segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Contencioso Contratual


                           Já ultrapassamos a dualidade conceptual esquizofrénica?

Conceito Bifronte? Monstro de duas caras? É com estes termos que o Professor Vasco Pereira da Silva caracteriza a figura do Contrato Administrativo. Como a maioria das questões é a dogmática jurídico-administrativa francesa responsável pelas influências sofridas no domínio contratual. Na verdade, esta é a mãe do contrato administrativo. É na própria noção de contrato administrativo que retiramos a “dualidade esquizofrénica” que a compõe. O Professor Vasco Pereira da Silva caracteriza as transformações da reforma do Contencioso Administrativo como um “retorno à origens” originando um “novo recomeço”. Assim, dá-se os primeiros passos no sentido do renascimento da teoria geral dos contratos no domínio da função administrativa. A primeira manifestação da dicotomia esquizofrénica ao nível dos contratos celebrados pela Administração Pública verificamos na existência de:
1.      Contrato dito administrativo vs. contrato de direito privado da Administração
Vários motivos de ordem prática são apontados como estando na origem desta dicotomia. Os contratos ditos administrativos correspondem ao exercício de privilégios exorbitantes ou de poderes especiais da Administração exigindo um específico regime jurídico já os contratos de direito privado da Administração são simples contratos em que as autoridades administrativas “despiam as suas vestes de autoridade” actuando como simples privados (“gestão privada”) sendo o regime jurídico semelhante ao de qualquer outro contrato.
É o momento da construção doutrinária do contrato administrativo de tipo “francês” denominado como “exorbitante” pois corresponde “a privilégios exorbitantes, ”procurando fazer corresponder à especialidade do foro um novo fundamento substantivo. Aparece uma doutrina da contratação administrativa onde se denota uma “fragmentação da imagem do corpo”. A separação esquizofrénica entre estes dois tipos de contratos tinha consequências:
1.      Substantiva: considerava-se dever existir um regime jurídico especial-de direito público – para os contratos administrativos e outro comum – de direito privado- para os demais contratos da Administração. Os contratos administrativos distinguiam-se dos outros em razão de critérios autoritários tendo a Administração poderes especiais. 

2.       Processuais (contencioso): A natureza do contrato administrativo implicava que os litígios relativos à sua interpretação, validade ou execução fossem da competência dos tribunais administrativos enquanto que os contratos de direito privado da Administração eram da competência dos Tribunais comuns.
A cada vez mais generalizada utilização de formas contratuais pela Administração Pública , enquanto modo normal do exercício da função ao lado, de uma multiplicidade de outras formas de actuação vai originar como ensina Maria João Estorninho um movimento de sentido convergente, através do qual se tem vindo a reconhecer que, nem o contrato administrativo é tão exorbitante quanto isso nem os contratos privados da Administração são exactamente iguais aos contratos celebrados entre particulares, o que significa que uma eventual aproximação entre todos os contratos da Administração. Por isso verificamos uma tendência no sentido da “unidade” de tratamento de toda a actividade contratual da Administração Pública é acção da doutrina e do Direito Europeu. Houve uma aproximação de todas as formas contratuais no exercício da função administrativa decorrente da relativização do conceito francês de contrato administrativo comparativamente ao contrato de direito público alemão. Historicamente, verificou-se que a construção europeia implicava a existência de regras comuns em matéria de contratação administrativa. Daqui resultou o surgimento de múltiplas fontes de Direito Administrativo Europeu, privilegiando a forma da directiva (regime comum da contratação pública) a nível substantivo e de procedimento como de processo. As mais revelantes são directivas 2004/18/CE e a 2004/17/CE. A situação vigente, deixa para trás inúmeros conflitos o que originou uma tomada de posição do legislador: antecipar parcialmente a entrada em vigor da reforma do Contencioso Administrativo onde criou um regime transitório para o domínio do contencioso pré-contratual, Hoje em dia podemos dizer que o cpa regula o contencioso pré-contratual, enquanto processo urgente (100º e ssg),consagrando um contencioso de plena jurisdição respeitante aos litígios emergentes das relações contratuais administrativas, seja pela via da acção comum, seja da especial. Isto fez com que existisse a criação de um verdadeiro Direito Europeu de Contratação Pública onde encontramos as bases gerais dos contratos da função administrativa em todos os países da Europa. Assim, falamos num regime jurídico comum europeu, estabelecido para certos tipos de contratos, em razão da sua importância para o exercício da função administrativa e independentemente da respectiva qualificação nacional ou para determinados sectores da actividade, em razão dos fins prosseguidos de modo a poder valer tanto para os ordenamentos dos países de matriz francesa, como os da variante germânica, como ainda para os da “common law”. Na verdade, percebemos que a matéria da contratação pública europeia seja delimitada, sobretudo, com base em critérios materiais, tanto os relativos à natureza da actividade, como os respeitantes aos fins prosseguidos. Paralelamente à “integração vertical”, decorrente da aplicabilidade das fontes comunitárias nas ordens jurídicas nacionais de cada um dos Estados europeus, encontramos, neste domínio, um fenómeno de “integração horizontal”.
Efectivamente, nas palavras de Cassese este fenómeno consiste na convergência das administrações e das instituições nacionais, pois, a partir do momento em que elas têm o dever de se harmonizar, isso faz com que tendam também a convergir para um determinado modelo, daqui resultando que o direito dos contratos das administrações públicas dos diferentes estados tenda a convergir para um modelo unitário. Existe cada vez mais uma tendência para a unidade dos contratos que correspondem ao exercício da função administrativa (a nível do direito substantivo e procedimento ou do processo). Em Portugal, o fenómeno da europeização tem sido um importante eixo da transformação do Direito Administrativo português da contratação pública. O movimento unificador da contratação pública ditado pelo Direito Europeu, manifestou-se primeiro na legislação relativa aos procedimentos pré-contratuais e, depois, na legislação do contencioso administrativo, que eliminou, para efeitos processuais, a categoria dos contratos administrativos (artigo 4º, nº1 alínea b), e) e f) do CPTA). O facto é que o CCP vigente nas palavras de Vasco Pereira da Silva  fica a meio-caminho entre a adopção de um conceito genérico de contrato público, em sentido europeu, e a manutenção da dualidade esquizofrénica originária. Por um lado, o legislador estabelece pela primeira vez no Direito Administrativo nacional, uma disciplina geral completa de todos os contratos em que intervém a administração, ao mesmo tempo que uniformiza e simplifica a tipologia e a tramitação dos procedimentos pré-contratuais e racionaliza o regime material a contratação pública. Por outro lado, o CCP persiste em manter a dualidade conceptual esquizofrénica entre contratos administrativos e outros contratos de administração (artigo 1º, nº 1 do CCP), mesmo se a definição do dito contrato administrativo (artigo 1º, nº 6) fornece argumentos para o esbatimento das fronteiras conceptuais ao nível da totalidade da contratação pública, assim como alarga o respectivo âmbito, que passa a incluir os contratos de aquisição de locação de bens e aquisição de bens móveis e serviços (artigos 431º, 437º, 450º do CCP).
Em suma, o Professor Vasco Pereira da Silva reconhece que falta ao legislador português “psicanálise cultural” na medida em que mantem em termos substantivos a dualidade esquizofrénica entre o contrato administrativo e os demais contratos da Administração .O papel cabe agora à doutrina e jurisprudência tirar as devidas conclusões no sentido da unificação do regime jurídico de toda a contratação administrativa.
 
Margarida Quintino: 140109036

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