quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Impugnação de Regulamentos - contextualização

Esta tradição de haver um meio específico para impugnar regulamentos é uma tradição comum aos países latinos, designadamente França e Espanha onde encontramos mecanismos similares. A existência de um mecanismo de impugnação de regulamentos vem de uma tradição do século XIX, onde se permitia a impugnação das decisões regulamentares das autarquias locais.
Isto causou grande polémica porque na escola do Direito Administrativo português esta era uma realidade contraditória e estava a pôr em causa um mecanismo de tutela dos particulares de controlo da administração em face de actos normativos. Talvez um pouco devido a esta polémica, depois da Revolução do 25 de Abril, a doutrina estivesse muito empenhada no sentido de introduzir estes meios de impugnação regulamentar.
A Reforma do Contencioso de 1985 veio introduzir em termos genéricos a possibilidade de reagir contra regulamentos ilegais. O que acontecia, então, em 1985? Ora, por um lado havia uma regra geral do Direito Administrativo segundo a qual era sempre permitida em todos os casos a impugnação indirecta dos regulamentos. Assim, o particular ao impugnar o acto estava também a pôr em causa a legalidade do regulamento a título incidental. Isto significava que os efeitos do regulamento não se aplicavam àquele caso mesmo que se aplicassem em casos idênticos. Esta possibilidade existia sempre e em todas as situações. Depois havia uma realidade esquizofrénica em que por um lado havia um novo meio processual que era a declaração de ilegalidade de regulamentos, com um âmbito de aplicação relativamente limitado (apenas aplicável a regulamentos imediatamente exequíveis ou aqueles que tivessem já sido aplicados a três casos particulares). Este mecanismo associado ao mecanismo da apreciação indirecta já introduziria um controlo completo dos regulamentos na nossa ordem jurídica. Mas o legislador em 1985 naquelas soluções transitórias motivadas por realidades históricas, com medo de estar a esquecer de alguma coisa, em relação às autarquias locais estabeleceu a possibilidade de impugnação de qualquer regulamento. A principal crítica do sistema era haver uma certa esquizofrenia porque o recurso contra regulamentos e a declaração de ilegalidade de regulamentos eram sobreponíveis. Tirando esta esquizofrenia, no quadro da ordem jurídica portuguesa, tínhamos um sistema completo de tutela do particular em face da AP também no domínio regulamentar.
Uma questão que começou a ser colocada era a de saber se este mecanismo processual existia para tutelar posições jurídicas subjectivas ou se estava em causa uma tutela objectiva, uma tutela da legalidade. Vai-se chamar à atenção para a necessidade de coordenar essas duas dimensões. É curioso que com a evolução, com as revisões constitucionais que em 1997 vieram regular o acesso ao contencioso administrativo, houve uma certa subjectivização desta garantia jurídica uma vez que a CRP consagrou no artigo 268º/5 um direito fundamental de tutela dos direitos dos particulares perante lesões provocadas por normas regulamentares. Isto por um lado permitiu resolver o dilema entre dimensão objectiva e subjectiva porque o legislador assentou esta dimensão subjectiva do contencioso regulamentar.

A reforma de 2002/2004 naquilo que respeita aos regulamentos, por incrível que pareça, deu um passo atrás. Acabou com a esquizofrenia mas estabeleceu um regime que tem sido muito criticado porque a realidade de uma tutela plena e efectiva está agora recortada em termos que podem colocar questões de inconstitucionalidade, de ilegalidade no quadro da ordem jurídica portuguesa mas também problemas de contradição com o regime europeu. Isto obriga-nos, no plano do Direito actual, a encontrar algumas soluções de natureza correctiva.

Rita Pereira de Abreu
140111082

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