O art.º 268º nº4 da Constituição
veio ferir de inconstitucionalidade as normas que previam o recurso hierárquico
necessário, ou seja, a exigência do prévio esgotamento das vias administrativas
como condição de acesso aos tribunais para impugnar os actos dos subalternos.
O Professor VASCO
PEREIRA DA SILVA defendia, mesmo antes da reforma, a
inconstitucionalidade desta exigência, uma vez que violava: o princípio da
plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art.º 268/4 da CRP), porque
consubstanciava uma negação do direito fundamental de recurso contencioso; o
princípio da separação de poderes (art.º 114º, 205º e seguintes e 266º e
seguintes da CRP, havendo uma promiscuidade entre Administração e Justiça, que
vinha já dos traumas da infância difícil do contencioso administrativo, já que
se precludia o direito de acesso ao tribunal pela não utilização de uma
garantia administrativa; o princípio da desconcentração administrativa (art.º
267/2 da CRP) que implica a possibilidade de controlo judicial imediato dos
actos dos subalternos sempre que lesivos, sem prejuízo da hierarquia
administrativa que permite o recurso hierárquico e a revogação do acto pelo
superior; e, por último, o princípio da efectividade da tutela (art.º 268/4 da
CRP), uma vez que havia um efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão
administrativa no caso de não ter havido interposição prévia de recurso
hierárquico no prazo de trinta dias (equivalia na prática à inutilização da
possibilidade de exercício do direito, equiparável à lesão do conteúdo
essencial do direito).
No entanto, essa não era a
posição defendida pela doutrina e jurisprudência (veja-se o Acórdão 499/96 do
Tribunal Constitucional que se pronunciou pela não inconstitucionalidade do
recurso hierárquico necessário).
Importa ressalvar que o recurso
hierárquico necessário não dizia respeito à produção de efeitos do acto do
subalterno, mas à sua impugnabilidade contenciosa, uma vez que no que concerne
à produção de efeitos, o acto do subalterno era igual ao praticado pelo superior
hierárquico.
A reforma do contencioso veio,
dando razão ao entendimento do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA,
afastar a necessidade de recurso hierárquico como condição de acesso à justiça
administrativa, configurando uma verdadeira declaração de óbito desta exigência.
Não há qualquer referência ao
recurso hierárquico necessário no CPTA e este afastamento manifesta-se em
várias disposições. O art.º 51º nº1 estabelece os critérios que determinam qual
o acto administrativo impugnável (eficácia externa na acção jurídica objectiva e lesão
de direitos na acção jurídica subjectiva) e os actos dos subalternos são
susceptíveis de preencher esses critérios de impugnabilidade, podendo ser
autonomamente impugnados. O art.º 59º nº4 estatui um efeito suspensivo do prazo
de impugnação contenciosa em caso de utilização das garantias administrativas (o Professor
VASCO PEREIRA DA SILVA entende que para garantir a utilidade das garantias
administrativas, onde por vezes há inercia e seguem uma lógica de
não-contradição, poderia ter sido estabelecido um efeito suspensivo da própria
execução da sentença). O art.º 59º nº5 estabelece que, independentemente
do uso da via graciosa, o particular pode aceder de imediato à justiça
administrativa.
Assim, há uma desnecessidade do
recurso hierárquico que se manifesta num duplo sentido: não é necessária a sua
utilização prévia e se optar por usar previamente, o particular não tem de
esperar pelo resultado para impugnar contenciosamente.
Apesar de ser pacífico que o CPTA
afastou o recurso hierárquico necessário, os Professores MÁRIO AROSO
DE ALMEIDA e FREITAS DO AMARAL fazem uma interpretação restritiva deste
regime jurídico, dizendo que está apenas em causa a revogação da regra geral
que exigia o recurso hierárquico prévio à impugnação contenciosa, mas não de
eventuais regras especiais que estabeleçam essa exigência, que só poderiam ser
afastadas mediante disposição expressa, continuando a haver recurso hierárquico
necessário nos casos previstos na lei. No entanto, o abandono no CPTA do recurso
hierárquico necessário leva à caducidade das normas especiais por falta de
objecto, porque a eventual exigência de recurso hierárquico necessário em
normas especiais não tem efeitos no contencioso e, para além disso, o art.º 7º
estabelece que o mérito deve prevalecer sobre as formalidades, devendo ser
dispensadas diligências inúteis, que seria o caso de exigir o uso de uma
garantia administrativa prévia!
Assim, é necessário rever o
Código do Procedimento Administrativo para o compatibilizar com o CPTA, uma vez
que ainda faz menção ao recurso hierárquico necessário (veja-se os arts.º 167º
e 170º). Enquanto não for feito, o particular lesado por um acto de um
subalterno pode: impugnar administrativamente, esperar pelo resultado e
impugnar contenciosamente; impugnar apenas contenciosamente; ou impugnar
administrativamente e aceder imediatamente ao tribunal, sem esperar pela
decisão do recurso hierárquico.
Em suma, o recurso hierárquico
necessário é inconstitucional, ilegal e não é útil do ponto de vista da
protecção dos particulares, não havendo razoes para os admitir em caso algum!
Inês Chorro - 140111062
Inês Chorro - 140111062
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