A acção de condenação consagrada no art°66 é uma modalidade
de acção administrativa especial, qualificada em razão do pedido, que
constituiu uma das principais manifestações da mudança de paradigma na lógica
do Contencioso Administrativo. Na verdade, com a passagem da mera anulação para
a plena jurisdição deixa de estar limitado na tarefa de julgamento,
ultrapassando assim alguns “traumas da infância”. Historicamente, em nome do
principio da separação de poderes,
considerava-se que o juiz só poderia anular actos administrativos mas não
poderia dar ordens de nenhuma espécie às autoridades administrativas. Tradicionalmente
falava-se apenas em sentenças de anulação, por serem as mais frequentes contudo
este regime também é aplicável às sentenças declarativas de nulidade ou de
inexistência de actos administrativos. Em qualquer dos casos impõe-se à
Administração o dever de reconstituir a situação que deveria existir. Vejamos o
seguinte: uma coisa é condenar a administração à prática de actos
administrativos devidos (decorrentes da preterição de poderes legais vinculados
que são correspectivos de direitos dos particulares lesados) outra coisa é,
diametralmente diferente, é o tribunal praticar actos em vez da Administração,
ou invadir o domínio das escolhas remetidas por lei para a responsabilidade da
Administração no âmbito da discricionariedade administrativa. Como tal, a
admissibilidade de sentenças de condenação, não é contrária a nenhum dos
princípios da Justiça Administrativa não fazendo por isso sentido a invocação
do princípio da separação de poderes. Devido à influência francesa o contencioso administrativo tinha como
figura central o recurso directo de anulação pelo que a condenação da só era
admitida em termos limitados no domínio das acções e de “forma encapotada” no
âmbito do contencioso de anulação através da ficção do “acto tácito de indeferimento”. Na verdade, o professor Vasco
Pereira da Silva considera ser um instrumento pouco eficaz de tutela dos
direitos de particulares na medida em que “ estamos perante uma construção de
um acto que se “finge” existir, para se “fingir” que se anula, para se
continuar a fingir que daí resulta uma obrigação de praticar o acto contrário.”
Em alternativa, a este modelo francês do “acto fingido” surge na Alemanha a
acção de condenação. Em Portugal, é a constituição de 1976 que introduz um contencioso de plena
jurisdição, como forma de “cura” dos seus traumas passados. Na revisão
constitucional de 1982 o legislador adopta ao lado do recurso directo de
anulação e das acção, a acção para o reconhecimento de direitos e interesses
legalmente protegidos. Esta não podia ser considerada como de aplicação
meramente supletiva ou subsidiária principalmente se for interpretada de acordo
com os preceitos constitucionais, mas sim ser encarada como uma relação de complementaridade
com os restantes meios processuais. Esta visão permitia assim criar fissuras na
lógica do Contencioso de mera anulação. A revisão de 1997 trás consigo o “novo centro”
do Contencioso Administrativo quando estabelece expressamente que a
determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos é uma componente
essencial do princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos
dos particulares (268º/4 crp). Esta disposição era imediatamente aplicável pois
possuía natureza de direito fundamental. Podia ser interpretada em dois
sentidos:
Ø
Estávamos perante um novo meio processual de
natureza condenatória criado pelo legislador;
Ø
Um coisa era o direito a obter uma condenação jurisdicional
da Administração outra coisa era a criação de um novo meio processual de
natureza condenatória;
Quando se discutia a reforma ainda se colocou a questão de
saber se o legislador deveria criar uma simples acção declarativa acompanhada
por medidas de natureza compulsória influenciado pelo modelo francês ou
consagrar uma verdadeira e própria acção condenatória influenciado pelo modelo
alemão. Na verdade, foi a segunda hipótese a vencedora. Foi com este pano de puno que surgiu a acção de condenação à prática de acto
devido. Desta forma, existem duas modalidades de acção administrativa
especial de condenação à prática do acto devido, consoante esteja em causa a
necessidade de obter a prática de um “acto administrativo ilegalmente omitido
ou recusado” (art. 66º/1 CPA). São modalidades de acção que correspondem aos
dois pedidos principais que podem ser suscitados através de mecanismo
processual: o de condenação na produção de acto administrativo (de conteúdo)
favorável ao particular, em substituição de acto desfavorável anteriormente
praticado.Como chama a atenção o Professor Vasco Pereira da Silva
existe o erro clássico do Contencioso Administrativo de confundir o pedido apenas
com a sua dimensão de pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor)
esquecendo a vertente do pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende
tutelar através desse efeito). Assim como, não tomar aquele (qualquer um dos
dois, imediato ou mediato) pela integralidade do objecto do processo,
esquecendo a causa de pedir isto é o acto ou facto que constitui a razão
jurídica da actuação em juízo. Pois uma noção adequada de objecto do processo
deve proceder a uma ligação do pedido e da causa de pedir, considerando-os como
dois aspectos do direito substantivo invocado. Pedido e causa de pedir
apresentação como verso e reverso da mesma medalha, sendo certo que a medalha
de que estas duas perspectivas são as duas faces, é o direito substancial, ou
seja, o direito substancial afirmado. Esta prespectiva tradicional do objecto
do processo onde se sobrevaloriza o pedido imediato relativamente ao mediato,
poderá não ser susceptível de abarcar a integralidade do objecto da acção de
condenação à prática do acto devido, além de se encontrar em desconformidade
com as soluções legais.
Chegamos então a dois resultados:
Ø
O objecto do processo não é nunca o acto
administrativo mesmo quando a Administração tinha antes praticado um acto
desfavorável para o particular, mas sim o direito do particular a uma
determinada conduta da administração, correspondente a uma vinculação legal de
agir, ou de actuar de uma determinada maneira (que pode ter lugar mesmo no
domínio da discricionariedade – o processo de condenação não é configurado como
um processo impugnatório, no sentido em que, mesmo quando tenha havido lugar à
prática de um acto de indeferimento, o objecto do processo não se define por
referência a esse acto. – Pelo que, é irrelevante a existência ou não de um
acto administrativo prévio e, mesmo quando ele exista, a apreciação
jurisdicional não incide sobre o acto.
Ø
O objecto do processo corresponde à pretensão do
interessado, que o mesmo é dizer, tratando-se de uma acção para defesa de
interesses próprios, ao direito subjectivo do particular (pedido mediato), que foi
lesado pela omissão ou pela a actuação ilegal da Administração (causa de
pedir), pelo que o objecto do processo é o direito subjectivo do particular no
quadro da concreta relação jurídica administrativa (substantiva). O código,
para referir este objecto do processo, utiliza a expressão, um pouco equivoca
do ponto de vista substantivo, “pretensão”. O que está em causa será o direito
subjectivo do particular, para cuja defesa actua em juízo e não uma qualquer
pretensão, mas cuja a utilização pelo legislador pode-se compreender como sendo
destinada a abranger também o objecto do processo quando esteja em causa a
acção pública ou a acção popular, que, algo discutivelmente, o legislador quis
também consagrar neste meio processual de matriz subjectivista.
Margarida Quintino: nº 140109036
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