O reconhecimento de direitos
subjectivos perante autoridades públicas, enquanto projecção jurídica da
dignidade da pessoa humana, constitui um princípio
essencial do Estado de Direito, com importantes consequências práticas no
que respeita ao procedimento e ao contencioso administrativo: no procedimento a
possibilidade de actuação por parte dos particulares para defesa preventiva dos
seus direitos perante a Administração (“garantia de procedimento” dos direitos
fundamentais); no contencioso implica a existência de um processo administrativo
que assegure a tutela efectiva e integral desses direitos e em que se verifique
equiparação das posições da Administração e do particular, ou seja, a possibilidade
de imposição jurisdicional dos direitos subjectivos públicos, estando o órgão
administrativo e o particular de igual forma limitados pelo tribunal.
Ora no que
respeita aos sujeitos, o legislador quis tornar inequívoco que os processos do
contencioso administrativo são de partes. Mas nem sempre assim foi, pois numa
lógica clássica não se reconhecia direitos subjectivos às partes, já que o
particular não era visto como um sujeito, mas antes um mero “objecto do poder
soberano”.
Interessa por isso referir
brevemente como foram evoluíndo as formas de conceber posições dos indivíduos
perante a Administração, entre elas a teoria à qual o professor Vasco Pereira
da Silva adere, a teoria da norma de protecção (teoria que foi concebida por
BACHOF, e apareceu de um aperfeiçoamento da noção de direito subjectivo dada
por BUEHLER)
Assim, como formas de conceber as posições dos indivíduos perante a Administração
temos:
1)
negacionistas(HAURIOU): particulares não defendem
através do recurso nenhuma posição jurídica subjectiva em face da Administração,
já que devem submeter-se ao poder
2)
Direito reflexo à legalidade (M.CAETANO, JELLINEK):
existe apenas um direito genérico à legalidade que não se distingue do direito
objectivo e que se reduz a uma mera posição processual
Ora estas duas primeiras concepções
não são compatíveis com o actual entendimento do Estado de Direito: são
manifestações da costela autoritária do Estado Liberal, que embora considerasse
a importância dos direitos fundamentais no plano político, negava direitos
subjectivos nas relações administrativas, já que os particulares eram meros
súbditos do poder e não colaboradores na realização dos fins do Estado.
3)
Dtos subjectivos e interesses legítimos (ZANOBINI,
FREITAS do AMARAL): consoante vantagem do individuo seja directa e
intencionalmente atribuída pela norma jurídica ou apenas de forma mediata e
reflexa
4)
Direitos subjectivos e interesses legítimos (NIGRO,
MACHETE): consoante se trate ou não de uma situação dependente do exercício do
poder administrativo
5)
Direitos subjectivos clássicos/activos e direitos
subjectivos novos/reactivos(FERNANDEZ)
6)
Uma única categoria, a dos direitos subjectivos(BACHOF)
O professor
Vasco Pereira da Silva adere, como dissemos, a esta última, a teoria da norma de protecção: o
individuo é titular de um direito subjectivo em relação à Administração sempre
que de uma norma jurídica que não vise apenas a satisfação do interesse público,
mas também a protecção dos interesses dos particulares, resulte uma situação de
vantagem objectiva, concedida de forma intencional, ou ainda quando dela
resulte a concessão de um mero benefício de facto decorrente de um direito
fundamental.
Ainda que CRP
fale de “direitos subjectivos e interesses legítimos”( art.268º CRP), a verdade
é que os equipara, na medida em que são duas formas de designar a posição jurídico-subjectiva
dos particulares perante a Administração, às quais corresponde o mesmo regime
jurídico, já que têm a mesma natureza. O que se distingue é o modo como se
atribui o direito, não o direito em si (em sentido contrário, o professor
Freitas do Amaral, que vê interesse prático na distinção).
Ultrapassados
os “traumas de infância”, verificamos que agora o Código consagra expressamente
tanto a regra de que os particulares e Administração são partes dos processos
administrativos, como também o princípio da igualdade processual efectiva (art.6º).
Sem comentários:
Enviar um comentário