A reforma do Contencioso Administrativo de 2004 veio abrir
caminho para o surgimento de uma Responsabilidade Civil Pública ou colocando
noutros termos, veio permitir unificar o regime da Responsabilidade Civil da
Administração Pública. Só em 2008 entra em vigor o DL nº 67/2007.
No entanto, o professor Vasco Pereira da Silva considera que
se trata de um mero “remake” à “moda de Hollywood” na medida em que, por um
lado, a unidade jurisdicional consagrada não está isenta de equívocos
(demasiado óbvios e que foram imediatamente reconhecidos por toda a doutrina e jurisprudência),
por outro lado o professor considera que em certa medida se mantém a dualidade
legislativa.
O nosso ordenamento jurídico delimita a competência dos
tribunais administrativos e fiscais em razão da natureza das relações jurídicas
em causa, completando depois a cláusula geral do artigo 1º nº1 ETAF com uma
enumeração exemplificativa, que concretiza os tipos de situações jurídicas susceptíveis
de ser enquadradas no Contencioso Administrativo.
É neste sentido que temos que interpretar as disposições
relativas à responsabilidade civil pública, constantes das alíneas g), h), i)
do nº1 do artigo 4º do ETAF. Da conjugação destes preceitos resulta a
consagração de um regime de unidade jurisdicional, tanto no que respeita ao
contencioso da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública,
em função do abandono da “falsa distinção” entre gestão pública e gestão
privada como critério de determinação da competência do tribunal (como antes
ocorria), como também, mais amplamente, no que se refere ao contencioso de toda
a responsabilidade civil pública, que agora passa a ser da competência dos
tribunais administrativos.
Professor VPS considera manifestamente correta esta
unificação do regime da responsabilidade civil pública ao nível da jurisdição
administrativa, considerando a norma do artigo 212º nº3 da CRP. No entanto,
este progresso não foi acompanhado de correta alteração da legislação substantiva.
Em relação à alínea g) do nº1 do artigo 4º, trata-se de uma
norma inovadora que consagra a uniformização jurisdicional de todo o
contencioso da responsabilidade civil pública, que passa a ser dos tribunais
administrativos – como era há muito sugerido sobretudo pelo Professor Rui
Medeiros. Em rigor, isto implica qualificar como administrativa, para efeitos
processuais, qualquer relação de responsabilidade civil pública,
independentemente da natureza do órgão e do poder em que ele se encontra
inserido.
Contudo, este alargamento só foi verdadeiramente consagrado
com o DL 67/2007, pressupondo então um regime da responsabilidade civil
aplicável ao Estado e a qualquer entidade pública no exercício das três
principais funções do Estado – função administrativa, legislativa e
jurisdicional.
Esta norma da alínea g) foi verdadeiramente crucial para
acabar com um dos mais antigos traumas do nosso Contencioso Administrativo, uma
vez que consagra de forma inequívoca a competência da
jurisdição administrativa para “apreciar todas as questões de responsabilidade
civil extracontratual da administração pública, independentemente da questão de
saber se essa responsabilidade emerge de uma actuação de gestão pública ou de
uma actuação de gestão privada: a distinção deixa de ser relevante, para o
efeito de determinar a jurisdição competente, que passa a ser, em qualquer
caso, a jurisdição administrativa” (Mário Aroso de Almeida/Diogo Freitas do
Amaral).
No que diz respeito à alínea h) do nº1 do mesmo artigo, esta
norma atribui à jurisdição administrativa a competência de julgamento dos
litígios em matéria de “responsabilidade civil extracontratual dos titulares de
órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos”. Considera-se ser
esta uma norma que completa a previsão da alínea g) do nº1 do artigo 4º,
referente à responsabilidade civil por comportamentos imputáveis ao Estado e a
outras pessoas colectivas públicas, também relativamente às actuações de
titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos.
Finalmente, atribui-se à jurisdição administrativa o
julgamento dos litígios no domínio da responsabilidade civil extracontratual
dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da
responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público
(artigo 4º nº1 i)). Há também nesta norma um claro alargamento do âmbito de
aplicação da responsabilidade civil a dois tipos de situações: aos casos de
Administração pública sob forma privada, resultantes da “fuga para o direito
privado”; àqueles casos em que entidades privadas colaboram com a administração
pública no exercício da função administrativa. Professor Vasco Pereira da Silva
considera manifestamente positiva a inclusão desta norma no artigo 4º ETAF.
Diogo Pinto
140111018
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