quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Uma primeira abordagem: A declaração de ilegalidade por omissão


 A reforma do Contencioso Administrativo trouxe consigo inúmeras alterações contudo umas mais aplaudidas que outras. Uma das mais originais foi um mecanismo processual destinado a reagir contra omissões ilegais de emissão de regulamentos. Até mesmo antes da reforma, o Professor João Caupers alertava para esta realidade frisando a necessidade de “conceder aos Tribunais Administrativos o poder de proferirem sentença declarando aquela violando e fixando um prazo para produzir a regulamentação em falta. Foi o Professor Paulo Otero quem retomou a discussão à volta desta temática sugerindo a criação de um mecanismo a análogo ao da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão permitindo aos Tribunais Administrativos, verificada a existência da ilegalidade por omissão de normas regulamentares dessem conhecimento ao órgão administrativo competente. Na verdade, este instituto foi decalcado do artigo 283º da Constituição da República Portuguesa. Feito este enquadramento, a declaração de ilegalidade por omissão está plasmada no artigo 77º do CPTA onde se retira a sua noção. No fundo permite-se às entidades designadas por lei reagir contra omissões de regulamentos por parte da Administração. É a possibilidade de em acção administrativa especial se suscitar um pedido de apreciação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas quer resulte de forma directa ou indirecta.
Em relação aos requisitos deste instituto e tendo em conta o entendimento de inúmeros acórdãos na nossa jurisprudência existem três requisitos (cumulativos) nos casos de omissão ilegal de normas administrativas isto é:
1. Existência de um acto legislativo eu necessita de regulamentação, ou seja, que a “omissão seja relativa à falta de emissão de normas cuja adopção possa considerar-se, sem margem de dúvida, como exigência da lei”;
2. Existência de uma obrigação legalmente imposta à Administração, isto é, não se pode estar perante uma mera faculdade ou poder discricionário da Administração e deve-se estar perante uma obrigação relativamente à qual já pode ser exigido judicialmente o seu cumprimento. Por outras palavras, é necessário que faltem elementos para o regulamento poder ser aplicado aos casos da vida visados no âmbito da norma ;
3. O conteúdo dessa obrigação deverá ser a emissão de normas de natureza regulamentar;

É no acórdão do STA de 30/01/2007 que se revela que o terceiro requisito se desdobra em dois realidade: a necessidade do regulamento e a autorização para regulamentar, “sendo que entre eles existem certas relações, mas também alguma autonomia”.Dito isto, tendo como pano do fundo o supra citado preceito a doutrina considera que é possível equacionar três casos: 
1. Estamos perante uma pura omissão regulamentar: que deixa de existir com a emissão do regulamento necessário;
2. Estamos perante um regulamento, que se revela incompleto e deficiente, sendo estas supridas através dos mecanismos normais de interpretação e integração;
3. Verifica-se uma incompletude que é da própria normação primária, sendo supridas ou por mecanismos de interpretação e integração ou pela alegação da inconstitucionalidade da lei (violação do princípio da igualdade).

 No tocante à legitimidade cumpre analisar aquele elencados no artº 77º.
Efectivamente, a legitimidade para a acção de declaração de ilegalidade por omissão não apresenta muitas especificidades quanto à regra da legitimidade geral constante do artigo 9º do CPTA. Tem legitimidade:
1.  Ministério Público: que está encarregado de zelar pela legalidade administrativa não só em situações activas mas também em situações de inércia. Detém uma responsabilidade ilimitada na reacção contra omissões ilegais de normas regulamentares;
2.  Sujeitos da Acção Popular: “demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no nº2 do artigo 9º” que estejam a agir ao abrigo da defesa de interesses e bens constitucionalmente protegidos;
3.  “Quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão”: pois só têm legitimidade as pessoas que alegarem uma utilidade directa e imediata na acção e na norma e a referência ao conceito de “prejuízo” só reforça o facto de esta acção particular estar destinada à tutela de interesses subjectivos e legalmente protegidos.

Pode verificar-se omissão do dever de regulamentar tanto no caso de estar em causa a emissão de regulamentos de execução que visam desenvolver uma concreta lei como quando falemos de regulamentos autónomos/independentes, onde não se dispensa a “ligação umbilical à lei”. Distingamos o seguinte: são realidades diametralmente opostas a vinculação quanto à exigência de emissão da norma e a discricionariedade quanto ao respectivo conteúdo. Após constatada a existência do dever de regulamentar a sentença tem como efeito dar conhecimento à entidade fixando o prazo não inferior a 6 meses para que seja suprida a omissão. A natureza da sentença é inequívoca pois o legislador parece abrir dois caminhos: parece depreender-se que a sentença tem uma eficácia meramente declarativa (opinião do Professor Vieira de Andrade) e também que esta possui efeito cominatório quando estabelece um prazo para adopção das normas regulamentares. Como ensina o Professor Mario Aroso de Almeida considera que parecem estar mais próximas de uma sentença de condenação do que uma sentença meramente declarativa ou de simples apreciação. Estas sentenças parecem ir mais longe do que as do Tribunal Constitucional (283/2) ainda que tenha ficado aquém de uma verdadeira e própria sentença condenatória.

Para o Professor Vasco Pereira da Silva nada impedia que se tivesse estabelecido a possibilidade de condenação da Administração na produção da norma regulamentar devida à semelhança do que foi feito com os actos administrativos devidos. Já o prazo, o artigo 77º/2 do CPTA estabelece que quando haja a verificação de uma situação de ilegalidade por omissão o juiz deve conceder à administração um prazo que não pode ser inferior a seis meses para aprovar a norma respectiva.

É um prazo flexível. Contudo, há uma questão que o legislador não resolveu expressamente neste preceito uma vez que detectada que a lei não é exequível por si mesma, havendo omissão normativa ilegal e condenada a Administração para suprir essa omissão dentro de um prazo fixado pelo juiz, como resolver o problema se, no fim desse prazo, a Administração não aprovar a norma omitida? A eventual inobservância deste prazo deverá ser qualificada como um acto de desobediência em relação à sentença entendendo a doutrina que o juiz, se o considerar justificado e atendendo às circunstâncias concretas, pode proceder desde logo à imposição de sanções pecuniárias compulsórias, ao abrigo da previsão genérica do artigo 3º/2, e sobretudo dos artigos 44º (que remete para o regime do artigo 168º), 49º, 164º/4 alínea d) e 169º do CPTA.
A aplicação desta sanções pecuniárias poderá ocorrer no próprio momento em que se reconheça a ilegitimidade da situação de omissão e permite também fixar um novo prazo limite dentro do qual a omissão regulamentar deve ser suprida.

Margarida Quintino: 140109036

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