um processo cautelar: o tribunal é chamado a apreciar e decidir litígios através de decisões cuja função é a de resolver definitivamente esses litígios mediante sentença transitada em julgado.

É também um processo de intimação na medida em que é dirigido à emissão de uma sentença de condenação, mediante a qual o tribunal impõe a adoção de uma conduta, positiva ou negativa.

E ainda, é um processo dirigido a proteger direitos, liberdades e garantias. Neste âmbito, coloca-se a questão de saber se o legislador do CPTA projecta esta intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, não distinguindo (ou restringindo) entre direitos, liberdades e garantias pessoais, de participação política ou dos trabalhadores, e ainda, quanto aos direitos, liberdades e garantias de natureza análoga.

Existem três orientações quanto ao âmbito de aplicação deste instituto:
1.      A interpretação restritiva que defende que se aplica apenas a direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal;
2.      A interpretação literal do preceito que com base na letra da lei defende que se aplica a direitos, liberdades e garantias;
3.      A interpretação com base no espírito da lei que defende a aplicação a todo e qualquer direito fundamental - defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva.

A primeira orientação – a interpretação restritiva – que se baseava na letra da lei do preceito constitucional nº 5 do artigo 20º, está hoje absolutamente abandonada por ser unânime tratar-se de uma limitação da garantia jurisdicional efectiva prevista no já referido nº 4 do artigo 268º da Constituição.

O que hoje se discute é quanto à interpretação a fazer do artigo 109º: se no sentido literal, se no sentido do espírito da lei. Uma interpretação literal conduzir-nos-ia a uma leitura que considera que, dentro do objecto da intimação prevista no preceito, cabem todos os direitos, liberdades e garantias previstos no Título II da Constituição. Por sua vez, a interpretação de acordo com o espírito da lei considera qualquer direito fundamental, isto é, os direitos liberdades e garantias previstos nos Título II da Constituição e ainda os direitos de natureza análoga, por força do artigo 17º da Constituição.

A nosso ver, é esta última interpretação a dar ao preceito do CPTA na medida em que é o que está de acordo (também) com o sentido do novo ordenamento jurídico: a intimação para direitos, liberdades e garantias abrange todo e qualquer direito fundamental. É este o entendimento a dar ao preceito, por diversas ordens de razões que de seguida se apresentam.

Com a introdução desta nova forma do processo o propósito primacial do legislador era dar cumprimento a uma imposição constitucional que apenas se reporta a direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal (cf. 20º n.º 5 da CRP), mas, por outro lado, em nenhum momento o legislador introduziu qualquer restrição e ainda que partindo do pressuposto que pudesse não o ter feito, à luz do ordenamento jurídico entende-se que o legislador optou por ir além da mera concretização da Constituição e, assim, por entender o âmbito de intervenção deste processo de intimação à protecção de todo e qualquer direito, liberdade e garantia, bem assim, aos direitos de natureza análoga do artigo 17º da Constituição.
Por sua vez, como defendido pelo Professor Vasco Pereira da Silva, a distinção dos diferentes direitos, liberdades e garantias assenta numa falsa distinção de direitos positivos e direitos negativos, uma vez que todos os direitos têm este duplo âmbito; bem como, esta distinção baseia-se numa distinção puramente política que não se justifica à luz do artigo 109º do CPTA.

Ainda quanto ao objecto das intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias, importa referir a necessidade de evitar que este meio seja utilizado para substituir a utilização de outros, isto é, a necessidade de uma interpretação restritiva limitada a situações de especialíssima urgência que por circunstâncias do caso requeiram a sua utilização, em vez de utilizar uma acção principal assistida por uma providência cautelar.

Do acima exposto, e sem prejuízo do necessário desenvolvimento das diferentes ideias defendidas quanto a este meio processual do contencioso administrativo, resulta, num primeiro momento, que a interpretação a dar ao artigo 109º do CPTA deve tender para o alargamento sob pena de não dar cumprimento à garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva aos administrados, mas sem descurar a importante restrição que decorre do preceito quanto à exigência de se tratar de urgência especial e receio de irreversibilidade das consequências de tal modo que não permitam a utilização de uma providência cautelar.

Uma vez mais, reflexo da infância difícil do contencioso administrativo, este – e em particular neste caso, o meio processual de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – a tender para a dualidade.

Sofia Gomes da Silva
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