terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Acórdão do Julgamento nº 1/2014 - Feliciano Yanaqué c. Câmara Municipal de Lisboa

Acordam, em conferência, os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

Feliciano Yanaqué (Autor) propôs uma ação administrativa especial contra a liquidação de duas alegadas taxas pela Câmara Municipal de Lisboa, no valor total de 12€ (doze euros), referente à Taxa de Entrada no Município e Taxa Municipal Turística ou Sobre o Alojamento Turístico.

O Autor apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
a)    Há violação clara de normas constitucionais por parte da Câmara Municipal de Lisboa, nomeadamente do artigo 165º, n.º1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), por ter havido violação da competência relativa da Assembleia da República. Mais, nos termos do artigo 204º da CRP, o sistema de fiscalização em Portugal comporta a fiscalização difusa, cabendo a qualquer juiz desaplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição, enquanto vela pelos interesses da comunidade e das partes em questão.
b)    Ao Autor, consideram, foi aplicado um imposto, criado pela Câmara Municipal de Lisboa. Este imposto só poderia ter sido criado pela Assembleia da República, daí a inconstitucionalidade. Não houve qualquer contraprestação efetiva, não sendo por isso o tributo em causa uma taxa. Para as presunções, como alega o Réu, existem os impostos e contribuições, e não taxas.
c)     Ao alegar que este imposto serve para atender a custos autárquicos, então incorre numa duplicação da onerosidade sobre o mesmo facto, pois já existem impostos a título de defesa do Ambiente, e até taxas a título de preservação da via rodoviária. Mais, os custos do Município de Lisboa, tais como a limpeza, manutenção de estradas e drenagem de água, são já suportados pelos próprios residentes.
d)    Mesmo que este imposto fosse uma taxa, há clara violação dos princípios da igualdade e da equiparação, pelos artigos 13º e 15º da CRP, pois tal tributo pende na realidade apenas e só sobre estrangeiros que venham visitar Lisboa.
e)    Haveria também violação do princípio da proporcionalidade, pois não se pode exigir de turistas que paguem um montante especulatório e não real.
f)      Vale ainda invocar o princípio da prevalência do fundo sobre a forma, e o facto de o Tribunal não estar nunca vinculado à configuração jurídica que as partes dão a determinada questão. A invocação de uma exceção dilatória em razão da matéria não tem cabimento jurídico, pois o tribunal é competente.
g)     Relativamente à alegada “aceitação tácita” é desde logo duvidosa a sua conformidade constitucional, e mesmo existência. Ainda assim, nunca o pagamento de um imposto será considerado uma aceitação tácita do mesmo, ainda para mais numa situação em que um cidadão estrangeiro desconhece em absoluto o panorama do ordenamento jurídico português.
h)    Também quanto à fotografia, questiona-se novamente se a utilização e acesso às câmaras nos semáforos não estão limitadas no seu propósito de identificação de matrículas, e não dos condutores, pois tal consubstanciaria um atentado à sua vida privada.
i)      A segunda fotografia apresentada, que demonstra a presença do Autor com um jogador no Estádio de Alvalade, é também forjada uma vez que nesse mesmo dia, dia 1 de Novembro o Clube Sporting jogava no Estádio de Guimarães. Quer isto dizer que às 10h50m (dez horas e cinquenta minutos), o jogador Carrillo estava no estágio da sua equipa.
j)      Reiterou-se o pedido de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 169º do CPTA, pedido que deve ser aplicado aos titulares de órgãos de pessoa coletiva parte na relação jurídica material controvertida.
k)    Consideram não se compreender a ilegitimidade plural alegada pelo Réu uma vez que se está a demandar o Município de Lisboa, representado pelo Presidente da Câmara Municipal.

****

A apresentou contra-alegações concluindo do seguinte modo:
a)    Considerou-se que o pedido do Autor no sentido da declaração de inconstitucionalidade do Regulamento Camarário, não cabe na competência do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, uma vez que a este compete, tal como a todos os demais tribunais, desaplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art.º 204º CRP) ou seja, a inconstitucionalidade é sempre uma questão incidental. O que é pedido não é que se julgue a inconstitucionalidade (a decisão vale para o caso concreto, não se afastando a norma do ordenamento jurídico), é que se declare a inconstitucionalidade e a competência para declarar (com força obrigatória geral) cabe apenas ao Tribunal Constitucional (art.º 281º CRP). Assim, estamos perante uma exceção dilatória por força do art.º 281º CRP, art.º 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, art.º 577º a), que deve conduzir à absolvição da instância nos termos do art.º 576º nº2 e art.º 278º nº1 a), por se tratar de incompetência absoluta em razão da matéria.
b)    Uma taxa é uma prestação pecuniária, coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo. O Autor alega a inconstitucionalidade do Regulamento por incompetência da Câmara Municipal de Lisboa para aprovar a taxa turística e a taxa de alojamento, por violação do art.º 165º nº1 i) da CRP que determina a reserva de competência relativa da Assembleia da República em matéria de criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas. Muito embora, como já se disse, este pedido não caiba na competência do presente Tribunal, esta alegação não deve proceder, porque não estamos perante nenhum imposto disfarçado, mas antes perante uma verdadeira taxa, cuja criação cabe na competência das Autarquias locais.
c)     Na taxa turística há uma presunção forte de que quem dá entrada no município de Lisboa, utiliza bens do domínio público (como por exemplo, estradas) e usufruiu de serviços públicos (como por exemplo a limpeza e segurança). Na taxa de alojamento, está em causa a prestação de serviços públicos, nomeadamente saneamento e drenagem de águas residuais, limpeza e segurança, serviços estes que são pagos pelos munícipes, mas não pelos turistas. No caso concreto, foi precisamente o que aconteceu com o Autor que usufruiu das estradas do domínio público camarário. Assim, estamos perante verdadeiras taxas, apenas sujeita a reserva de lei de regime geral, podendo a criação ser pela entidade a quem cabe a prestação pública ou titular do bem do domínio público, bem como a sua quantificação.
d)    O Autor pede também a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral do Regulamento Camarário ao abrigo do meio processual da ação administrativa especial que é a impugnação de normas (art.º 72º e seguintes do CPTA). Contudo, o Autor não preenche o pressuposto processual da legitimidade exigido pelo art.º 73º do CPTA, que prevê que tem legitimidade “quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal, em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade”. Essa recusa de aplicação em três casos concretos só não é exigível nos casos do nº2 do art.º 73º, ou seja, quando se trate de norma jurídica imediatamente exequível, o que não é o caso, uma vez que depende de um ato administrativo de aplicação. Ora, não havendo três casos concretos, nem tendo o Autor demonstrado a sua existência, estamos perante uma exceção dilatória por força do art.º 73º nº1 CPTA, art.º 577º e), que deve conduzir à absolvição da instância nos termos do art.º 576º nº2 e art.º 278º nº1 d), uma vez que não há possibilidade de sanação.
e)    O Autor vem ao abrigo do meio processual especial de impugnação de atos administrativos (art.º 50º e ss. do CPTA) pedir a impugnação da taxa turística que sobre o Autor recaiu no valor de 1€ (um euro), alegando que desconhecia a existência da referida taxa. Sucede que o conhecimento não é sequer pressuposto da cobrança da referida taxa e, de qualquer forma, mesmo que fosse, o conhecimento da existência das taxas é possível mediante a consulta do Boletim Municipal.
f)      É também alegado o pagamento da referida taxa não configura uma aceitação tácita do ato. Ora o pagamento da referida taxa pode consubstanciar uma aceitação tácita, preclude-se o direito à impugnação, por falta de interesse em agir. A falta de interesse em agir deve conduzir a absolvição da instância, por ser um pressuposto processual autónomo, que impede o tribunal de conhecer o mérito da causa, nos termos do art.º 56º do CPTA, art.º 576º nº2 e art.º 278º e).
g)     Pede o Autor a imposição de uma sanção pecuniária compulsória nos termos do art.º 3º e 169º do CTPA ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Ora, o Autor demanda a Câmara Municipal de Lisboa, mas pede a imposição de uma sanção pecuniária compulsória contra o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Mesmo que esta seja aplicada, conforme estatui o art.º 169º do CPTA aos “titulares dos órgãos incumbidos da execução”, a Câmara Municipal de Lisboa é composta pelo Presidente da Câmara e por 16 vereadores (art.º 56º e 57º nº2 al. a) da Lei das Autarquias Locais), pelo que estamos perante uma situação de ilegitimidade plural.
h)    Em conclusão, pede-se a absolvição da instância, pelas seguintes exceções dilatórias: incompetência absoluta do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para declarar a inconstitucionalidade do Regulamento Camarário que aprova as taxas em apreço, nos termos do art.º 281º CRP, art.º 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, art.º 577º a), que deve conduzir à absolvição da instância nos termos do art.º 576º nº2 e art.º 278º nº1 a), por se tratar de incompetência absoluta em razão da matéria; ilegitimidade do Autor para pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral do Regulamento Camarário por não haver três casos concretos em que se tenha recusado a aplicação da norma com fundamento na ilegalidade, o que configura uma exceção dilatória por força do art.º 73º nº1 CPTA, art.º 577º e), que deve conduzir à absolvição da instância nos termos do art.º 576º nº2 e art.º 278º nº1 d), uma vez que não há possibilidade de sanação; falta de interesse em agir no pedido de impugnação da taxa turística no montante de 1€ (um euro), por ter havido aceitação tácita, devendo conduzir à absolvição da instância, por ser um pressuposto processual autónomo, que impede o tribunal de conhecer o mérito da causa, nos termos do art.º 56º do CPTA, art.º 576º nº2 e art.º 278º e); falta de interesse em agir no pedido de impugnação da taxa de alojamento no montante de 5€ (cinco euro), por ter havido aceitação tácita, devendo conduzir à absolvição da instância, por ser um pressuposto processual autónomo, que impede o tribunal de conhecer o mérito da causa, nos termos do art.º 56º do CPTA, art.º 576º nº2 e art.º 278º e).

****

Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu douto parecer no sentido de o Regulamento ser ilegal, por falta de interesse público e eventual dupla tributação, quando ambos os tributos fossem aplicados simultaneamente.

****
Foram admitidos e tomados em consideração os seguintes pareceres:
PARECER do Professor Dr. Vasco Serges;
PARECER do Sr. Miguel Pomar Maduros;
PARECER do Dr. John Gamut;
PARECER de Aida Carvalhais Laranjeira;
PARECER de Dr. Miguel Lobo Antunes;
PARECER de Maria João Rosmaninho.

****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

****

As questões invocadas pelo Autor nas suas conclusões, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
a)    Constitucionalidade das alegadas taxas;
b)    Impugnação da cobrança das taxas de entrada e alojamento no município de Lisboa;
c)     Situação jurídica subjetiva do Autor, no seu direito de livre circulação;
d)    Aplicabilidade de uma sanção pecuniária compulsória a ser imposta ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do artigo 169.º do CPTA;
e)    Indemnização pelos custos em que o Autor incorreu pela aplicação das alegadas taxas;








II.  FUNDAMENTAÇÃO
1.     DA MATÉRIA DE FACTO:
Previamente, para efeitos de clareza, permita-se ao Tribunal apresentar valor atribuído e destino das provas apresentadas por ambas as partes:

(i) Das provas apresentadas pelo Autor:
a)     PROCURAÇÃO FORENSE - este Tribunal considera válida e admite esta procuração
b)    PASSAPORTE DO SR. YANAQUÉ - este Tribunal considera válido e admite este passaporte;
c)     RECIBO Hertz - não é admitido como prova, por ser manifestamente falsificado: Os números que devem representar as horas "10:45" não estão indicados como horas, informação que foi prestada durante a audiência de julgamento, o que não é adequado tendo em conta a natureza documental autêntica que deve ter um recibo, na circunstância em que é apresentado como prova. Outras inconsistências graves são a matrícula do veículo apresentada no Recibo "FL 295LYZ" não corresponder a uma matrícula nacional. Sabendo-se que a empresa "Herz" só aluga veículos no território nacional que tenham matrícula nacional. Por outro lado, a localização do estabelecimento de emissão do Recibo é em Orlando na Flórida, EUA, e não em Lisboa, como disse o Autor. Afasta-se definitivamente este documento como prova;
d)    ACTA Nº 10/2014 - REUNIÃO DE 12 DE NOVEMBRO DE 2014 - o facto de a data indicada dizer respeito a 12 de Novembro de 2014, data esta posterior à aprovação da Taxa, afasta definitivamente a sua possibilidade de apreciação por parte deste tribunal;
e)    DECLARAÇÃO do Tribunal relativa a custas processuais - considera-se válido.
f)      PROVA DE TRANSACÇÃO INTERNACIONAL relativa às custas judiciais - considera-se válida;
g)     FACTURA do HOTEL "A PORTUGUESA" - considera-se válida;
h)    DECLARAÇÃO de pagamento da taxa de 1 euro a título de taxa de entrada no Município de Lisboa - considera-se válida.
i)      RECIBO de Dra. Adriana e César Augusto - considera-se válido e será apreciado por este Tribunal.
j)      CERTIFICADO de compra de bilhete de avião para Lisboa - considera-se válido;
k)    RESERVA DO VOO - considera-se válida;
l)      FOTOGRAFIAS a comprovar o pagamento da Taxa no Hotel "A Portuguesa" - considera-se válida;
m)  RECIBO da ESTAÇÃO DE SERVIÇO DE SANTARÉM - pelo facto o IVA estar errado (não é de 12% para a Restauração) e pelo facto de a hora não estar em formato adequado, este Tribunal afasta a validade deste recibo como prova;
n)    MAPA do itinerário do aeroporto de Lisboa até Santarém - considera-se válido. A sua relevância será apreciada a título da matéria de facto.

(ii) Das provas apresentadas pela Ré
a)    PROCURAÇÃO FORENSE assinada pelo Presidente da Câmara - considera-se válida;
b)    MULTA - recusa-se a validade deste documento, uma vez que desrespeita os limites formais estabelecidos para tanto. Nomeadamente, não se identifica o autuado, nem a matrícula do veículo, nem o número de identificação do agente.
c)     COMPROVATIVO DE RESIDÊNCIA de Irina Tayk e REQUERIMENTO DE COMPROVATIVO DE RESIDÊNCIA de António Silva - consideram-se recusados pela sua manifesta irrelevância para o caso presentemente em avaliação;
d)    REQUERIMENTO COMPROVATIVO DE RESIDÊNCIA de Thea Pung-Fui - apesar da invalidade requerida pelo Autor com base na falta de forma, considera-se o requerimento do Autor improcedente, e este documento válido, por se tratar de um requerimento e não um comprovativo de residência como parecia da argumentação do Autor;
e)    ACTA DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL - considera-se válida;
f)      RECIBO DE COMPRA DE GOMAS NA ALAMEDA DAS TORRES - considera-se válido;
g)     FOTOGRAFIA do Sr. Yanaké com o Sr. Carrillo - considera-se recusada, por o Tribunal ter averiguado oficiosamente da presença do Sr. Carrillo em Guimarães para um jogo de Futebol, onde tinha chegado no dia anterior à data em que a fotografia alegadamente teria sido tirada.
h)    FOTOGRAFIA do Sr. Yanaké, a conduzir em Campo Grande - considera-se recusada, com base em dúvidas quando à sua veracidade, uma vez que os sinais indicadores de direção se encontram do lado errado da estrada.

Tudo visto, e apreciada a validade das provas apresentadas pelo Autor e Ré, deu-se como provada e assente a seguinte matéria de facto:
a)    A 12 de Outubro de 2014 foi aprovado pela Assembleia Municipal o Regulamento Camarário que aprovou a taxa de alojamento e a taxa turística;
b)    A 1 de Novembro de 2014, Feliciano Yanaqué, Autor desta ação, acompanhado de sua mulher, Gertrudis Yanaqué, deu entrada no aeroporto da Portela, em Lisboa, no voo 579: Frankfurt-Lisboa;
c)     No momento da chegada ao mencionado aeroporto foi-lhe imediatamente cobrada uma taxa de entrada no Município, no montante de 1€ (um euro);
d)    Essa mesma taxa não foi cobrada a outros passageiros;
e)    O Autor não pretendia permanecer no Município de Lisboa;
f)      O Autor comprou gomas na loja da Bomba de Gasolina da Alameda das Linhas de Torres às 11h01m (onze horas e um minuto) do dia 1 de Novembro de 2014;
g)     O Autor esteve em Fátima entre os dias 1 e 18 de Novembro de 2014;
h)    A 18 de Novembro de 2014, o Autor instalou-se no Hotel “A Portuguesa”, sito na Avenida da Saudade, n.º35, 2630-536 em Lisboa, pelo período de cinco dias;
i)      No dia 23 de Novembro, data em que fazia o check-out, uma nova taxa foi cobrada, no montante de 5€ (cinco euros), a título de taxa de alojamento.

Factos não provados:
a)    Que os passageiros que não pagaram o tributo sejam residentes em Lisboa;
b)    Aluguer do automóvel Hertz pela mulher do Autor;
c)     Paragem na estação de serviço de Santarém às 11h30m (onze horas e trinta minutos);
d)    Encontro com jogador Carrillo no Estádio de Alvalade às 10h50m (dez horas e cinquenta minutos);
e)    Presença do Autor, a conduzir, no Campo Grande;
f)      Multa por excesso de velocidade, na A1, na comarca de Santarém;
g)     Reunião Camarária de aprovação do Regulamento onde foram fixados os tributos – i.e. não fica provado que a taxa tenha sido aprovada numa reunião da Câmara Municipal de Lisboa.

Motivação:
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
Os factos não provados assim o foram, como já foi referido, por os documentos apresentados não demonstrarem veracidade suficiente perante o Tribunal, tendo sido claramente forjados na tentativa de moldar o julgamento dos juízes.
Nomeadamente, o recibo de aluguer do automóvel apresenta, no seu inferior, dados relativos a um aluguer nos Estados Unidos da América, e a horas que não correspondem às alegadas, para além de não haver qualquer referência a quem contratou o aluguer.
Também o recibo da estação de serviço de Santarém é forjado, uma vez que o IVA apresentado é diferente daquele que se encontra actualmente em vigor.
Relativamente ao encontro com o jogador Carrillo no Estádio de Alvalade, sabe-se que o Sporting Clube de Portugal jogava no Estádio de Guimarães, e o jogador se encontrava no estágio dessa equipa.
A multa de excesso de velocidade também pecava por falta de informações, nomeadamente acerca do condutor e da matrícula do automóvel. Mais se diga que o depoimento prestado pelo agente da polícia não foi esclarecedor nem credível. Se por um lado o agente afirmou, no seu depoimento, que se recordava de ter passado o dito auto, por outro lado não foi capaz de se recordar da natureza da estrada em questão. Visto isto, o seu depoimento apresenta incongruências que não permitem que este colectivo de juízes o tome como verdadeiro e imparcial.
Não se pode dar como provada a residência em Lisboa da cidadã chino-alemã Thea Pung-Fui. O depoimento da testemunha deixou claro, perante toda a audiência, a sua incredulidade perante as afirmações feitas a seu respeito.
Finalmente, não se considera ter existido reunião camarária de aprovação do Regulamento onde foram fixados os tributos. Assim é uma vez que a ata camarária apresentada tem erros, alegadamente de impressão e de declaração, mas que o Tribunal julga serem demasiados. Tendo em consideração que a alegação de tal facto, para ser aproveitado, cabia ao Autor, tal como o ónus da prova, e estando o tribunal em dúvida, decidiu-se a favor da Ré.

2.     DO DIREITO:
(i)               QUESTÃO PRÉVIA: Da qualificação dos tributos.

Ao contrário do que parece resultar da causa construída pelas partes, cabe a este Tribunal deixar bem claro que estão em causa dois tributos distintos, que terão necessariamente de ser analisados e apreciados em separado.
De facto, não podemos tratar igualmente a quantia exigida ao Autor desta acção aquando da entrada no Aeroporto Internacional de Lisboa e a quantia exigida ao mesmo pela estadia no Hotel tal como descrito na matéria de facto.
Feita esta ressalva, é crucial compreendermos perante que espécie de tributos nos encontramos e, assente esta questão absolutamente fundamental, prosseguir para a análise da sua validade e aplicação no caso concreto.

Seguindo a doutrina do Professor Sérgio Vasques, observando, nomeadamente, as palavras escritas no seu manual Resumos de Direito Fiscal, uma taxa caracteriza-se como sendo uma prestação pecuniária e coactiva, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa, provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo.
No plano objectivo, as taxas incidem sobre prestações administrativas de que o sujeito passivo é o efetivo causador ou beneficiário. As prestações administrativas que servem de pressuposto às taxas apresentam contornos muito diversos, sendo comum a distinção entre taxas devidas pela utilização de um serviço público, pela utilização de um bem do domínio público, e taxas de licença devidas pela remoção de um obstáculo jurídico à atividade dos particulares.
Especificando, na taxa relativa à prestação de um serviço público, cobram-se, por exemplo, taxas de emissão de um certificado ou acto de registo, por cuidados de saúde, ou serviços de educação. A utilização de um bem do domínio público será a ocupação da via pública ou ocupação do subsolo. Ou seja, uso privativo do domínio público. Finalmente, as taxas de licença têm como pressuposto a remoção de um obstáculo jurídico, ou seja, o ato administrativo pelo qual se reconhece ao particular a faculdade de realizar um comportamento que por lei se encontra proibido em termos relativos.
Olhando de um ponto de vista finalístico, as taxas distinguem-se, como já referido, por serem exigidas em contrapartida de prestações de que o sujeito passivo é o efectivo causador ou beneficiário.

a)    Sobre a Taxa de Entrada no Município.
Esta alegada taxa apresenta-se enquanto uma parcela da taxa turística relativa à entrada na cidade por via aérea ou marítima. Sabe-se também que este tributo está afecto ao Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa.
Ficou já estabelecido que as taxas não visam compensar prestações difusas que se reportem ao todo da comunidade mas a prestações concretas, assentando antes em prestações efectivas, que visam compensar.
Isto visto, devemos considerar estar perante verdadeiras taxas sempre que um tributo assenta em presunções tão fortes que se possa dizer efectiva a prestação administrativa e confiar que ela aproveita à generalidade dos sujeitos passivos.
Sucede que a presunção de que quem entra no Aeroporto de Lisboa vá beneficiar dos serviços turísticos de Lisboa é demasiado fraca. O Aeroporto é uma estrutura nacional e não somente do município. Num caso como o presente, em que a presunção em que o tributo assenta é de tal modo frágil que apenas se pode dizer possível ou eventual o aproveitamento da prestação administrativa pelo sujeito passivo, devemos considerar estar perante verdadeiros e próprios impostos.

b)    Sobre a Taxa Municipal sobre o Alojamento Turístico.
Este tributo faz também parte da taxa municipal turística, cujas verbas vão beneficiar o já referido Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa.
Neste caso, o tributo dirige-se a quem, de facto, fica alojado em Lisboa. Ora, é presumível que quem permaneça num determinado local, vai desfrutar dos serviços turísticos desse local. É precisamente deste tipo de presunções que fala a doutrina encabeçada pela Dra. Aida Carvalhais Laranjeiras, que pela sua força tremenda se não podem considerar meras presunções, mas sim equiparáveis a um efetivo aproveitamento de serviços prestados.
Assim sendo, estamos perante uma taxa, conforme a concebe o artigo 4º/1 da Lei Geral Tributária, por se considerar que existe uma real prestação de um serviço público em termos gerais. E que somente em casos de tremenda excecionalidade, dentro do quadro geral daquilo que é a ocupação de unidades hoteleiras na cidade de Lisboa, acontece de forma diferente.

Manifestaram-se a favor deste entendimento o Presidente de Conselho de Juízes, o Vice-Presidente Pedro Sacadura Botte e os Exmos. Juízes João Cruz Ferreira e Mei Chan.
Apresentaram voto de vencido conjunto a Vice-Presidente Rita Pereira de Abreu e a Juíza-Secretária Inês Santana Metello.
Entendem estas últimas Juízas que, sendo presumível que quem permaneça num determinado local, irá desfrutar dos serviços turísticos da cidade, parece, ainda assim, que estamos perante uma prestação presumida, e não efetiva.
Tendo essas características em mente, é necessário reavaliar a denominação do tributo enquanto taxa. Sucede que ao estarmos perante uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, estaremos perante, não uma taxa, mas antes uma contribuição.
As contribuições dirigem-se à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo. Quererá isto dizer que as contribuições não incidem sobre a procura de uma prestação pública mas simplesmente sobre a sua oferta, sendo que a provocação ou aproveitamento efetivo dessa prestação não se verificam necessariamente quanto a todo e qualquer sujeito passivo.
As contribuições visam, assim, uma troca entre a Administração Pública e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios.
Se repararmos, há, de facto, uma presunção de que quem esteja alojado numa unidade hoteleira no município de Lisboa irá aproveitar de certa maneira as infra-estruturas turísticas da cidade. Trata-se de uma presunção com mera força relativa, já que não terá necessariamente de ser assim.
Importa recordar que a separação entre taxas, contribuições e impostos se faz, em termos gráficos, através de uma longa escala graduada. Poderemos, assim, dizer que as taxas constituem prestações efectivas, as contribuições prestações presumidas e os impostos prestações eventuais.
Do exposto se compreende a essencialidade da intervenção jurisprudencial nesta delimitação conceitual, cuja graduação é, por vezes, bastante subtil.
A constitucionalização deste tertium genus das contribuições veio dar guarida a uma figura que, por não estar anteriormente reconhecida constitucionalmente, era equiparada pela doutrina e pela jurisprudência aos impostos, com as inerentes consequências sobretudo em termos de criação e disciplina por via legislativa e de reserva parlamentar.
Como resulta do art. 165º/1 i) da Constituição, as taxas e as outras contribuições de carácter “bilateral” só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar, observada a lei-quadro competente.
Importa ainda sublinhar que o nomen iuris dado a este tributo não vincula este Tribunal na qualificação que entenda fazer do tributo.
Entendem a Vice-Presidente Rita Pereira de Abreu e a Juíza-Secretária Inês Santana Metello que a Taxa Municipal sobre o Alojamento Turístico será uma contribuição, que visa compensar os serviços que podem ser, e presumivelmente serão, aproveitados por quem esteja alojado em Lisboa.

(ii)            Da constitucionalidade dos tributos:

a)    Sobre a Taxa de Entrada no Município.

Devendo este tributo ser considerado um imposto, cairia na matéria da Reserva Relativa de Competência da Assembleia da República, nos termos do artigo 165º/1 i) da Constituição da República Portuguesa.
Não tendo sido assim, estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica desta (alegada) “Taxa de Entrada no Município”.

b)    Sobre a Taxa Municipal Sobre o Alojamento Turístico.
Tratando-se deste tributo de uma verdadeira taxa, nos termos do artigo 4º/1 da Lei Geral Tributária, esta foi criada validamente, nos termos do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei nº 53-E/2006 de 29 de Dezembro, alterada pela Lei nº 64-A/2008 de 31 de Dezembro e pela Lei nº 117/2009 de 29 de Dezembro, aprovada nos termos do artigo 165/1/i da CRP.

(iii)          Do direito de livre circulação do Autor.
A livre circulação de pessoas é um direito fundamental dos cidadãos da União Europeia consagrado nos Tratados.
É realizada através do espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas. A supressão das fronteiras internas exige uma gestão reforçada das fronteiras externas da União, assim como a regulamentação da entrada e da residência de cidadãos de países terceiros, através de uma política comum de asilo e imigração.
O conceito de livre circulação de pessoas surgiu com a assinatura do Acordo de Schengen, em 1985, e a subsequente Convenção de Schengen, em 1990, que deu início à abolição dos controlos fronteiriços entre os países participantes. Fazendo parte do quadro jurídico e institucional da UE, a cooperação Schengen tem sido alargada, gradualmente, para incluir a maioria dos Estados-Membros da UE, assim como alguns países terceiros.
A apreciação desta questão dependeria de se considerar o tributo de entrada no Aeroporto Municipal de Lisboa validamente cobrado.
De qualquer forma, não sendo o visado por aquele tributo um cidadão da União Europeia, nunca poderia alegar uma eventual violação deste princípio fundamental.

(iv)          Impugnação da cobrança das taxas de entrada e alojamento no município de Lisboa
Nos termos dos artigos 9º/1, 51º/1 e 55º/1, al. a), do, CPTA, o Autor é parte diretamente interessada na relação material controvertida, pois foi vítima de comportamento lesivo por parte da Ré. Os seus pedidos foram deduzidos em data oportuna, tendo o Autor manifestado – durante toda a sua estadia em Portugal – a sua indignação para com o tratamento a que foi sujeito em Lisboa.
O Autor alega a ilegalidade do Regulamento por força das invalidades da deliberação. Alega, nomeadamente, que o art.º 25º nº 1 a) impõe que compete à Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, aprovar as opções do plano e a proposta de orçamento, bem como as respetivas revisões e que o órgão que aprovou as referidas taxas foi a Câmara Municipal e não a Assembleia Municipal.
No entanto, este Tribunal tomou como facto assente e provado que foi a Assembleia Municipal, que sob proposta da Câmara Municipal, aprovou as alegadas taxas, tendo sido a ata da reunião de 12 de Outubro de 2014 publicada no Boletim Municipal.
Ainda assim, valendo isto para justificar a legalidade da Taxa Municipal Sobre o Alojamento Turístico, tal não valerá para sustentar a validade da alegada Taxa de Entrada no Município, uma vez que, vimos já, é um verdadeiro imposto que devia ter sido aprovado pela Assembleia da República, o que não foi.

Em todo o caso, o Autor alega também o desconhecimento da existência da taxa de entrada no município de Lisboa para se furtar ao seu pagamento. Contudo, é do entendimento unânime deste coletivo de Juízes que o conhecimento não é pressuposto da cobrança da referida taxa e ainda que o fosse, este conhecimento seria possível através da consulta do Boletim Municipal.
Quanto à questão da alegada aceitação tácita, este coletivo de juízes perfilha a doutrina dos Professores Pereira da Silva e Saldanha Sanches, onde se determina que a interpretação do art. 56º/1 e 2 CPTA, estando formalmente correta, levanta alguns problemas; por um lado, está legalmente consagrado no referido artigo que a aceitação tácita, na forma da “prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”, impede a impugnação do ato administrativo por quem a deu; o cumprimento consiste certamente, em algumas situações, numa aceitação tácita do ato administrativo, ou pelo menos numa resignação ao mesmo; No entanto, a ideia de que o cumprimento, ou o mero acatamento de uma ordem, configura, sempre e em todas as circunstâncias, uma aceitação tácita não é defensável, sendo que em termos práticos equivaleria a declarar a impossibilidade de impugnar uma grande parte dos atos, o que repugnaria às mais elementares exigências de justiça. Esta orientação vai manifestamente contra os princípios do processo fiscal e tributário português, em particular o princípio do solve et repete. A prevalência deste princípio é defendida pela maior parte da doutrina, e é expresso pelo Professor Saldanha Sanches da seguinte forma: “O uso (…) da impugnação, para além de não estar sujeita a qualquer prazo para que o administrado obtenha uma decisão, não tem efeito suspensivo em relação ao cumprimento da obrigação fiscal contestada: dominado o processo fiscal português pelo princípio do solve et repete, não dispõe o contribuinte de qualquer meio para evitar o pagamento do imposto que considera ilegal (…).”.
A mais esclarecida doutrina a nível do contencioso administrativo considera que, em última instância, o entendimento expresso por este parecer é manifestamente inconstitucional, por violação do direito fundamental de acesso ao juiz administrativo (art. 268º/4 da CRP). O entendimento dominante é o de que deve o juiz atender ao comportamento do particular tanto na aceitação como na sua posterior revogação à luz do pressuposto do interesse em agir. Nas palavras do Professor Pereira da Silva, devemos assim considerar que o cumprimento da prestação que lhe era exigida em nada obsta à sua legitimidade para interpor a ação presentemente em apreciação.
Em conclusão, parece que, primeiro, o Autor será parte legítima para impugnar o acto administrativo de aprovação do Regulamento de aprovação das taxas e que, segundo, tal acto será ilegal por não cumprir com os requisitos formais de competência orgânica para a sua emissão, pelo menos relativamente a um dos tributos.

(v)             Aplicabilidade de uma sanção pecuniária compulsória a ser imposta ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do artigo 169.º do CPTA
Quer na petição inicial quer nas alegações finais apresentadas pelo Autor, foi reiterado um pedido de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 169º do CPTA, pedido que, considera, deve ser aplicado aos titulares de órgãos de pessoa coletiva parte na relação jurídica material controvertida.
No caso concreto, é pedido ao Tribunal que imponha tal sanção no sentido de atingir o efeito útil dos pedidos pelo Autor propostos no prazo mais célere possível, de forma a garantir a defesa dos direitos deste.
Neste momento, cabe apenas analisar a questão prévia de saber se nos encontramos, ou não, perante uma situação de ilegitimidade plural, como alegado pela Ré. O facto é que foi a Câmara Municipal de Lisboa que foi demandada, aqui representada pelo Presidente da Câmara Municipal. Parece que haverá legitimidade para tal.
Não obstante a legitimidade, estabelece o art.66º/3 do CPTA que “Quando considere justificado pode o tribunal impor, logo na sentença de condenação, sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o incumprimento, sendo, neste caso, aplicável o disposto no art.169º”. Daqui se pode retirar que a aplicação dessa norma está na escolha, isto é, na discricionariedade do Tribunal, que aferirá, caso a caso, a bondade de aplicação de tal sanção.
Isto visto, o mérito deste pedido será tratado na decisão, uma vez que a sua aplicação será ou não justificada dependendo dos valores que estejam em causa.

(vi)          Indemnização pelos custos em que o Autor incorreu pela aplicação das alegadas taxas e danos não patrimoniais
Alega o Autor que sofreu danos que justificam a responsabilidade civil da Administração. Nomeadamente, sofreu os danos de 1€ (um euro) e 5€ (cinco euros), a título de danos emergentes da cobrança de imposto inconstitucional. Pediu ainda 15.000€ pelas consultas de psicologia e de psiquiatria a que teve de ser submetido e 30.000€ (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, pela angústia que sofreu aquando da cobrança do referido imposto, causando-lhe um grave transtorno que o acompanhará para o resto da vida, pois sente que não pôde circular livremente por Portugal, facto que lhe trouxe à memória a tortura sofrida às mãos do regime militar de Juan Velasco Alvarado Geral, que aterrorizou toda a família do Autor durante a sua juventude.
Muito embora o paciente tenha sido diagnosticado pelo sue médico enquanto sofrendo de fortes indícios de trauma profundo de 3º grau na escala de Freud, tendo entrado numa chamada “fase de perturbação passivo-estática-traumática-repercussora-de-traumas-anteriores”, a verdade é que o mesmo parecer acrescenta que, e citando, “Em vários anos de profissão, só testemunhei traumas de tamanha gravidade em pacientes vítimas das mais graves e profundas discriminações.”.
Ora, tudo faz parecer que a reacção do Autor perante a cobrança destes tributos não era expectável. Não era razoável exigir que, nos termos do art.º 10º da Lei 67/2007, o titular do órgão, funcionário ou agente soubesse ou devesse saber que a cobrança de uma taxa, ainda para mais com um valor tão insignificante como de 1€, ou 5€, se nos estivermos a referir a taxa de alojamento, pudesse despoletar este transtorno no Autor.
Parece por isso não existir o requisito da culpa, que leve à existência de responsabilidade civil da Administração face ao particular, ainda para mais num caso em que, como vimos, o comportamento foi pelo menos parcialmente válido, uma vez que só se pode contestar a validade do tributo de 1€.




III. DECISÃO:
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, acordam os Juízes do Tribunal Central Administrativo Sul nos seguintes termos:
(i)               Declaração de inconstitucionalidade da Taxa de Entrada no Município, por incompetência orgânica;
(ii)            Procedência parcial do pedido de impugnação do acto administrativo de aprovação dos tributos, impugnando a aprovação do Tributo de Entrada no Município;
(iii)          Condenação da Ré na restituição do tributo pago (Taxa de Entrada no Município);
(iv)          Não reconhecimento do direito de indemnização por parte do Autor;
(v)             Não imposição de uma sanção pecuniária compulsória, por se considerar que a restituição de um valor de 1€ (um euro), não o justifica.

Lisboa, 16-12-2014

Rita Pereira de Abreu, Vice-Presidente
Pedro Sacadura Botte, Vice-Presidente
Inês Santana Metello, Juíza-Secretária
Mei Chan
João Cruz Ferreira
Rodrigo Lobo Machado, Presidente


Sem comentários:

Enviar um comentário