domingo, 9 de novembro de 2014

Uma breve visita à " da condenação à prática de acto devido"


A acção de condenação consagrada no art°66 é uma modalidade de acção administrativa especial, qualificada em razão do pedido, que constituiu uma das principais manifestações da mudança de paradigma na lógica do Contencioso Administrativo. Na verdade, com a passagem da mera anulação para a plena jurisdição deixa de estar limitado na tarefa de julgamento, ultrapassando assim alguns “traumas da infância”. Historicamente, em nome do principio da separação  de poderes, considerava-se que o juiz só poderia anular actos administrativos mas não poderia dar ordens de nenhuma espécie às autoridades administrativas. Tradicionalmente falava-se apenas em sentenças de anulação, por serem as mais frequentes contudo este regime também é aplicável às sentenças declarativas de nulidade ou de inexistência de actos administrativos. Em qualquer dos casos impõe-se à Administração o dever de reconstituir a situação que deveria existir. Vejamos o seguinte: uma coisa é condenar a administração à prática de actos administrativos devidos (decorrentes da preterição de poderes legais vinculados que são correspectivos de direitos dos particulares lesados) outra coisa é, diametralmente diferente, é o tribunal praticar actos em vez da Administração, ou invadir o domínio das escolhas remetidas por lei para a responsabilidade da Administração no âmbito da discricionariedade administrativa. Como tal, a admissibilidade de sentenças de condenação, não é contrária a nenhum dos princípios da Justiça Administrativa não fazendo por isso sentido a invocação do princípio da separação de poderes. Devido à influência francesa  o contencioso administrativo tinha como figura central o recurso directo de anulação pelo que a condenação da só era admitida em termos limitados no domínio das acções e de “forma encapotada” no âmbito do contencioso de anulação através da ficção do “acto tácito de indeferimento”. Na verdade, o professor Vasco Pereira da Silva considera ser um instrumento pouco eficaz de tutela dos direitos de particulares na medida em que “ estamos perante uma construção de um acto que se “finge” existir, para se “fingir” que se anula, para se continuar a fingir que daí resulta uma obrigação de praticar o acto contrário.” Em alternativa, a este modelo francês do “acto fingido” surge na Alemanha a acção de condenação. Em Portugal, é a constituição de 1976  que introduz um contencioso de plena jurisdição, como forma de “cura” dos seus traumas passados. Na revisão constitucional de 1982 o legislador adopta ao lado do recurso directo de anulação e das acção, a acção para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos. Esta não podia ser considerada como de aplicação meramente supletiva ou subsidiária principalmente se for interpretada de acordo com os preceitos constitucionais, mas sim ser encarada como uma relação de complementaridade com os restantes meios processuais. Esta visão permitia assim criar fissuras na lógica do Contencioso de mera anulação. A revisão de 1997 trás consigo o “novo centro” do Contencioso Administrativo quando estabelece expressamente que a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos é uma componente essencial do princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares (268º/4 crp). Esta disposição era imediatamente aplicável pois possuía natureza de direito fundamental. Podia ser interpretada em dois sentidos:
Ø  Estávamos perante um novo meio processual de natureza condenatória criado pelo legislador;
Ø  Um coisa era o direito a obter uma condenação jurisdicional da Administração outra coisa era a criação de um novo meio processual de natureza condenatória;
Quando se discutia a reforma ainda se colocou a questão de saber se o legislador deveria criar uma simples acção declarativa acompanhada por medidas de natureza compulsória influenciado pelo modelo francês ou consagrar uma verdadeira e própria acção condenatória influenciado pelo modelo alemão. Na verdade, foi a segunda hipótese a vencedora.  Foi com este pano de puno que surgiu a acção de condenação à prática de acto devido. Desta forma, existem duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, consoante esteja em causa a necessidade de obter a prática de um “acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado” (art. 66º/1 CPA). São modalidades de acção que correspondem aos dois pedidos principais que podem ser suscitados através de mecanismo processual: o de condenação na produção de acto administrativo (de conteúdo) favorável ao particular, em substituição de acto desfavorável anteriormente praticado.Como chama a atenção o Professor Vasco Pereira da Silva existe o erro clássico do Contencioso Administrativo de confundir o pedido apenas com a sua dimensão de pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor) esquecendo a vertente do pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende tutelar através desse efeito). Assim como, não tomar aquele (qualquer um dos dois, imediato ou mediato) pela integralidade do objecto do processo, esquecendo a causa de pedir isto é o acto ou facto que constitui a razão jurídica da actuação em juízo. Pois uma noção adequada de objecto do processo deve proceder a uma ligação do pedido e da causa de pedir, considerando-os como dois aspectos do direito substantivo invocado. Pedido e causa de pedir apresentação como verso e reverso da mesma medalha, sendo certo que a medalha de que estas duas perspectivas são as duas faces, é o direito substancial, ou seja, o direito substancial afirmado. Esta prespectiva tradicional do objecto do processo onde se sobrevaloriza o pedido imediato relativamente ao mediato, poderá não ser susceptível de abarcar a integralidade do objecto da acção de condenação à prática do acto devido, além de se encontrar em desconformidade com as soluções legais.
Chegamos então a dois resultados:
Ø  O objecto do processo não é nunca o acto administrativo mesmo quando a Administração tinha antes praticado um acto desfavorável para o particular, mas sim o direito do particular a uma determinada conduta da administração, correspondente a uma vinculação legal de agir, ou de actuar de uma determinada maneira (que pode ter lugar mesmo no domínio da discricionariedade – o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório, no sentido em que, mesmo quando tenha havido lugar à prática de um acto de indeferimento, o objecto do processo não se define por referência a esse acto. – Pelo que, é irrelevante a existência ou não de um acto administrativo prévio e, mesmo quando ele exista, a apreciação jurisdicional não incide sobre o acto.
Ø  O objecto do processo corresponde à pretensão do interessado, que o mesmo é dizer, tratando-se de uma acção para defesa de interesses próprios, ao direito subjectivo do particular (pedido mediato), que foi lesado pela omissão ou pela a actuação ilegal da Administração (causa de pedir), pelo que o objecto do processo é o direito subjectivo do particular no quadro da concreta relação jurídica administrativa (substantiva). O código, para referir este objecto do processo, utiliza a expressão, um pouco equivoca do ponto de vista substantivo, “pretensão”. O que está em causa será o direito subjectivo do particular, para cuja defesa actua em juízo e não uma qualquer pretensão, mas cuja a utilização pelo legislador pode-se compreender como sendo destinada a abranger também o objecto do processo quando esteja em causa a acção pública ou a acção popular, que, algo discutivelmente, o legislador quis também consagrar neste meio processual de matriz subjectivista.
Margarida Quintino: nº 140109036

Sem comentários:

Enviar um comentário