Breve incursão na
declaração administrativa de nulidade de actos
Segundo o disposto
nos nºs 2 e 3 do artigo 134º CPA, qualquer órgão administrativo ou qualquer
tribunal pode declarar, a todo o tempo, a nulidade de actos administrativos.
Isto porque se entende que o acto nulo não tem qualquer carácter produtivo e a
declaração do mesmo não é mais do que uma evidência jurídica.
A doutrina e a jurisprudência
têm concluído pela ausência de força jurídica do acto nulo. Isto porque o acto
não tem força vinculativa, executiva nem força executória, fazendo que nenhum
órgão ou sujeito administrativo tenha de o acatar (exemplo do subalterno que
não deve obediência a ordens nulas do seu superior hierárquico, mesmo quando
não implique a prática de um crime) e os particulares podem desobedecer a esse
mesmo acto através de um direito seu de resistência. É, no fundo, como se o
acto administrativo não existisse de todo.
Contudo e tendo em
conta o alargamento do conceito e das espécies de acto administrativo, assim
como uma alargada categoria e respectivo carácter da qualificação da
invalidade, temos de admitir que uma definição estrita dos casos e vícios de
nulidade dá lugar a uma reflexão demasiado extremista que não se adequa aos
dias de hoje. Devido a esta situação, admitem-se alguns pontos de consideração
no que toca ao regime da nulidade – nomeadamente no reconhecimento de efeitos
putativos em situações de facto criadas por actos nulos, através da ponderação
de alguns princípios jurídicos – como podemos ver pelo disposto no artigo 133º
nº2 e artigo 134º nº3 do CPA. Isto para além da previsão existente da impugnação
judicial e da suspensão da eficácia de actos nulos (os chamados efeitos
externos ou formais do acto nulo).
Esta situação tem
sido alvo de algum desconforto na doutrina, por alguns autores considerarem que
se está perante um regime demasiado rígido e inflexível em termos de
consideração da realidade e dos valores em questão. Isto por considerarem que
não devia ser, de todo, admitida a declaração de nulidade por qualquer tribunal
ou órgão administrativo, assim como nem sempre se deve permitir a declaração de
nulidade a todo o tempo. Alguns autores consideram que a nulidade deveria ser
objecto de convalidação (sempre expressa) em alguns casos e que os sujeitos/agentes
administrativos não deviam ter o dever de desobedecer a ordens baseadas em
actos nulos, a não ser que implicassem directamente a prática de um crime ou
uma ofensa clara de um direito fundamental dos cidadãos.
No fundo, há uma
tentativa para se introduzir alguma abertura do regime, devido à mutabilidade e
diversificação de situações, de reconhecer a dificuldade prática em qualificar
e diferenciar os actos nulos. É considerar que a escolha legislativa de uma
categoria de nulidade, junta com a de anulabilidade – no que respeita a
actos/actuações administrativas – não justifica resultados inócuos nem deve
permitir uma dispensa de uma análise e actuação racionais.
Assim, o alargamento
dos casos de nulidade, presentes hoje na doutrina e jurisprudência, deve
seguir-se por uma coerência sistemática e que deve traduzir uma adaptação do
regime a esse mesmo alargamento de casos. Isto faz com que se tornem mais
relevantes e mais numerosas as razões práticas que tendem a ter como consequência
uma necessária protecção dos particulares interessados, contra abusos ou falhas
de qualificação administrativa de vícios de actos como criadores de nulidade.
O disposto no artigo 134º nº3 CPA constitui,
em abstracto, uma mera faculdade onde não existe definição do titular e
limita-se a casos de decurso do tempo em junção com princípios gerais de
direito. Isto passa-se mesmo que esteja, neste artigo, prevista a possibilidade
de atribuição de efeitos jurídicos a casos em que estejam em causa actos nulos,
não sendo contudo suficiente para conferir uma abertura do regime. Conclui-se
assim que o regime de total improdutividade e de invocação de nulidade é
demasiado fechado, sendo capaz de afectar inadvertidamente interesses susceptíveis
de protecção jurídica.
Uma das soluções que
alguns autores apresentam é a da possibilidade de não se admitir a declaração
de nulidade de actos favoráveis a todo o tempo e ao invés, ser somente possível
num prazo razoável – prazo esse que seria contado do conhecimento do vicio,
tendo um limite/tecto máximo; sendo também medido em função da boa-fé do
particular beneficiado. Estes autores apontam também uma possibilidade de se
dever recusar ou diminuir a competência administrativa para a declaração de
nulidade em certas situações, nomeadamente perante uma não evidente existência
deste tipo de invalidade, ou no que toca a vícios específicos, quando sejam
completamente imputáveis ao órgão administrativo – referindo aqui os autores
que deveria exigir-se aqui uma declaração por via judicial dessa mesma
invalidade.
Manuel de Sá Gomes
Nº 140109028
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