Esta tradição de haver um meio específico
para impugnar regulamentos é uma tradição comum aos países latinos, designadamente
França e Espanha onde encontramos mecanismos similares. A existência de um
mecanismo de impugnação de regulamentos vem de uma tradição do século XIX,
onde se permitia a impugnação das decisões regulamentares das autarquias
locais.
Isto causou grande polémica porque na escola
do Direito Administrativo português esta era uma realidade contraditória e
estava a pôr em causa um mecanismo de tutela dos particulares de controlo da
administração em face de actos normativos. Talvez um pouco devido a esta
polémica, depois da Revolução do 25 de Abril, a doutrina estivesse muito
empenhada no sentido de introduzir estes meios de impugnação regulamentar.
A Reforma do Contencioso de 1985 veio
introduzir em termos genéricos a possibilidade de reagir contra regulamentos
ilegais. O que acontecia, então, em 1985? Ora, por um lado havia uma regra
geral do Direito Administrativo segundo a qual era sempre permitida em todos os
casos a impugnação indirecta dos regulamentos. Assim, o particular ao impugnar o
acto estava também a pôr em causa a legalidade do regulamento a título
incidental. Isto significava que os efeitos do regulamento não se aplicavam
àquele caso mesmo que se aplicassem em casos idênticos. Esta possibilidade
existia sempre e em todas as situações. Depois havia uma realidade
esquizofrénica em que por um lado havia um novo meio processual que era a
declaração de ilegalidade de regulamentos, com um âmbito de aplicação
relativamente limitado (apenas aplicável a regulamentos imediatamente
exequíveis ou aqueles que tivessem já sido aplicados a três casos
particulares). Este mecanismo associado ao mecanismo da apreciação indirecta já
introduziria um controlo completo dos regulamentos na nossa ordem jurídica. Mas
o legislador em 1985 naquelas soluções transitórias motivadas por realidades
históricas, com medo de estar a esquecer de alguma coisa, em relação às
autarquias locais estabeleceu a possibilidade de impugnação de qualquer
regulamento. A principal crítica do sistema era haver uma certa esquizofrenia
porque o recurso contra regulamentos e a declaração de ilegalidade de
regulamentos eram sobreponíveis. Tirando esta esquizofrenia, no quadro da ordem
jurídica portuguesa, tínhamos um sistema completo de tutela do particular em
face da AP também no domínio regulamentar.
Uma questão que começou a ser colocada era a
de saber se este mecanismo processual existia para tutelar posições jurídicas
subjectivas ou se estava em causa uma tutela objectiva, uma tutela da
legalidade. Vai-se chamar à atenção para a necessidade de coordenar essas duas
dimensões. É curioso que com a evolução, com as revisões constitucionais que em
1997 vieram regular o acesso ao contencioso administrativo, houve uma certa
subjectivização desta garantia jurídica uma vez que a CRP consagrou no artigo 268º/5
um direito fundamental de tutela dos direitos dos particulares perante lesões
provocadas por normas regulamentares. Isto por um lado permitiu resolver o
dilema entre dimensão objectiva e subjectiva porque o legislador assentou esta
dimensão subjectiva do contencioso regulamentar.
A reforma de 2002/2004 naquilo que respeita
aos regulamentos, por incrível que pareça, deu um passo atrás. Acabou com a
esquizofrenia mas estabeleceu um regime que tem sido muito criticado porque a
realidade de uma tutela plena e efectiva está agora recortada em termos que
podem colocar questões de inconstitucionalidade, de ilegalidade no quadro da
ordem jurídica portuguesa mas também problemas de contradição com o regime
europeu. Isto obriga-nos, no plano do Direito actual, a encontrar algumas
soluções de natureza correctiva.
Rita Pereira de Abreu
140111082
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