sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O contencioso da responsabilidade civil pública


- Andamos num beco sem saída? Para quando a unidade? -

 

Desde cedo que esta temática é das que mais preocupa a doutrina e a jurisprudência por motivos evidentes, nem que seja pelo facto da responsabilidade civil das entidades públicas constituir um dos pilares base do Estado de Direito plasmado no art.22º. A responsabilidade civil pública não é mais do que a obrigação jurídica que recai sobre qualquer pessoa colectiva pública de indemnizar os prejuízos que tiver causado aos particulares no desenrolar das suas funções. Foi considerada por muitos como tendo sido negligenciada na reforma do contencioso chegando alguns a dizer que a reforma ficou por completar. Na verdade apesar dessa matéria constar do catálogo das propostas legislativas que integravam a reforma, a mudança acabou por não se verificar em virtude da baixa ocorrida no decurso do procedimento (a AR deixou de lado o diploma regulador da responsabilidade civil da AP). Para além disso chamo à colação o facto do aparecimento do novo regime jurídico da responsabilidade extracontratual do estado e das demais entidades públicas só ter sido em 2007 o que fez como que inúmeras questões não fossem resolvidas. Uma das suas principais críticas é o facto do seu regime jurídico que não ser totalmente coincidente com a “letra e o espírito” da reforma. A história começa com o famoso acórdão Blanco onde estava em causa o atropelamento de uma menina de 5 anos por um vagão de uma empresa pública de Bordéus. Este traumático aparecimento do Direito Administrativo marcado por uma infância difícil ainda hoje influencia a forma de actuação deste ramo do direito. Porque na verdade, é notório que há uma primazia da Administração em deterimento da protecção dos particulares. Até aos dias de hoje, verificamos uma sucessiva repetição da história em que os tribunais judiciais como os tribunais administrativos se consideravam incompetentes para decidir e mostravam dúvidas quanto ao direito aplicável. O professor Vasco Pereira da Silva, em tom irónico, afirma que o Contencioso Administrativo é sobre muitos aspectos uma “história sem moral”.
Como ensina o Professor Freitas do Amaral os danos causados no desempenho de actividades de gestão privada a Administração responde segundo o Direito Civil perante os tribunais judiciais, e pelos danos causados no exercício de gestão pública responde segundo o Direito Administrativo perante os tribunais administrativos.
Assim, o direito da responsabilidade administrativa, com a respectiva dualidade de regimes jurídicos e de tribunais competentes caracterizava-se pela fragmentariedade originando uma verdadeira manta de retalhos. Seguidamente, vamos expor os argumentos do Professor Vasco Pereira da Silva em relação a este sistema ilógico pois não tem sentido assentar na distinção entre gestão pública e privada.
 
1.      Tinha como pressuposto uma ideia autoritária da Administração que, ou exercia poderes de autoridade, ou era remetida para o direito Privado. O que correspondia a uma concepção do D. Administrativo como um conjunto de normas “excepcionais” do Direito Civil, que se fazia acompanhar de uma visão actocêntrica das formas de actuação administrativa;

2.      Não é possível distinguir as actuações informais e técnicas, assim como as operações materiais da AP, com base na distinção da gestão pública e da gestão privada. Em vez disso, todas as actuações administrativas tendem a surgir unificadas em razão da ideia de função administrativa e não da regra do exercício do poder. Aquilo que é comum a todas as actuações administrativas e que justifica um tratamento jurisdicional unitário, é a dimensão da satisfação de necessidades colectivas através de formas públicas e privadas.

 A prova mais cabal da irracionalidade do sistema, era o facto da jurisprudência ter renunciado a um critério lógico de distinção entre gestão pública e gestão privada, substituindo-o e passando a contentar-se com a sensação de “ambiente de Direito Público”. Com a reforma do contencioso administrativo surge o momento ideal para o aparecimento de uma “outra história” do contencioso da responsabilidade civil pública relativa à unidade jurisdicional. Esta não é somente mais uma versão uma ou continuação da anterior até porque na verdade se mantem a dualidade legislativa. 
Efectivamente, constatamos que se delimita a competência dos tribunais administrativos e fiscais em razão da natureza das relações jurídicas em causa (art.212º/3 CRP e art.1º/1 ETAF), completando depois essa clausula geral com uma enumeração exemplificativa. É dentro deste âmbito que devem ser interpretadas as disposições relativas à responsabilidade civil pública ( alíneas g), h) e i) do nº1 do art.4º ETAF). É precisamente daqui que surge o regime de unidade jurisdicional em dois planos: no contencioso da responsabilidade extracontratual da AP e no contencioso de toda a responsabilidade civil pública (actualmente é da competência dos tribunais administrativos). Tendo sempre em conta art.212º/3 CRP esta visão revela-se adequada contudo é essencial ser completada através de legislação substantiva “conforme”.
Primeiramente, comecemos por referir que compete à jurisdição administrativa o julgamento das questões em que haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo o resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa (artº4/1 ETAF). Como ensina o Professor Vasco Pereira da Siva é descabido de sentido interpretar literalmente uma norma que concretiza uma cláusula geral. Neste seguimento, também não é correcto apelar a um elemento histórico, perante um procedimento legislativo tão atribulado. As razões de ordem material e do espírito do sistema apontam no sentido da inclusão da responsabilidade civil da função política no Contencioso Administrativo, tanto pela similitude de características materiais das funções política e legislativa, como pela lógica do sistema apontar para a unificação do regime da responsabilidade civil pública, mediante uma cláusula geral, pelo que a referencia às funções legislativa e jurisdicional deve ser considerada como meramente exemplificativa.
A verdade, é que mesmo abandonada a dualidade de jurisdições, não desapareceu a dualidade de regimes jurídicos, uma vez que a ausência de um outro diploma regulador da responsabilidade civil pública faz com que continue a ser necessário, para a determinação do regime jurídico aplicável, saber se se está perante uma actuação de gestão pública ou de gestão privada.
A versão anterior do art.4º/1 fazia referencia à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público. E logo houve quem quisesse ver na letra da lei, habilitação bastante para fazer uma leitura restritiva da unidade jurisdicional e para reintroduzir a relevância da distinção gestão pública/privada. O Professor Vasco Pereira da Silva considera que esta solução parece contrariar o regime estabelecido pelo Código por algumas razões principais:
 - Se o critério geral de determinação da jurisdição competente é o da natureza da relação (arts. 212º/3  CRP e 1º/1 ETAF), sendo as situações identificadas no nº4 meramente exemplificativas, então como é que uma só relação jurídica pode ser simultaneamente qualificada como administrativa e não administrativa, para efeitos contenciosos, consoante a posição ocupada pela entidade pública seja a de ré ou de autora? O suposto argumento da letra da lei não faz qualquer sentido, uma vez que é equivoco, inclusivé da perspectiva da analise literal, pois a expressão “haja lugar” é pouco rigorosa, como também a globalidade da formula empregue se presta a varias interpretações. Considerando que, o legislador instaurou um sistema de unidade jurisdicional em matéria de responsabilidade civil administrativa, forçoso é de concluir pela aplicação desse regime a todo o universo da responsabilidade civil no âmbito da função administrativa.
Finalmente é essencial falar de um argumento histórico, baseado apenas numa variação “equivoca” da letra do preceito, pretendendo atribuir-lhe um sentido que não encontra qualquer fundamento nos trabalhos preparatórios aliás até os contradiz, pois o que se conhece desses documentos é a intenção expressa de um regime de unidade jurisdicional para o contencioso da responsabilidade civil administrativa, é um absurdo ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso (art.4º/3 a) ETAF). Só com a lei 67/2007 há uma viragem em que surge finalmente o novo regime da responsabilidade civil pública.

Margarida Quintino : 140109036

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