segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O reconhecimento dos particulares como verdadeiros sujeitos de um processo


O reconhecimento de direitos subjectivos perante autoridades públicas, enquanto projecção jurídica da dignidade da pessoa humana, constitui um princípio essencial do Estado de Direito, com importantes consequências práticas no que respeita ao procedimento e ao contencioso administrativo: no procedimento a possibilidade de actuação por parte dos particulares para defesa preventiva dos seus direitos perante a Administração (“garantia de procedimento” dos direitos fundamentais); no contencioso implica a existência de um processo administrativo que assegure a tutela efectiva e integral desses direitos e em que se verifique equiparação das posições da Administração e do particular, ou seja, a possibilidade de imposição jurisdicional dos direitos subjectivos públicos, estando o órgão administrativo e o particular de igual forma limitados pelo tribunal.

            Ora no que respeita aos sujeitos, o legislador quis tornar inequívoco que os processos do contencioso administrativo são de partes. Mas nem sempre assim foi, pois numa lógica clássica não se reconhecia direitos subjectivos às partes, já que o particular não era visto como um sujeito, mas antes um mero “objecto do poder soberano”.

Interessa por isso referir brevemente como foram evoluíndo as formas de conceber posições dos indivíduos perante a Administração, entre elas a teoria à qual o professor Vasco Pereira da Silva adere, a teoria da norma de protecção (teoria que foi concebida por BACHOF, e apareceu de um aperfeiçoamento da noção de direito subjectivo dada por BUEHLER)

Assim, como formas de conceber as posições dos indivíduos perante a Administração temos:

 

1)      negacionistas(HAURIOU): particulares não defendem através do recurso nenhuma posição jurídica subjectiva em face da Administração, já que devem submeter-se ao poder

 

2)      Direito reflexo à legalidade (M.CAETANO, JELLINEK): existe apenas um direito genérico à legalidade que não se distingue do direito objectivo e que se reduz a uma mera posição processual

 

Ora estas duas primeiras concepções não são compatíveis com o actual entendimento do Estado de Direito: são manifestações da costela autoritária do Estado Liberal, que embora considerasse a importância dos direitos fundamentais no plano político, negava direitos subjectivos nas relações administrativas, já que os particulares eram meros súbditos do poder e não colaboradores na realização dos fins do Estado.

 

3)      Dtos subjectivos e interesses legítimos (ZANOBINI, FREITAS do AMARAL): consoante vantagem do individuo seja directa e intencionalmente atribuída pela norma jurídica ou apenas de forma mediata e reflexa

 

4)      Direitos subjectivos e interesses legítimos (NIGRO, MACHETE): consoante se trate ou não de uma situação dependente do exercício do poder administrativo

 

5)      Direitos subjectivos clássicos/activos e direitos subjectivos novos/reactivos(FERNANDEZ)

 

6)      Uma única categoria, a dos direitos subjectivos(BACHOF)

 

        O professor Vasco Pereira da Silva adere, como dissemos, a esta última, a teoria da norma de protecção: o individuo é titular de um direito subjectivo em relação à Administração sempre que de uma norma jurídica que não vise apenas a satisfação do interesse público, mas também a protecção dos interesses dos particulares, resulte uma situação de vantagem objectiva, concedida de forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto decorrente de um direito fundamental.

       Ainda que CRP fale de “direitos subjectivos e interesses legítimos”( art.268º CRP), a verdade é que os equipara, na medida em que são duas formas de designar a posição jurídico-subjectiva dos particulares perante a Administração, às quais corresponde o mesmo regime jurídico, já que têm a mesma natureza. O que se distingue é o modo como se atribui o direito, não o direito em si (em sentido contrário, o professor Freitas do Amaral, que vê interesse prático na distinção).

            Ultrapassados os “traumas de infância”, verificamos que agora o Código consagra expressamente tanto a regra de que os particulares e Administração são partes dos processos administrativos, como também o princípio da igualdade processual efectiva (art.6º).

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