quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Era uma vez

Engane se o leitor se pensa que isto é mais um conto de fadas com um final feliz. A expressão "era uma vez" pode induzi-lo em erro, lembrando-o de todas as histórias de príncipes e princesas que durante tantos anos o fizeram embalar em profundas noites de sono. 
A nossa história começa ao comando de um vagão na 'longínqua França', há muitos séculos atrás,no dia do atropelamento de uma menina de 5 anos chamada Agnès Blanco.
Pergunta o leitor o que tem esta história a ver com o contencioso administrativo, responde-lhe o contencioso que a história que aqui se relata traduz um episódio traumático da já conhecida infância difícil do contencioso administrativo.
Tudo começa na guerra de competências entre o Tribunal Adminsitrativo e o Mére, da qual resultou a negação da indemnização à pequena Agnès e a ideia de que era urgente automizar o Direito Administrativo, de modo a que injustiças como esta não se voltassem a repetir.
O caso de Agnès Blanco é apenas um exemplo isolado da forma esquizofrénica como se resolviam os problemas de responsabilidade administrativa: os critérios utilizados eram ilógicos( tinham por base adistinção já ultrapassada entre gestão pública e privada) e as soluções maioritariamente ineficientes.
O desejo do legislador face a este problema era apenas um: consagrar a unicidade do sistema jurisdicional, independentemente de se estar perante gestão pública ou gestão privada. A reforma do contencioso de 2002/2004 veio materializar o pensamento do legilslador, uma vez que criou condições para o surgimento de uma outra história do contencioso da responsabildade civil pública.
O legislador procurou alargar o regime da responsabilidade civil não apenas aos órgãos administrativos propriamente ditos, mas incluir no seio do Contencioso Administrativo tudo aquilo que tem a ver com a actividade dos titulares de órgãos públicos. 
Nasce aqui a lógica do contencioso de regresso: quando no quadro da Responsabilidade Civil a entidade Administrativa responde com o seu património pelo pagamento da indemnização, isso não significa que depois a Administração Pública não tenha direito de regresso em relação ao particular doloso que criou a situação. 
Por último, o art. 4º, na lógica de alargamento, vem dizer que este regime se aplica não apenas no quadro de relações entre um particular e órgãos administrativos, mas pode ter lugar também no âmbito da relação de sujeitos privados que actuam no exercício da função administrativa.
Apesar das boas intenções o resultado desta tentativa de unificação não surtiu o efeito desejado: diminuiu-se número de casos em que se verificava a esquizofrenia mas estes continuaram a existir e as dúvidas não foram dissipadas. Sem querer ignorar o trabalho do legislador de 2002,questões como a da a menina Blanco continuam a existir no quadro da realidade portuguesa,em virtude de não existir solução para o tribunal competente e para o direito aplicável.
O que é mais curioso é que estes traumas esquizofrénicos continuaram depois da aprovação da lei substantiva em 2007, com o regime da responsabilidade civil pública. O que se esperava nessa altura era que o legislador pusesse termo a esta dualidade esquizofrénica e unificasse o regime processual e as regras jurídicas aplicáveis àquele tipo de casos. Em função do que a doutrina administrativa tinha escrito no período anterior à reforma, essa era a grande questão que o legislador não podia deixar de resolver.
Nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva "a dúvida acerca da globalidade do regime jurídico da responsabildade civil pública pode pôr em causa a efectividade da regulação estabelecida". Além disto, considera ainda o Professor que o papel dos tribunais e da doutrina é agora mais importante que nunca, de forma a que se consagre a responsabilidade administrativa como pedra angular do Estado de Direito.

Resta-nos então esperar que o legislador encontre critérios unitários no âmbito da responsabilidade pública, e talvez nesse dia se escreva aqui uma "história de encantar" com um final mais feliz.

Tiago Almeida 140111013

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