É originário da reforma do Contencioso
Administrativo o mecanismo processual de reacção contra omissões ilegais de emissão
de regulamentos. A feliz introdução deste meio processual no nosso ordenamento
era defendida já antes da reforma do Contencioso se tornar real por professores
como João Caupers, que considerava que a
inércia regulamentar, para além de um prazo razoável (...) constituía em si
mesma, violação de um dever jurídico de regulamentar, decorrente, expressa ou
implicitamente, da norma legal. Sendo assim, seria de conceder aos
tribunais administrativos competências declararem a existência de uma
determinada violação através de sentenças, fixando seguidamente um prazo para
produzir a regulamentação anteriormente omissa. É da responsabilidade do
professor Paulo Otero a retoma da proposta de Caupers, sugerindo o primeiro a
criação de um mecanismo análogo ao da fiscalização
da constitucionalidade por omissão, permitindo que tribunais administrativos,
verificada a existência da ilegalidade por omissão de normas regulamentares,
dessem disso conhecimento ao órgão administrativo competente; sugestão essa
que surgiu num contexto de discussão pública da reforma do Contencioso.
Surge então pela primeira vez a possibilidade
de, por intermédio de acção administrativa especial, suscitar um pedido de
apreciação da ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas. Esse dever
de regulamentar (que não é cumprido) pode resultar de uma remissão implícita
para o poder regulamentar em virtude da incompletude ou inexequibilidade do
acto legislativo em questão, ou resultar de uma referência directa da lei. O
dever de regulamentar tanto pode estar ligado a regulamentos de execução que
visem completar um concreta lei, como ligado a regulamentos autónomos em que a
Administração possui maior margem de conformação normativa e, por isso, pode em
qualquer dos casos verificar-se a omissão.
Quando verificada a existência do dever de
regulamentar e julgada a ilegalidade por omissão, a sentença terá por efeito o
preceituado no artigo 77º número 2: a sentença disso dará conhecimento à entidade competente, fixando prazo, não
inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida. A sentença terá
assim um duplo sentido: o declarativo, por dar conhecimento da existência de
uma ilegalidade por omissão; e o cominatório, por prever a fixação de um
prazo para adopção das normas
regulamentares. Podemos então dizer que a sentença de declaração de ilegalidade
por omissão do dever de regulamentar proferidas pelos tribunais administrativos
vão mais longe do que os acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional em
matéria de fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, prevista no
artigo 283º número 2 do texto fundamental.
O professor Mário Aroso de Almeida, por sua vez, diz que a
sentença que declara a ilegalidade por omissão do dever de regulamentar está
mais próxima de uma sentença de condenação do que de uma sentença meramente
declarativa, exactamente por impor um dever de regulamentar dentro de um
determinado prazo fixado.
Na perspectiva do professor Vasco Pereira da
Silva, nada obsta ao estabelecimento prévio da possibilidade de condenação da
AP à produção da norma regulamentar devida, tal como feito em relação a actos
administrativos devidos. Reconhecida a existência do dever de regulamentar, não
considera que esteja em causa o bem-estar da separação de poderes, pois deveria
haver recurso à distinção de uma de duas hipóteses:
- a de existência de um dever legal de emissão de regulamento mesmo que a lei confira à entidade dotada de poder regulamentar uma larga margem de discricionariedade na conformação do conteúdo: aqui, o tribunal administrativo deve limitar-se à condenação na emissão de regulamento, cabendo à AP a responsabilidade pela escolha do conteúdo da norma administrativa (podendo o juiz fornecer algumas indicações quanto ao modo correcto de exercício desse poder discricionário);
- a de não existência do dever legal de regulamentar, mas sim de ele possuir um determinado conteúdo indicado pelo legislador, como é nos casos de regulamentos de execução, em que existe um cordão umbilical que o liga directamente à lei. Nestes casos não há dúvida de que pode existir uma sentença de condenação na emissão de regulamento com um determinado conteúdo, como sucede em similares actos administrativos.
Em conclusão, podemos afirmar que o legislador podia ter ido mais longe ao fixar o regime da declaração de ilegalidade por omissão, mas a verdade é que o regime actual representa um enorme progresso em relação ao regime anterior, que possibilita o aprofundar do instituto em ulteriores revisões da reforma, criando-se uma acção de condenação na emissão do regulamento devido. Contudo, o regime actual permite já ampliar a eficácia cominatória das sentenças de declaração de ilegalidade por omissão mediante a fixação de sanção pecuniária compulsória logo no processo declarativo, de acordo com o regime geral do instituto fixado no artigo 3º número 2 do CPTA.
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