sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Ponte Vasco da Gama - Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) em Portugal – Notas de jurisprudência Esperança Mealha

A questão que se pode colocar  é a de saber se esta decisão administrativa é um acto administrativo impugnável contenciosamente, por via da acção administrativa especial (artigos 50.º e s. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA); bem como saber se a ausência desta decisão pode configurar uma omissão ilegal, susceptível de fundamentar uma acção de condenação à prática de acto devido (artigos 66.º e s. do CPTA).

Antes de mais é necessário compreender a situação ambiental da Ponte Vasco da Gama:A Ponte Vasco da Gama localizada no Estuário do Tejo, atravessa 400 hectares das Salinas do Samouco, que constituem uma importante área de nidificação para algumas espécies protegidas tais corno o Perna-Longa (Himantopus himantopus), a Andorinha-do-Mar-Anã (Sterna aíbifrons) e o Borrelho-de-Coleira-lnterrornpida (Charadrius alexandrinus). O Projecto da sua construção foi sujeito a um Estudo Preliminar de Impacte Ambiental, de forma a se identificarem potenciais impactes negativos e garantir a sua minimização. Esta obra foi acompanhada pela Comissão de Acompanhamento de Obra(CAO), formada por representantes do Instituto do Ambiente, Câmaras Municipais, ONG Local e Nacional e Centro de Estudos e Monitorização Ambiental(CEMA) da responsabilidade da LUSOPONTE.

O tratamento jurisprudencial desta questão sofreu alterações, decorrentes da alteração do próprio regime legal da AIA. Num primeiro momento, correspondente à vigência do primeiro regime de AIA (contido no Decreto-Lei n.º 186/90, acima referido), o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no sentido de que não era contenciosamente recorrível o despacho que homologava o “parecer” da comissão da avaliação de impacto ambiental. Este parecer não era vinculativo para a entidade que tinha que licenciar/autorizar o projecto, e o Supremo entendeu que se tratava de um acto “acto interno”, que não definia a situação jurídica do administrado (cfr., por exemplo, os Acórdãos STA, 11.4.2000, P. 044992 e STA, 18.4.2002, P. 046058)10. A situação alterou-se com a entrada em vigor do actual regime de AIA (aprovado pelo citado Decreto-Lei n.º 69/2000), na medida em que se consagrou o carácter vinculativo da Declaração de Impacto Ambiental. Ou seja, a DIA desfavorável determina o indeferimento do pedido de licenciamento ou de autorização; e as condições impostas numa DIA favorável condicionada têm que ser posteriormente respeitadas, tudo sob pena de nulidade do acto praticado (artigo 20.º do RAIA). À luz deste novo regime, a jurisprudência tem-se pronunciado uniformemente no sentido de admitir a impugnação contenciosa do acto de DIA. Como se salienta no Acórdão STA, 5.4.2005, P. 01456/03, “não há dúvidas” sobre a impugnabilidade contenciosa da DIA, que se configura como um acto com eficácia externa, que define a posição da Administração e dos particulares interessados quanto à matéria de inserção ambiental do projecto. (No mesmo sentido, podem ler-se os Acórdãos TCAN, 12.6.2008, P. 00898/07.1BECBR e TCAN, 24.9.2009, P. 00898/07.1BECBR). Mas se dúvidas ainda pudessem subsistir, teriam sido removidas pela entrada em vigor, em 2004, da nova reforma do contencioso administrativo que modificou o conceito de acto administrativo impugnável. No novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o acto administrativo impugnável não é apenas aquele que tem carácter “lesivo”, mas todo aquele que produz “efeitos externos” (artigo 51.º/1 do CPTA). Na medida em que estabelece o carácter vinculativo da decisão final do procedimento de AIA, a lei portuguesa vai além do regime estabelecido nas Directivas. No entanto, o regime português revela algumas incoerências, pois paralelamente com a natureza
Sendo assim, um dos problemas discutidos com frequência nos tribunais administrativos foi o da possibilidade de impugnar judicialmente a decisão final do procedimento de AIA.
10 Em sentido contrário v. LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, O Procedimento Administrativo de Avaliação de Impacto Ambiental, Para uma Tutela Preventiva do Ambiente, Almedina Coimbra, 1998, 714 e s. vinculativa da DIA prevê-se a possibilidade de “deferimento tácito” do pedido de AIA (artigo 19.º do RAIA, que estabelece que a DIA é favorável se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no prazo aí fixado). O problema ainda não foi colocado junto dos tribunais, mas a doutrina já alertou que é um “paradoxo prever o deferimento em caso de silêncio da entidade competente para a decisão de AIA num regime em que a decisão negativa é sempre vinculativa”11. Com a agravante, acrescentamos nós, de que a previsão de um deferimento tácito contraria a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que já declarou que um sistema de autorizações tácitas é incompatível com as exigências, nomeadamente, da Directiva 85/337/CEE (cfr. Acórdão Comissão/Bélgica, C-230/00, n.º 16). Sendo inquestionável a impugnabilidade judicial da DIA – através de uma acção administrativa especial, como possibilidade de, paralelamente, se intentar providência cautelar destinada a assegurar a utilidade da decisão a proferir no processo principal – é, contudo, necessário não esquecer que esta decisão apenas põe termo ao procedimento de avaliação de impacto ambiental e que este constitui um subprocedimento relativamente ao procedimento, mais vasto, de autorização ou licenciamento do projecto em causa. Assim, os efeitos externos que a DIA pode produzir são limitados e a simples impugnação da DIA pode não ser suficiente para acautelar os interesses ambientais em jogo.

Maria Luísa Castelo Branco, 1401100056


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