No artigo 56º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos é referido que quem tenha
aceitado, quer expressa quer tacitamente, um ato administrativo não o pode
impugnar, depois deste ter sido praticado.
Analisando este
artigo e a sua integração sistemática, vemos que esta matéria (da aceitação do
ato administrativo) está integrada na subsecção II do Código, na qual é
regulado o pressuposto processual da legitimidade. Torna-se então necessário
questionarmo-nos: será que, ao aceitar expressamente ou através da “prática
espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”, o
destinatário do ato deixa de ter legitimidade para impugnar esse mesmo ato?
Será consequência direta da conformação, expressa ou tácita, do destinatário do
ato com o mesmo a “perda”, por assim dizer, da legitimidade processual? Será
que a questão da aceitação deveria estar regulada nesta subsecção, relacionada
com a legitimidade processual?
Para responder a
esta questão é necessário, em primeiro lugar, averiguar qual a definição e o
sentido do termo “legitimidade” no Contencioso Administrativo, e ter em conta
as raízes históricas da questão. Para não variar, mais uma vez entram aqui,
como não poderia deixar de ser, os “traumas da infância difícil” do Contencioso
Administrativo. Pois, o entendimento do conceito de legitimidade processual
como um “interesse direto, pessoal e legítimo”, entendimento este vindo,
consequentemente, de uma negação aos particulares de direitos subjetivos
perante a Administração, ao ser materializado numa concepção da existência de
interesse como condição de legitimidade afastou imediatamente a possibilidade
de consideração do interesse em agir como pressuposto processual autónomo
sendo, portanto, por esta razão que a aceitação do ato administrativo está
regulada ao lado da legitimidade como causa da falta da mesma.
Ora,
afastando-nos das raízes históricas e da “infância traumática” do Contencioso
Administrativo, analisando-se agora a legitimidade segundo a alegação da
titularidade de direitos, é necessário requalificar ou realocar este tema da
aceitação, tendo surgido na doutrina dois entendimentos: ou colocar a questão
da aceitação no plano de um pressuposto processual perfeitamente autónomo, e
portanto num plano diferente do da legitimidade e do interesse em agir, como
sugere o Professor Vieira de Andrade; ou, como parece ao Professor Vasco
Pereira da Silva, separar, como também propõe o Professor Vieira de Andrade, o
tema da aceitação do pressuposto da legitimidade, mas, e discordando aqui os
dois Professores neste aspeto, reconduzir a questão ao interesse em agir, por
alegada inexistência de vantagens em autonomizar a aceitação como pressuposto
autónomo.
Concordando ou
não com qualquer das posições, é necessário tecer algumas considerações não
quanto à questão mais formal da integração sistemática da aceitação, mas quanto
ao efeito prático, expresso na lei, do impedimento de impugnação de um ato
administrativo uma vez aceite. É que essa proibição (que choca ainda mais
quanto à aceitação tácita), ao impedir os particulares de recorrerem ao
tribunal por terem aceitado o ato, constitui um exagero que ignora o normal
curso das questões e o normal comportamento humano, ou seja, a possibilidade de
alteração de circunstâncias, de alteração de comportamentos por virtude de
quaisquer imprevistos que possam ocorrer no decorrer das situações jurídicas.
Para além da
falta de sentido prática desta proibição, ela seria inconstitucional, por
violação do artigo 268/4 da Constituição da República Portuguesa, mais
precisamente do acesso dos particulares aos tribunais administrativos através
da impugnação de quaisquer atos que lesem os seus direitos.
Gonçalo Cardim - 140111029
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