segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Breve incursão na declaração administrativa de nulidade de actos administrativos

Breve incursão na declaração administrativa de nulidade de actos

 Segundo o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 134º CPA, qualquer órgão administrativo ou qualquer tribunal pode declarar, a todo o tempo, a nulidade de actos administrativos. Isto porque se entende que o acto nulo não tem qualquer carácter produtivo e a declaração do mesmo não é mais do que uma evidência jurídica.
  A doutrina e a jurisprudência têm concluído pela ausência de força jurídica do acto nulo. Isto porque o acto não tem força vinculativa, executiva nem força executória, fazendo que nenhum órgão ou sujeito administrativo tenha de o acatar (exemplo do subalterno que não deve obediência a ordens nulas do seu superior hierárquico, mesmo quando não implique a prática de um crime) e os particulares podem desobedecer a esse mesmo acto através de um direito seu de resistência. É, no fundo, como se o acto administrativo não existisse de todo.
  Contudo e tendo em conta o alargamento do conceito e das espécies de acto administrativo, assim como uma alargada categoria e respectivo carácter da qualificação da invalidade, temos de admitir que uma definição estrita dos casos e vícios de nulidade dá lugar a uma reflexão demasiado extremista que não se adequa aos dias de hoje. Devido a esta situação, admitem-se alguns pontos de consideração no que toca ao regime da nulidade – nomeadamente no reconhecimento de efeitos putativos em situações de facto criadas por actos nulos, através da ponderação de alguns princípios jurídicos – como podemos ver pelo disposto no artigo 133º nº2 e artigo 134º nº3 do CPA. Isto para além da previsão existente da impugnação judicial e da suspensão da eficácia de actos nulos (os chamados efeitos externos ou formais do acto nulo).
 Esta situação tem sido alvo de algum desconforto na doutrina, por alguns autores considerarem que se está perante um regime demasiado rígido e inflexível em termos de consideração da realidade e dos valores em questão. Isto por considerarem que não devia ser, de todo, admitida a declaração de nulidade por qualquer tribunal ou órgão administrativo, assim como nem sempre se deve permitir a declaração de nulidade a todo o tempo. Alguns autores consideram que a nulidade deveria ser objecto de convalidação (sempre expressa) em alguns casos e que os sujeitos/agentes administrativos não deviam ter o dever de desobedecer a ordens baseadas em actos nulos, a não ser que implicassem directamente a prática de um crime ou uma ofensa clara de um direito fundamental dos cidadãos.
  No fundo, há uma tentativa para se introduzir alguma abertura do regime, devido à mutabilidade e diversificação de situações, de reconhecer a dificuldade prática em qualificar e diferenciar os actos nulos. É considerar que a escolha legislativa de uma categoria de nulidade, junta com a de anulabilidade – no que respeita a actos/actuações administrativas – não justifica resultados inócuos nem deve permitir uma dispensa de uma análise e actuação racionais.
  Assim, o alargamento dos casos de nulidade, presentes hoje na doutrina e jurisprudência, deve seguir-se por uma coerência sistemática e que deve traduzir uma adaptação do regime a esse mesmo alargamento de casos. Isto faz com que se tornem mais relevantes e mais numerosas as razões práticas que tendem a ter como consequência uma necessária protecção dos particulares interessados, contra abusos ou falhas de qualificação administrativa de vícios de actos como criadores de nulidade.
  O disposto no artigo 134º nº3 CPA constitui, em abstracto, uma mera faculdade onde não existe definição do titular e limita-se a casos de decurso do tempo em junção com princípios gerais de direito. Isto passa-se mesmo que esteja, neste artigo, prevista a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a casos em que estejam em causa actos nulos, não sendo contudo suficiente para conferir uma abertura do regime. Conclui-se assim que o regime de total improdutividade e de invocação de nulidade é demasiado fechado, sendo capaz de afectar inadvertidamente interesses susceptíveis de protecção jurídica.  
  Uma das soluções que alguns autores apresentam é a da possibilidade de não se admitir a declaração de nulidade de actos favoráveis a todo o tempo e ao invés, ser somente possível num prazo razoável – prazo esse que seria contado do conhecimento do vicio, tendo um limite/tecto máximo; sendo também medido em função da boa-fé do particular beneficiado. Estes autores apontam também uma possibilidade de se dever recusar ou diminuir a competência administrativa para a declaração de nulidade em certas situações, nomeadamente perante uma não evidente existência deste tipo de invalidade, ou no que toca a vícios específicos, quando sejam completamente imputáveis ao órgão administrativo – referindo aqui os autores que deveria exigir-se aqui uma declaração por via judicial dessa mesma invalidade.

Manuel de Sá Gomes
Nº 140109028

  

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