- Análise do artigo 100º CPTA-
O contencioso pré-contratual é uma das modalidades de
processos urgentes. É um processo especial de impugnação instituído em razão da
urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa a que se
aplica o regime processual da acção administrativa especial (78° e ssgs) com as
adaptações previstas no 102°. Foi o DL n° 134/98 o responsável por transpor para a ordem,
jurídica interna a diretiva 89/665/CEE que procedeu à harmonização dos
procedimentos a adoptar em matéria de recursos contenciosos no âmbito da
celebração de contratos públicos de obras e de fornecimentos. A supra citada
diretiva conhecida também como diretiva recursos visou assegurar a abertura dos
contratos de direito público à concorrência comunitária sempre tendo em conta
ideia como transparência e não discriminação
teve como primeiro objectivo implementar nos Estados-membros meios de recurso
rápidos e eficazes em caso de violação do direito comunitário. Para além disso,
implementou medidas provisórias destinadas a eliminar a ilegalidade impedindo a
produção de danos em relação aos concorrentes lesados. O DL contemplava apenas
os contratos de empreitada de obras publicas, de prestação de serviços e de
fornecimento de bens que correspondiam às espécies abrangidas pela directiva.
Neste diploma estendia se o âmbito de aplicação isto é devia ser tornado
extensivo aos contratos de concessão de obras publicas ou fazendo recurso à
aplicação analógica ou declarado a inconstitucionalidade. Estes obstáculos
foram suprimidos pela redacção do art° 100° pois é notório que inclui
explicitamente no objeto de impugnação os actos relativos à formação de
contratos de concessão de obras publicas embora continue a não incluir os actos
relativos à formação de contratos de concessão de serviços públicos. Os
procedimentos relativos à contratação de empreitadas, de prestação de serviços
e de fornecimento nos setores da água, da energia, dos transportes e das
telecomunicações (setores que estavam excluídos da concorrência comunitária)
foram submetidos a regulamentação própria através da directiva n° 93/38 CEE que
foi transposta para o direito interno português 234/2004 . O artigo 48° frisa
que de aplica aos procedimentos e contratos regulados por esse diploma o regime
do contencioso pré-eleitoral (100° a 103° cpta). Com o surgimento da diretiva
n° 2004/18/CEE (que foi transposta para o direito interno pelo Código dos
Contratos Públicos) redundou as anteriores diretivas passando a regular num
único texto os processos de adjudicação de contratos de empreitada de obras
públicas , dos contratos públicos de serviços estabelecendo alterações em
relação à delimitação do âmbito de aplicação, ao elenco dos processos
adjudicatários e aos critérios de adjudicação. De acordo com a directiva
recursos as impugnações podem dirigir-se não apenas à anulação de decisões
ilegais também à supressão de especificações técnicas, económicas e financeiras
discriminatórias incluídas no anúncio e programa do concurso ou no caderno de
encargos e podem originar a atribuição de uma indemnização. O carácter
impugnável dos actos relativos à formação dos contratos é determinado à luz dos
princípios gerais como indica o 51º
Assim, não apenas o acto de exclusão de um candidato ou o acto final de
adjudicação mas também actos procedimentais susceptíveis de lesar direitos ou
interesses legalmente protegidos poderão ser objecto de impugnação. Não apenas
os actos primários, mas também os actos secundários como é um caso de um acto
de anulação do procedimento pré-contratual ou de revogação da adjudicação são
impugnáveis através do presente meio processual. Existem posições que
consideram que o regime consagrado para o contencioso pré-contratual (embora o
código nada diga nesse sentido e pelo contrário inclua esta forma de processo
num capítulo chamado de impugnações urgentes) deve ser aplicado quer para o
efeito da impugnação de actos administrativos de conteúdo positivo quer para o
efeito de reacção contra actos negativos ou situações de inércia administrativa
dirigida à condenação à prática de actos devidos. Efectivamente, a necessidade
de assegurar a existência de um meio processual expedito para salvaguardar o
princípio da concorrência no âmbito dos contratos públicos tal como se tornou
exigível à luz do direito comunitário, tanto ocorre em relação a actos
positivos como a actos negativos que tenham sido produzidos no âmbito do
procedimento. Isto representaria um claro défice de efectividade de tutela
jurisdicional se o meio processual concebido para satisfazer o interesse da
urgência no domínio do contencioso pré-contratual apenas abarcasse parte dos
litígios pré-contratuais que a esse nível se podem suscitar. Como ensina
Sérvulo Correia assim como o acórdão do STJ 24 de Novembro de 2004 o meio
urgente em analise deve ser encarado como um meio tanto impugnatório como de
condenação à prática de actos administrativos. Contudo, o mais habitual será
que a questão da dedução de um pedido de condenação à prática do acto devido se
tenda a colocar neste contexto quando perante a prática de um acto
administrativo de conteúdo positivo haja interesse na substituição desse acto
por outro. Vejamos o seguinte exemplo: no acto de adjudicação do contrato a
questão central que teremos de averiguar é determinar se também em relação aos
actos compreendidos na previsão do art° 100°/1 é possível cumular com o pedido
de anulação do acto de conteúdo positivo, o pedido de condenação à substituição
desse acto por outro que não incorra nas mesmas ilegalidades. Dito isto, o
contencioso pré-contratual aplica-se aos contratos celebrados pelos organismos
que possam considerar-se como organismos de direito público (adoptando a
concepção lata acolhida pelo direito comunitário). Aqui, estão incluídas o
Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais, os institutos públicos e as
associações publicas. Também estão incluídas no preceito todas as pessoas
colectivas de natureza não empresarial que independentemente da sua
qualificação oficial cumpram PS seguintes requisitos objectivo:
1.
Sejam financiadas maioritariamente pelo Estado
ou por outros entes públicos;
2.
Se encontrem sujeitas a controlo de gestão por
parte destes últimos;
3.
Ou cujos órgãos de direcção ou fiscalização
sejam, em mais de metade, designados por essas entidades públicas;
No tocante aos contratos de
empreitada, de prestação de serviços e de fornecimento nos setores da água, da
energia, dos transportes e das telecomunicações encontram-se abrangidas pelo
contencioso pré-contratual. Isto é, as entidades que operando nessas áreas se
caracterizam como organismos de direito publico ou como empresas públicas. Como
indica o art°1 n°2 da directiva 93/38/CEE e o art°2 n°2 do DL n°223/2001) a
noção de empresa publica é: quaisquer empresas em relação às quais os poderes
públicos possam exercer directa ou indiretamente, uma influencia dominante, em
virtude da propriedade, da participação financeira e das normas que lhes são
aplicáveis. Refira-se que a referencia do n°3 do art° 100 aos sujeitos
privados, que estão habilitados para praticar actos equiparados a actos
administrativos, compaginam se com as exigências comunitárias relativas à
subordinação de entidades privadas a um procedimento pré-contratual de direito
público. Na verdade, a citada norma em conjunção com o art°4 n°1 alínea e) do
ETAF reforça o entendimento de que os tribunais administrativos são os
competentes para conhecer da impugnação de actos pré –contratuais praticados
por pessoas coletivas privadas quando tais entidades se encontrem sujeitas a
uma disciplina procedimental de direito público. Assim, fica afastado o
entendimento jurisprudencial que reputava como meras declarações negociais os
actos de entidades privadas proferidos no âmbito da formação de contratos de
fornecimento declinando a competência contenciosa dos tribunais administrativos
em relação a tais actos (acórdão STA de 15 de Setembro de 1999 e de 3 de Abril
de 2001). Questão diversa que foi amplamente debatida reconduzia-se a saber se
o recurso contencioso e tratava de um meio processual de utilização necessária
(sendo imperativamente aplicável em relação em relação aos actos
administrativos praticados no âmbito da formação dos contratos abrangidos) ou
de um meio processual alterativo cuja não utilização não impedia a impugnação
contenciosa através da forma comum prevista na LPTA. Ainda hoje a questão
continua a colocar-se no âmbito do CPTA embora o melhor entendimento pareça ser
o de atribuir uma plena autonomização aos processos urgentes (incluindo o
processo relativo ao contencioso pré-contratual) em confronto com as demais
formas processuais especificamente previstas. Como tal, deve ser visto como de
utilização necessária e não alternativa. Por fim, falta-nos referir a questão
de saber se também em relação aos processos urgentes e em particular ao
contencioso pré-contratual se valem as previsões dos artgs 4º e 47º
respeitantes à cumulação de pedidos. Nomeadamente para o efeito de se admitir a
cumulação do pedido de anulação do acto pré-contratual com o pedido de
condenação à sua substituição por outro que não reincida nas ilegalidades
cometidas como está prevista no artº 47º/2. alínea a). De acordo com os
ensinamentos do Professor Mário de Aroso de Almeida tanto o artº 4 como o artº
5 não estabelecem qualquer restrição a este propósito. Não se assegura
aceitável admitir que num domínio tão relevante como este não sejam
proporcionadas as mesmas condições de efectividade de tutela que o Código
assegura nos restantes domínios. Como indica o artº 5º que não obsta à
cumulação de pedidos em processos urgentes a circunstancia de aos pedidos
cumulados corresponderem outras formas de processo havendo nesse caso que
seguir a forma da acção administrativa especial que as necessárias adaptações. O
artº 102º à partida já estabelece isso. Se houver cumulação de outros pedidos apenas
haverá que ponderar se a cumulação é de molde a justificar uma desaceleração do
processo fazendo com que este siga termos que , no todo ou na parte, se afastem
do modelo mais célere que resulta do artº 102º para se aproximarem do modelo
normal a que obedecem os processos não urgentes. A mera cumulação no processo
impugnatório do pedido de condenação da Administração à substituição do acto
impugnado por outro não reincida nos mesmo vícios não parece sequer, justificar
essa desaceleração na medida que as indagações a realizar incidirão em qualquer
caso sobre os mesmos factos, para o efeito da aplicação das mesmas normas. E isto
vale para a cumulação da impugnação do acto pré-contratual com a impugnação do
próprio contrato.
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