terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Integração sistemática da aceitação e consequências práticas da mesma (Art. 56º CPTA)

      No artigo 56º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos é referido que quem tenha aceitado, quer expressa quer tacitamente, um ato administrativo não o pode impugnar, depois deste ter sido praticado.
      Analisando este artigo e a sua integração sistemática, vemos que esta matéria (da aceitação do ato administrativo) está integrada na subsecção II do Código, na qual é regulado o pressuposto processual da legitimidade. Torna-se então necessário questionarmo-nos: será que, ao aceitar expressamente ou através da “prática espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”, o destinatário do ato deixa de ter legitimidade para impugnar esse mesmo ato? Será consequência direta da conformação, expressa ou tácita, do destinatário do ato com o mesmo a “perda”, por assim dizer, da legitimidade processual? Será que a questão da aceitação deveria estar regulada nesta subsecção, relacionada com a legitimidade processual?
      Para responder a esta questão é necessário, em primeiro lugar, averiguar qual a definição e o sentido do termo “legitimidade” no Contencioso Administrativo, e ter em conta as raízes históricas da questão. Para não variar, mais uma vez entram aqui, como não poderia deixar de ser, os “traumas da infância difícil” do Contencioso Administrativo. Pois, o entendimento do conceito de legitimidade processual como um “interesse direto, pessoal e legítimo”, entendimento este vindo, consequentemente, de uma negação aos particulares de direitos subjetivos perante a Administração, ao ser materializado numa concepção da existência de interesse como condição de legitimidade afastou imediatamente a possibilidade de consideração do interesse em agir como pressuposto processual autónomo sendo, portanto, por esta razão que a aceitação do ato administrativo está regulada ao lado da legitimidade como causa da falta da mesma.
      Ora, afastando-nos das raízes históricas e da “infância traumática” do Contencioso Administrativo, analisando-se agora a legitimidade segundo a alegação da titularidade de direitos, é necessário requalificar ou realocar este tema da aceitação, tendo surgido na doutrina dois entendimentos: ou colocar a questão da aceitação no plano de um pressuposto processual perfeitamente autónomo, e portanto num plano diferente do da legitimidade e do interesse em agir, como sugere o Professor Vieira de Andrade; ou, como parece ao Professor Vasco Pereira da Silva, separar, como também propõe o Professor Vieira de Andrade, o tema da aceitação do pressuposto da legitimidade, mas, e discordando aqui os dois Professores neste aspeto, reconduzir a questão ao interesse em agir, por alegada inexistência de vantagens em autonomizar a aceitação como pressuposto autónomo.
      Concordando ou não com qualquer das posições, é necessário tecer algumas considerações não quanto à questão mais formal da integração sistemática da aceitação, mas quanto ao efeito prático, expresso na lei, do impedimento de impugnação de um ato administrativo uma vez aceite. É que essa proibição (que choca ainda mais quanto à aceitação tácita), ao impedir os particulares de recorrerem ao tribunal por terem aceitado o ato, constitui um exagero que ignora o normal curso das questões e o normal comportamento humano, ou seja, a possibilidade de alteração de circunstâncias, de alteração de comportamentos por virtude de quaisquer imprevistos que possam ocorrer no decorrer das situações jurídicas.

      Para além da falta de sentido prática desta proibição, ela seria inconstitucional, por violação do artigo 268/4 da Constituição da República Portuguesa, mais precisamente do acesso dos particulares aos tribunais administrativos através da impugnação de quaisquer atos que lesem os seus direitos.

Gonçalo Cardim - 140111029

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