sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Declarando a ilegalidade por omissão: de Caupers às futuras revisões da Reforma

É originário da reforma do Contencioso Administrativo o mecanismo processual de reacção contra omissões ilegais de emissão de regulamentos. A feliz introdução deste meio processual no nosso ordenamento era defendida já antes da reforma do Contencioso se tornar real por professores como João Caupers, que considerava que a inércia regulamentar, para além de um prazo razoável (...) constituía em si mesma, violação de um dever jurídico de regulamentar, decorrente, expressa ou implicitamente, da norma legal. Sendo assim, seria de conceder aos tribunais administrativos competências declararem a existência de uma determinada violação através de sentenças, fixando seguidamente um prazo para produzir a regulamentação anteriormente omissa. É da responsabilidade do professor Paulo Otero a retoma da proposta de Caupers, sugerindo o primeiro a criação de um mecanismo análogo ao da fiscalização da constitucionalidade por omissão, permitindo que tribunais administrativos, verificada a existência da ilegalidade por omissão de normas regulamentares, dessem disso conhecimento ao órgão administrativo competente; sugestão essa que surgiu num contexto de discussão pública da reforma do Contencioso.

Surge então pela primeira vez a possibilidade de, por intermédio de acção administrativa especial, suscitar um pedido de apreciação da ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas. Esse dever de regulamentar (que não é cumprido) pode resultar de uma remissão implícita para o poder regulamentar em virtude da incompletude ou inexequibilidade do acto legislativo em questão, ou resultar de uma referência directa da lei. O dever de regulamentar tanto pode estar ligado a regulamentos de execução que visem completar um concreta lei, como ligado a regulamentos autónomos em que a Administração possui maior margem de conformação normativa e, por isso, pode em qualquer dos casos verificar-se a omissão.

Quando verificada a existência do dever de regulamentar e julgada a ilegalidade por omissão, a sentença terá por efeito o preceituado no artigo 77º número 2: a sentença disso dará conhecimento à entidade competente, fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida. A sentença terá assim um duplo sentido: o declarativo, por dar conhecimento da existência de uma ilegalidade por omissão; e o cominatório, por prever a fixação de um prazo  para adopção das normas regulamentares. Podemos então dizer que a sentença de declaração de ilegalidade por omissão do dever de regulamentar proferidas pelos tribunais administrativos vão mais longe do que os acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, prevista no artigo 283º número 2 do texto fundamental.

O professor Mário Aroso de Almeida, por sua vez, diz que a sentença que declara a ilegalidade por omissão do dever de regulamentar está mais próxima de uma sentença de condenação do que de uma sentença meramente declarativa, exactamente por impor um dever de regulamentar dentro de um determinado prazo fixado.

Na perspectiva do professor Vasco Pereira da Silva, nada obsta ao estabelecimento prévio da possibilidade de condenação da AP à produção da norma regulamentar devida, tal como feito em relação a actos administrativos devidos. Reconhecida a existência do dever de regulamentar, não considera que esteja em causa o bem-estar da separação de poderes, pois deveria haver recurso à distinção de uma de duas hipóteses:
  • a de existência de um dever legal de emissão de regulamento mesmo que a lei confira à entidade dotada de poder regulamentar uma larga margem de discricionariedade na conformação do conteúdo: aqui, o tribunal administrativo deve limitar-se à condenação na emissão de regulamento, cabendo à AP a responsabilidade pela escolha do conteúdo da norma administrativa (podendo o juiz fornecer algumas indicações quanto ao modo  correcto de exercício desse poder discricionário);
  •  a de não existência do dever legal de regulamentar, mas sim de ele possuir um determinado conteúdo indicado pelo legislador, como é nos casos de regulamentos de execução, em que existe um cordão umbilical que o liga directamente à lei. Nestes casos não há dúvida de que pode existir uma sentença de condenação na emissão de regulamento com um determinado conteúdo, como sucede em similares actos administrativos.
Em conclusão, podemos afirmar que o legislador podia ter ido mais longe ao fixar o regime da declaração de ilegalidade por omissão, mas a verdade é que o regime actual representa um enorme progresso em relação ao regime anterior, que possibilita o aprofundar do instituto em ulteriores revisões da reforma, criando-se uma acção de condenação na emissão do regulamento devido. Contudo, o regime actual permite já ampliar a eficácia cominatória das sentenças de declaração de ilegalidade por omissão mediante a fixação de sanção pecuniária compulsória logo no processo declarativo, de acordo com o regime geral do instituto fixado no artigo 3º número 2 do CPTA.

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