sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A acção de condenação à prática de acto devido e o acto de indeferimento/deferimento tácito


No contencioso administrativo clássico existia algo que, embora imperfeitamente, tinha a ver com poderes condenatórios do juiz: no contencioso de tipo francês dizia-se que quando, perante um pedido de um particular, a administração nada fazia, o particular podia impugnar esse comportamento por equivaler a um acto tácito de indeferimento. Isto mostrava já que o contencioso administrativo não tinha uma função meramente negativa e que o juiz podia determinar comportamentos da administração. No entanto, esta ideia surgia de forma disfarçada, através de uma construção que visava que o resultado da anulação do acto tácito de indeferimento fosse o dever de praticar o acto de sentido contrário. Havia uma sucessão de ficções (fingia-se que havia um acto de indeferimento, para se fingir que o juiz anulava esse acto que não existia e que daí resultava a obrigação de praticar o acto de sentido contrário) que deixou de ser precisa perante o surgimento, em primeiro na Alemanha, da possibilidade de perante uma omissão condenar a Administração a praticar o acto devido, possibilidade esta que foi estendida aos actos de conteúdo negativo, porque em ambos se denega o direito do particular.
Assim, perante a previsão da modalidade da acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido (arts.º 66º e seguintes do CPTA) não há qualquer dúvida que o indeferimento tácito caducou (art.º 109º do CPA), porque não faz sentido invocar um acto tácito de indeferimento quando há um meio processual que o substitui, para além de ser uma realidade absurda pela sucessão de ficções que implicava e de não conduzir ao resultado pretendido na maior parte dos casos.
No entanto, dúvidas maiores se colocam quando ao deferimento tácito (art.º 108º CPA) que, na opinião do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA deveria ser também afastado, embora o legislador não tenha tratado directamente desta questão. Esta técnica de considerar que havendo uma omissão se deve presumir que há deferimento, mesmo sendo excepcional, não se justifica hoje em dia, porque a Administração tem um dever de decidir, mas também tem um dever de ponderar. Para além disso, conduz a situações de demora em vez de obrigar a Administração a actuar rapidamente e o particular nunca fica totalmente garantido (por exemplo, um particular perante um acto tácito de deferimento do pedido de licença para a realização de uma obra, tendo de fazer um investimento avultado, não confiará no mero decurso do tempo em substituição de uma decisão administrativa e, por isso, na dúvida, não avança, falhando o objectivo de alcançar celeridade).
Questiona-se se o acto de deferimento tácito pode dar lugar a uma acção de condenação da Administração. O Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA entende que não, por estarmos já perante um acto que resultou da lei e que tem conteúdo positivo. No entanto, o deferimento tácito não equivale à prática de um acto pela Administração e, mesmo tendo conteúdo positivo, o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA descortina duas situações em que se pode pedir a condenação da Administração. A primeira é a situação de haver discrepância entre o que o particular pediu e o que nos termos da lei foi deferido: se o particular pretende mais do que o efeito do acto tácito de deferimento, então há um indeferimento parcial da sua pretensão. A segunda situação  diz respeito aos actos tácitos positivos com eficácia múltipla (por exemplo, no sistema de avaliação de impacto ambiental prévio a qualquer licenciamento de actividade agrícola, comercial ou industrial imposto por directiva europeia, prevê-se que a autoridade administrativa o possa dispensar se não for feito dentro de certo prazo) que permitem aos particulares lesados pedir a condenação da Administração, porque em relação a eles é acto de conteúdo negativo.

Apesar de continuar previsto, importa dizer que o acto de deferimento tácito é inconstitucional porque exclui o dever de ponderação, não prosseguindo o interesse público, ao substituir a decisão administrativa pelo mero decurso do tempo. De iure condendo, deveria criar-se um processo urgente que obrigasse a Administração a dar resposta ao pedido do particular. 

Inês Chorro - 140111062

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