A questão que se pode
colocar é a de saber se esta decisão
administrativa é um acto administrativo impugnável contenciosamente, por via da
acção administrativa especial (artigos 50.º e s. do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos – CPTA); bem como saber se a ausência desta decisão pode
configurar uma omissão ilegal, susceptível de fundamentar uma acção de
condenação à prática de acto devido (artigos 66.º e s. do CPTA).
Antes de mais é necessário
compreender a situação ambiental da Ponte Vasco da Gama:A Ponte Vasco da Gama
localizada no Estuário do Tejo, atravessa 400 hectares das Salinas do Samouco,
que constituem uma importante área de nidificação para algumas espécies
protegidas tais corno o Perna-Longa (Himantopus himantopus), a
Andorinha-do-Mar-Anã (Sterna aíbifrons) e o Borrelho-de-Coleira-lnterrornpida
(Charadrius alexandrinus). O Projecto da sua construção foi sujeito a um Estudo
Preliminar de Impacte Ambiental, de forma a se identificarem potenciais
impactes negativos e garantir a sua minimização. Esta obra foi acompanhada pela
Comissão de Acompanhamento de Obra(CAO), formada por representantes do
Instituto do Ambiente, Câmaras Municipais, ONG Local e Nacional e Centro de
Estudos e Monitorização Ambiental(CEMA) da responsabilidade da LUSOPONTE.
O tratamento jurisprudencial
desta questão sofreu alterações, decorrentes da alteração do próprio regime
legal da AIA. Num primeiro momento, correspondente à vigência do primeiro
regime de AIA (contido no Decreto-Lei n.º 186/90, acima referido), o Supremo
Tribunal Administrativo pronunciou-se no sentido de que não era
contenciosamente recorrível o despacho que homologava o “parecer” da comissão
da avaliação de impacto ambiental. Este parecer não era vinculativo para a
entidade que tinha que licenciar/autorizar o projecto, e o Supremo entendeu que
se tratava de um acto “acto interno”, que não definia a situação jurídica do
administrado (cfr., por exemplo, os Acórdãos STA, 11.4.2000, P. 044992 e STA,
18.4.2002, P. 046058)10. A situação alterou-se com a entrada em vigor do actual
regime de AIA (aprovado pelo citado Decreto-Lei n.º 69/2000), na medida em que
se consagrou o carácter vinculativo da Declaração de Impacto Ambiental. Ou
seja, a DIA desfavorável determina o indeferimento do pedido de licenciamento
ou de autorização; e as condições impostas numa DIA favorável condicionada têm
que ser posteriormente respeitadas, tudo sob pena de nulidade do acto praticado
(artigo 20.º do RAIA). À luz deste novo regime, a jurisprudência tem-se
pronunciado uniformemente no sentido de admitir a impugnação contenciosa do
acto de DIA. Como se salienta no Acórdão STA, 5.4.2005, P. 01456/03, “não há
dúvidas” sobre a impugnabilidade contenciosa da DIA, que se configura como um
acto com eficácia externa, que define a posição da Administração e dos
particulares interessados quanto à matéria de inserção ambiental do projecto.
(No mesmo sentido, podem ler-se os Acórdãos TCAN, 12.6.2008, P. 00898/07.1BECBR
e TCAN, 24.9.2009, P. 00898/07.1BECBR). Mas se dúvidas ainda pudessem
subsistir, teriam sido removidas pela entrada em vigor, em 2004, da nova
reforma do contencioso administrativo que modificou o conceito de acto
administrativo impugnável. No novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos
(CPTA), o acto administrativo impugnável não é apenas aquele que tem carácter
“lesivo”, mas todo aquele que produz “efeitos externos” (artigo 51.º/1 do
CPTA). Na medida em que estabelece o carácter vinculativo da decisão final do
procedimento de AIA, a lei portuguesa vai além do regime estabelecido nas
Directivas. No entanto, o regime português revela algumas incoerências, pois
paralelamente com a natureza
Sendo assim, um dos problemas
discutidos com frequência nos tribunais administrativos foi o da possibilidade
de impugnar judicialmente a decisão final do procedimento de AIA.
10 Em sentido contrário v. LUÍS
FILIPE COLAÇO ANTUNES, O Procedimento Administrativo de Avaliação de Impacto
Ambiental, Para uma Tutela Preventiva do Ambiente, Almedina Coimbra, 1998, 714
e s. vinculativa da DIA prevê-se a possibilidade de “deferimento tácito” do
pedido de AIA (artigo 19.º do RAIA, que estabelece que a DIA é favorável se
nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no
prazo aí fixado). O problema ainda não foi colocado junto dos tribunais, mas a
doutrina já alertou que é um “paradoxo prever o deferimento em caso de silêncio
da entidade competente para a decisão de AIA num regime em que a decisão
negativa é sempre vinculativa”11. Com a agravante, acrescentamos nós, de que a
previsão de um deferimento tácito contraria a jurisprudência do Tribunal de
Justiça, que já declarou que um sistema de autorizações tácitas é incompatível
com as exigências, nomeadamente, da Directiva 85/337/CEE (cfr. Acórdão
Comissão/Bélgica, C-230/00, n.º 16). Sendo inquestionável a impugnabilidade
judicial da DIA – através de uma acção administrativa especial, como
possibilidade de, paralelamente, se intentar providência cautelar destinada a
assegurar a utilidade da decisão a proferir no processo principal – é, contudo,
necessário não esquecer que esta decisão apenas põe termo ao procedimento de
avaliação de impacto ambiental e que este constitui um subprocedimento relativamente
ao procedimento, mais vasto, de autorização ou licenciamento do projecto em
causa. Assim, os efeitos externos que a DIA pode produzir são limitados e a
simples impugnação da DIA pode não ser suficiente para acautelar os interesses
ambientais em jogo.
Maria Luísa Castelo Branco,
1401100056
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