terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O Contencioso Administrativo no divã da constituição

No quadro da realidade portuguesa, e olhando para o texto originário da CRP de 1976, é possivel vermos um compromisso entre princípios antagónicos. O legislador constituinte consagrou um compromisso entre princípios liberais e o caminho para o socialismo, que são duas vias manifestamente distintas.
Durante vários anos o legislador oscilou entre o novo contencioso administrativo -através da criação de direitos como o do acesso à justiça administrativa- e o velho contencioso, na medida em que o recurso que presente na constituição correspondia a lógica do sistema do ministro-juiz, em que se considera a administração e o tribunal como integrados no mesmo poder.
Logo depois da entrada em vigor da CRP um grupo de professores foi incumbido de elaborar uma lei que permitisse a compatibilização entre a realidade constitucional e a realidade administrativa, e a lógica do trabalho dessa comissão foi fazer um trabalho cirúrgico.
O trabalho realizado materializou-se no decreto lei de 1977, desse decreto é de enaltecer quatro pontos:

(i) Dever de fundamentação da administração: importante do ponto de vista procedimental e do ponto de vista administrativo. Normalmente é por aqui que os particulares percebem se a AP está a cumprir com os seus deveres. VPS considera que o dever de fundamentação é um direito fundamental do particular.
(ii) Curiosamente foi estabelecido na lei e na revisão constitucional de 82 vai ser estabelecido na CRP e o legislador estabeleceu ainda um mecanismo de dar possibilidade ao autor do acto de o rever num determinado prazo de tempo.
(iii) Primeira tentativa ainda que limitada de pôr em causa o acto tácito indeferido. O fingimento de que o nada dizer da AP correspondia a um indeferimento do pedido do particular era levado demasiado a serio no quadro do direito português. O que estava em causa era mostrar que aquele chamado indeferimento tácito era um mero expedimento processual destinado a abrir a porta do contencioso mas que não teria qualquer utilidade.
(iiii) Regulação da execução das sentenças dos tribunais administrativos. Isto continua a ser algo difícil de fazer porque ainda ha uma reacção natural dos órgãos de topo do Governo. O 256ºA estabeleceu a responsabilidade civil, disciplinar e penal. Estes mecanismos mostraram-se adequados para acabar com esse fenómeno do incumprimento das sentenças. Hoje em dia pode-se dizer que de alguma maneira o problema crónico do contencioso administrativo das sentenças não executadas já melhorou bastante. Os casos de inexecução de sentenças em Portugal hoje são casos em que o particular se conformou com isso.

As alterações foram, de facto, importantes, mas pecaram por defeito na medida que foram as únicas, pelo que houve problemas que subsistiram durante muito mais tempo e a lógica continuou a ser a do velho contencioso administrativo.
Em 1982 existiu uma nova revisão constitucional e assistiu-se novamente a uma pequena alteração do contencioso: Por um lado alterou-se a lógica do recurso de anulação, por outro, criou-se um novo meio de defesa. Esta reforma alterou o recurso de anulação porque pela primeira vez estabeleceu o recurso como um processo de parte.

O legislador diz hoje na CRP que o objecto do contencioso administrativo é resolver os litígios que decorrem das relações jurídicas administrativas. A norma do 212º/3 veio introduzir uma alteração importante no quadro da justiça administrativa e do âmbito da justiça administrativa, criando se uma verdadeira institucionalização do contencioso. No 268º/3 e 4 o direito fundamental à justiça administrativa fica divido em dois direitos fundamentais: direito fundamental à impugnação de actos e direito fundamental a outros meios contencioso não de impugnação .

No que se refere à impugnação esse processo agora incide sobre actos lesivos dos particulares,isto significa não apenas deitar fora a ideia de acto definitivo e executório mas também dizer que os direitos dos particulares são o objecto do contencioso e é com base nisso que o tribunal vai apreciar a questão. Esta dimensão subjectiva do processo significa, do ponto de vista objectivo, que a AP vai ser obrigada a cumprir todos os seus deveres.
Todas as tentativas de reforma que surgiram até 2002 foram condenadas ao fracasso.O legislador de 97 resolveu dar o sinal de que as coisas não podiam ser assim. Era absolutamente imprescindível haver uma reforma do Contencioso Administrativo. Aquilo que vai resultar de 97 corresponde a uma revolução coperniana do contencioso administrativo. Em vez de se pensar nos meios processuais o legislador agora pensava na tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Isto vai dar origem ao actual art. 268º/4 CRP: O novo princípio e fundamento do contencioso é a tutela dos direitos.
Entre 1997 e 2004 agrava-se a omissão. O Governo apresentou três propostas de lei correspondentes a três diplomas que estavam em cima da mesa: o código de processo dos tribunais administrativos, o estatuto dos tribunais administrativos e um diploma sobre responsabilidade civil das entidades públicas.

Houve coisas que ficaram por fazer e foi pena que não se tenham feito. O balanço da reforma é positivo no que corresponde ao código de processo e menos positivo no que corresponde ao estatuto dos tribunais administrativos. O código de processo corresponde aos objectivos constitucionais. O estatuto tem apenas uma coisa boa - o art. 4º,que corresponde a uma norma aberta de limitação da jurisdição administrativa.


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