O que se quer
com uma providência cautelar é que o tribunal venha regular a situação de facto
entre as partes, com o fim de acautelar o efeito da decisão que venha a ser
proferida na acção propriamente dita. Visa-se, no fundo, garantir que a decisão
que é proferida numa acção tenha eficácia prática e não se inutilize. Por isso
muitas vezes se diz que as providências cautelares são a garantia da garantia.
O
actual Código de Processo nos Tribunais Administrativos (adiante CPTA) consagra
uma revolução em relação àquilo que era tradicional no Direito português. Havia
antes uma suspensão de eficácia regulada em termos restritivos e que raramente
era concedida pelo juiz. Pode-se dizer, em rigor, que antes da reforma de 2004 praticamente
não havia tutela cautelar no Direito português. Esta era uma preocupação
europeia.
Há
agora uma preocupação em consagrar uma tutela cautelar adequada aos litígios do
Contencioso Administrativo.
Quanto
aos meios de tutela e ao âmbito de aplicação destes meios o legislador
estabelece o regime adequado. Quanto à tramitação e às regras adoptadas em
termos do processo propriamente dito, o legislador criou algumas situações que
são absurdas do ponto de vista da tutela cautelar. As regras da tramitação
geram problemas por um lado de inconstitucionalidade porque se põe em causa o
direito de acesso à justiça, por outro lado de ilegalidade por violação de
normas europeias.
Havia
uma crítica da doutrina quanto à insuficiência do mecanismo tipificado de
protecção cautelar e havia uma tentativa de alargar esses casos tipificados
através do recurso ao Código de Processo Civil. No quadro dessa discussão havia
posições doutrinárias muito marcadas que vão conseguir alguma abertura por
parte do juiz cautelar. É o caso da professora Maria da Glória Garcia e do
professor Vieira de Andrade, por exemplo. Em matéria de ambiente o professor
Freitas do Amaral e o professor Vasco Pereira da Silva entendiam que o
mecanismo para intimação de um comportamento em sede ambiental podia ser
integrado nos embargos de obra nova do Código de Processo Civil.
Apesar
destas posições da doutrina, o professor Vasco Pereira da Silva costumava dizer
que era mais fácil encontrar um tigre na serra da Malcata do que uma sentença
num Tribunal Administrativo que tivesse suspendido a execução de um acto
administrativo. E esta é, de facto, uma metáfora bastante ilustrativa da
insuficiência da tutela cautelar no Contencioso Administrativo português.
O
legislador de 2004 quis alterar radicalmente o sistema das providências
cautelares no Contencioso Administrativo, tendo para tal em atenção a discussão
que tinha havido anteriormente na doutrina, decidiu estabelecer como providências
cautelares os casos que a doutrina tinha anteriormente identificado.
As
providências cautelares já não são tipificadas. O artigo 112º/1 CPTA veio
introduzir um princípio de cláusula aberta em matéria de providências
cautelares. Deste modo, qualquer medida que seja necessária e adequada para
garantir o efeito útil de uma sentença dos tribunais passa a poder ser
solicitada no quadro do Contencioso Administrativo.
O
legislador não ficou por aqui e, não ignorando a anterior discussão, resolveu
especificar a título exemplificativo algumas providências cautelares. A abrir o
art. 112º/2 CPTA o legislador diz, remetendo para o Processo Civil, que todas
as providências especificadas no Código de Processo Civil são aplicáveis no
Contencioso Administrativo como providências não especificadas. Este é um
segundo alargamento, para além do alargamento da cláusula geral.
Depois
identifica-se uma série de casos que tinham justificado a intervenção da
doutrina reclamando o alargamento das situações que estavam dentro da matéria
das providências cautelares (casos que, sublinho, não são taxativos).
O
professor Freitas do Amaral, num artigo publicado, depois de elogiar as várias
opções do legislador na Reforma de 2004 nesta matéria, vem criticar a última
hipótese de especificação de providência cautelar, vertida pelo legislador na
alínea f) do nº 2 do art. 112º CPTA. Permite-se ao particular, por via desta
alínea, que use a tutela cautelar com alguma dimensão antecipatória porque
estamos perante situações em que não tem que haver uma violação efectiva e
consumada. É uma realidade que permite uma reacção não apenas contra uma lesão
mas que tem uma dimensão antecipatória. É nestes termos que Freitas do Amaral
coloca as suas críticas. Isto significa atribuir ao Contencioso um papel activo
que poderia pôr em causa a actuação do tribunal enquanto realidade executiva.
Ora,
no entendimento do professor Vasco Pereira da Silva há algum exagero nesta
posição desde logo porque o professor Freitas do Amaral atribui uma amplitude a
esta norma jurídica que ela efectivamente não tem. Se repararmos, a possibilidade
antecipatória só existe quando haja um “fundado receio”. Não basta, assim,
qualquer receio de que venha a acontecer uma lesão. Há um conjunto de situações
que cabem nesta previsão legal e são adequadas no quadro desta dimensão
antecipatória. Pensemos, por exemplo, nos planos de urbanização que estabelecem
regras cuja aplicabilidade está dependente de um acto administrativo. O
particular neste caso tem um fundado receio que aquilo que se diz no plano de
urbanização venha aplicar-se ao seu caso. Faz sentido que o particular utilize
uma providência cautelar de modo a não por em causa a satisfação do efeito útil
da sentença que ele possa vir a obter. O professor Vasco Pereira da Silva diria
que o professor Freitas do Amaral exagerou um pouco nas críticas. O que está
aqui em causa nem corresponde a uma subversão da tutela cautelar nem de alguma
maneira põe em causa os poderes do juiz. O nosso Contencioso já cumpre quer as
exigências constitucionais quer as exigências europeias e aqui o legislador
realizou um bom trabalho.
Há
uma cláusula nos arts. 120º e 121º do CPTA que é, se interpretada à letra,
excessivamente detalhada. O legislador previu hipóteses que diz serem
praticamente automáticas. Se lermos com atenção o que o legislador quis
consagrar é o que o Código de Processo Civil também consagra que é a ideia da
necessidade de haver um fummus bonis
iuris, isto é, a aparência de bom direito. Para além disto o legislador
estabelece a regra da proporcionalidade. O juiz vai comparar as pretensões das
partes e decidir em termos proporcionais aos interesses em causa. Acresce ainda
que tem de haver da parte de quem é presente ao pedido a alegação de um prejuízo
irreparável ou de difícil reparação. O art. 120º CPTA podia ser melhor substituído
por um conjunto de regras mais simples e concisas onde se enunciassem estas três
realidades de forma clara, mas na verdade são estas realidades já consagradas
no âmbito do Processo Civil que estão aqui em causa.
Isto
dito, e estamos perante a parte boa de regulação, vamos às questões de tramitação
e vamos analisar um aspecto que para o professor Vasco Pereira da Silva é muito
criticável.
Os
arts. 126º e ss. do CPTA têm um conjunto de regras que têm a ver com a tramitação
da providência pensada sobretudo para a suspensão de eficácia. É preciso recuar
à discussão antes da reforma e depois da reforma. Na perspectivado professor
Vasco Pereira da Silva, a melhor forma de resolver esse problema era adoptar um
sistema similiar ao alemão.
No
sistema alemão, se o particular apresenta um pedido isso tem um efeito automático
no sentido de suspensão do que está em causa. O sistema funciona no sentido de
que é automática essa suspensão a menos que o Tribunal confira à Administração
a faculdade de decidir executar na mesma. Este sistema na perspectiva do
professor Vasco Pereira da Silva era muito mais eficaz e permitia alterar o
modo como estava a funcionar a justiça administrativa. O legislador criou uma
solução que supostamente está a meia tinta e criou um disparate total. Em
primeiro lugar parece ter consagrado a suspensão automática do direito alemão. O particular pede a suspensão de eficácia, as
obras param durante 15 dias, mas na prática a execução continua sempre. Em
rigor não há suspensão automática, portanto o regime é absurdo. O legislador
controla a fundamentação e não a realidade material. Tudo isto é um disparate.
Isto
ainda são claramente resquícios da infância difícil do Contencioso
Administrativo, porque se dizia que a Administração Pública gozava do privilégio
da execução, tinha poderes executórios. Esses resquícios do passado não fazem
qualquer sentido nos dias de hoje.
Os
juízes do Sumpremo Tribunal Administrativo têm dito que o que está no art. 128º
CPTA é um pré-processo cautelar. Os processos podem demorar 1 ou 2 anos, e durante
esse tempo há um pré-processo onde é a Administração Pública que decide se
executa ou não. Ora, não faz sentido que em relação a providências cautelares
haja um pré-processo. Há uma realidade pré-processual que não faz sentido e subverte
a lógica da tutela cautelar.
No
âmbito da reforma da reforma estabelece-se uma limitação ao poder da Administração
Pública, embora o problema não fique definitiva e adequadamente resolvido.
Na
perspectiva do professor Vasco Pereira da Silva era preferível um sistema que
invertesse a regra e previsse em primeiro lugar a suspensão, e depois
estabelecesse um prazo (que na Alemanha são 15 dias) para que o Tribunal
decidisse.
Temos,
assim, um Contencioso Cautelar que, por um lado é aberto e estabelece critérios
razoáveis (o bom), mas por outro lado temos aquela realidade de subversão da lógica do
Contencioso Cautelar que não faz sentido no quadro actual da nossa ordem
jurídica (o mau), e a agravar temos a interpretação do Supremo Tribunal do artigo 128º CPTA, que não se compreende (o vilão).
Rita Pereira de Abreu
140111082
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