sábado, 8 de novembro de 2014

Caso 3 - Bruno e o pedido de licenciamento

Tendo Bruno apresentado à Câmara Municipal um pedido de licenciamento de uma moradia temos, antes de mais, de atender ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (adiante RJUE), naturalmente especial em relação aos regimes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (adiante CPTA) e do Código do Procedimento Administrativo (adiante CPA).

Nos termos do artigo 23º/1 b) do Decreto-Lei nº 555/99 alterado pelo Decreto-Lei nº 26/2010 (ainda aplicável, já que o novo regime previsto no Decreto-Lei nº 136/2014 só entrará em vigor em Janeiro do próximo ano), a Câmara Municipal deverá deliberar sobre o pedido de licenciamento do particular no prazo de 30 dias. Este prazo, nos termos da alínea a) do nº 2 o art. 23º do RJUE conta-se, em princípio, a contar da data da recepção do pedido do particular.

A Câmara Municipal tinha, assim, neste caso, 30 dias para se pronunciar sobre aquele pedido de licenciamento.

Nos termos do artigo 111º a) do RJUE, decorrido aquele prazo de 30 dias sem que a Administração nada faça, o particular pode recorrer ao processo de intimação judicial para a prática do acto legalmente devido (artigo 112º do RJUE).

O juiz, nos termos do nº 6 do artigo 112º do RJUE deverá estabelecer na decisão um prazo não superior a 30 dias para que a autoridade requerida (no caso a Câmara Municipal) pratique o acto devido e fixa sanção pecuniária compulsória nos termos previstos no CPTA.

Por força do nº 9 do artigo 112º do RJUE, se no prazo estabelecido pelo juiz para intimar a Câmara à prática do acto esta nada fizer, o particular pode fazer-se valer do deferimento tácito.
Assim, nessa situação, o particular poderá iniciar e prosseguir a execução dos trabalhos de acordo com o requerimento apresentado nos termos do art. 9º/4 do RJUE. O início desses trabalhos está dependente do prévio pagamento das taxas devidas, conforme resulta do art. 113º/2 do RJUE.

Importante consequência da inércia da administração é o facto de a certidão de sentença transitada em julgado que haja intimado à emissão do alvará de licença ir substituir para todos os efeitos legais o alvará emitido. Acresce que nesses casos a obra não poderá ser embargada por qualquer autoridade administrativa com fundamento na falta de licença (artigo 113º/7 e 8 RJUE respectivamente).

Ora, neste caso em particular entre o momento em que Bruno apresenta o seu pedido de licenciamento à Câmara e o momento em que propõe uma acção administrativa especial para a prática do acto devido passou-se um mês.
Nos termos do artigo 72º a) do CPA não se inclui na contagem do prazo o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, sendo que, nos termos da alínea b) do mesmo artigo o prazo se suspende nos sábados e domingos e feriados. Isto equivale a dizer que só se contam os dias úteis.

Entre 16 de Junho de 2008 e 16 de Julho de 2008 terão passado 30 dias mas não 30 dias úteis. Assim, ainda não decorreu o prazo legalmente estabelecido para a Administração proferir a sua decisão.

Como sabemos, para que se possa propor uma acção de condenação à prática do acto devido têm de estar reunidos alguns pressupostos, nomeadamente:
1)      Ter havido uma omissão da Administração a um pedido do particular;
2)      Legitimidade – artigo 68º CPTA;
3)    Oportunidade – artigo 69º CPTA (prazos dentro dos quais o particular pode propor a acção de condenação à prática do acto devido).

Ora, neste caso, ainda não tinha decorrido o prazo em que a Câmara Municipal poderia actuar, pelo que ainda não estávamos, em bom rigor, perante uma omissão da actuação administrativa.

Assim, faltava logo o primeiro pressuposto exigível para que se possa propor a acção de condenação à prática do acto devido, pelo que a Câmara tem razão ao alegar que ainda não tinha decorrido o prazo estabelecido para proferir uma decisão. 

Uma última nota prende-se com o facto de haver alguma discussão relativamente à natureza da acção de intimação judicial para a prática de acto legalmente devido. Parece-me razoável considerar tratar-se de um meio processual que constitui expressão a nível do direito do urbanismo da "condenação à prática do acto legalmente devido", regulada nos artigos 66º e ss. do CPTA como acção administrativa especial.
O regime jurídico específico da intimação judicial para a prática de acto legalmente devido encontra-se nos artigos do RJUE que enunciei. Contudo, outros aspectos do seu regime jurídico deverão retirar-se dos artigos 66º a 71º do CPTA.
Não obstante, há quem considere, pelo contrário, que o regime e a configuração que o legislador atribuiu à intimação judicial para a prática do acto legalmente devido, extremamente simples e célere, inviabiliza a aplicação do regime estabelecido no CPTA para a acção de condenação à prática de acto devido. 



(Esta hipótese foi resolvida partindo do pressuposto errado de que se tratava de um pedido de licenciamento de uma obra de urbanização)


Rita Pereira de Abreu
140111082

Sem comentários:

Enviar um comentário