O
Código da Contratação Pública de 2008 afastou a ideia que se tinha acerca dos
contratos administrativos. Esta figura, do contrato administrativo, nunca foi
olhada com bons olhos por grande parte dos autores, tendo sido sempre olhada
como uma realidade esquizofrénica desde as origens históricas da ideia.
Fazendo
jus a este pensamento, não se admitia, obviamente, a contratação
administrativa. Contradizia, alegavam os críticos, o conceito de jus imperii,
poder característico da Administração, que podia impor a sua vontade perante os
particulares. Ora, se a Administração tinha este poder, como poderia admitir-se
que pudesse haver contratos? Como admitir que a Administração se pusesse,
digamos, ao nível dos particulares? Dizia até Otto Mayer que se tratava de um
contrassenso absolutamente inadmissível. Esta conceção do contrato
administrativo começou a ser abalada no século XIX, quando a Administração
começou a celebrar contratos, de concessão de obras públicas maioritariamente,
e deixou de ser uma Administração que se centrava unicamente no ato
administrativo em si, para passar a ser uma Administração que se abria às
relações contratuais, aos regulamentos, a figuras diferentes daquelas a que
sempre se dedicou, ocorrendo isto também pelas exigências de modelos diferentes
e conceções diferentes do conceito de Estado e da sua função na sociedade.
Começou
então a surgir aos poucos a ideia de que era necessário conferir à
Administração a liberdade de contratar, de sair do seu mundo de autoridade e de
passar a existir muito num sentido, mais do que de exercer a sua autoridade
sobre os particulares, de os servir, proteger e colaborar com os mesmos.
Decidiu estender-se, portanto, o regime jurídico do ato administrativo ao
contrato administrativo, realidade formal que acabou por se materializar na
ideia revolucionária de que devia haver determinado contratos que fossem
regulados pelo Direito Administrativo e certos contratos que fossem regulados
pelo Direito Civil. Esta ideia de separar os dois tipos de contrato proveio do
autor Hauriou, que entendia que os contratos consistiam também em privilégios
exorbitantes, o que nos parece duvidoso devido à característica da
bilateralidade dos contratos e à posição de igualdade característica das
relações contratuais. Numa relação contratual não há uma parte em posição
privilegiada, e por isso nos parece não razoável a consideração do autor. Contudo,
o autor insistia em defender esta tese argumentando que a cláusula geral das
relações contratuais rebus sic stantibus permitia
a uma parte pôr fim ao contrato em determinados casos, podendo então a
Administração punir o particular no caso de este incumprir, mas pecando este
argumento naturalmente pelo facto de esta característica ser geral
relativamente ao tipo de relação contratual, seja ela privada ou pública.
Apesar
deste entendimento de que não há uma parte privilegiada nas relações
contratuais, a verdade é que a Administração teve de arranjar mecanismos para
se adaptar visto que o interesse público pode alterar-se com o passar do tempo.
Esta ideia surgiu com o caso em que a Câmara de Bordéus se viu “presa” a um
contrato pelo facto de o mesmo versar sobre iluminação a gás. Quando quis
alterar o contrato para poder ter energia elétrica, viu-se vinculada a um
contrato de 99 anos. Daqui surgiu o entendimento de que era necessária uma
adaptação que variaria conforme o interesse público, sendo este mutável, e que
portanto deveria existir um poder de alteração unilateral por parte da
Administração, isto porque o objetivo tradicional e até consagrado
constitucionalmente dos contratos públicos é o de prosseguir o interesse
público.
Apesar
disto, chegou uma altura em que esta possibilidade foi criticada no sentido de
que ela não proviria de um privilégio exorbitante da Administração, mas sim da
lei, e que portanto continuava a defender-se a bilateralidade e a igualdade das
partes nas relações contratuais.
Assim
começa a alterar-se a ideia que se tinha da contratação administrativa, também
com um empurrão significativo de diretivas europeias relativas a esta matéria.
Nos anos 90 começou a querer-se uma uniformização da regulação desta matéria na
União Europeia, numa lógica de salvaguardar as ideias de liberdade e igualdade
entre os Estados-Membros, sendo que, até surgir o Código da Contratação Pública
em 2008 várias diretivas uniformizaram este regime.
Assim
foi criado o chamado contencioso pré-contratual, adotando-se nessas diretivas
uma noção de contrato bastante mais ampla, relativa a todas as relações
contratuais, sejam contratos públicos ou privados que correspondam ao exercício
da função administrativa.
Assim foi ultrapassada a ideia que se tinha dos
contratos administrativos, tendo-se uniformizado o regime jurídico dos
contratos que tenham como objetivo o exercício das funções administrativas
indo, em certos casos, mais longe que as diretivas europeias anteriormente
emitidas.
Gonçalo Cardim - 140111029
Gonçalo Cardim - 140111029
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