- A divisão da doutrina -
É o artigo 166º que dá o mote à temática do recurso hierárquico necessário dizendo que “podem ser
objecto de recurso hierárquico todos os actos administrativos praticados por
órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos”. Na verdade, o recurso hierárquico é
um mecanismo através do qual o superior hierárquico pode exercer os seus
poderes de intervenção sobe o resultado do exercício das competências do
subalterno ( poderes de supervisão e de substituição) em coerência com as suas
responsabilidade e legitimidade democrática acrescidas. A discussão adensa-se
quanto no artº 167º se diz que o recurso hierárquico pode ser necessário ou
facultativo. Esta foi uma problemática a que a doutrina dispensou largas horas
e muito se escreveu sobre o assunto quer antes da reforma de 2003 quer
posteriormente. A pergunta que subsiste é saber se após a Reforma de 2003,
ainda existe a figura do recurso hierárquico necessário ou se, pelo contrário, este
se extinguiu. Uma das inovação trazidas pela reforma de 2003 foi o CPTA deixar de exigir a prévia impugnação
administrativa dos actos administrativos ( objecto de impugnação contenciosa).
Daí, a extinção da exigência da definitividade vertical (artº 51/1) , consagrando
assim, a impugnabilidade de qualquer acto administrativo que cumpra os
requisitos elencados. Constatamos que se afastou expressamente a exigência do
recurso hierárquico necessário assim como o artigo 59º, nº 4 e 5 CPTA vai neste
sentido.
Dito isto, o Professor Vasco Pereira da Silva antes da
reforma defendia a tese de inconstitucionalidade do recurso hierárquico
necessário invocando os seguintes argumentos:
1. Devido ao princípio constitucional da tutela
dos direitos dos particulares (268/4 crp) uma vez que a inadmissibilidade de
recurso contencioso quando não tenha existido antes o recurso hierárquico
necessário equivale a uma verdadeira
negação do direito fundamental de recurso contencioso.
2.
Devido ao princípio constitucional da separação
entre a Administração e justiça (114°, 205°,266° e ssgs crp) faz precludir o
direito de acesso ao tribunal em resultado da não utilização de uma garantia
administrativa.
3.
Devido ao princípio constitucional da
desconcentração administrativa (267°/2 crp) que implica a imediata
recorribilidade dos actos dos subalternos sempre que haja lesão.
4.
Devido ao princípio constitucional da
efetividade da tutela (268°/4 crp) devido ao efeito preclusivo da
Impugnabilidade de decisão administrativa, no caso de não ter havido interposição
previa de recurso hierárquico no prazo de 30 dias reduzindo o prazo de
impugnação de actos administrativos.
Contudo, esta posição não era acompanhada pela maioria da
doutrina e jurisprudência aliás no acórdão n° 499/96 do TC ( com anotação feita
por Vieira de Andrade) pronuncia-se no sentido da não inconstitucionalidade do
recurso hierárquico necessário. O Professor Vasco Pereira da Silva continua a
pregar as suas ideias dizendo que mesmo com a reforma estes argumentos são
válidos. Consideram portanto, que o legislador da reforma vem de forma expressa e inequívoca afastar a necessidade de recurso
hierárquico necessário como condição de acesso à justiça administrativa.
Refira-se que a distinção entre recurso hierárquico
necessário e facultativo relacionava-se intimamente com a questão de saber se o
acto administrativo era ou não susceptível de recurso contencioso. Nada tinha a
ver com a existência nem com a produção de efeitos do acto administrativo. Os
argumentos que estão na base da desnecessidade de recurso hierárquico
necessário como pressuposto de impugnação contencioso dos actos administrativos
são:
1.
Consagração da Impugnabilidade contencioso de
qualquer acto administrativo que seja susceptível de lesar direitos ou
interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja dotado de
eficácia externa. Devido ao facto de não haver no código de processo administrativo
uma referência, expressa ou implícita, à necessidade de prévia interposição de
uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos, ela deve ser
interpretado como tendo sido afastada pela legislação contenciosa.
2.
Atribuição de efeito suspensivo do prazo de
impugnação contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias
administrativas. Dá uma maior eficácia à utilização de garantias
administrativas. O particular tira vantagens em solicitar previamente uma
“segunda opinião “ por parte da administração. O professor Vasco Pereira da
Silva acha que o legislador poderia dar mais um passo no sentido de garantir a
plena eficácia e utilidade das garantias administrativas, ou seja, determinar
não apenas o efeito suspensivo do prazo
de impugnação contenciosa mas também o efeito suspensivo da própria execução de
decisão administrativa generalizando a todas as garantias administrativas o
regime jurídico que se encontra estabelecido para os casos de recurso
hierárquico necessário.
3.
Estabelecimento da regra segundo a qual mesmos nos casos em que o particular utilizou
previamente uma garantia administrativa e beneficiou da suspensão do prazo de
impugnação contenciosa isso não impede a possibilidade de imediata impugnação
contenciosa do acto administrativo. Isto significa o inequívoco afastamento do
recurso hierárquico necessário bem como de qualquer outra garantia
administrativa. Assim, o particular tem a possibilidade de escolher entre
utilizar previamente uma garantia graciosa ou de aceder desde logo ao tribunal.
Como tal, todas as garantias administrativas passaram a ser “facultativas”
deixando de depender o acesso ao juiz. Concluímos que o Código de Processo
consagrou o afastamento da regra do recurso hierárquico necessário como de outras
garantias administrativas. Isto ao mesmo tempo que comina o efeito suspensivo
automático do prazo de impugnação contenciosa das decisões administrativas
decorre da prévia utilização das garantias administrativas de forma a aumentar
a respectiva eficácia. Contudo, surge uma interpretação restritiva do regime
jurídico segundo o qual se estaria apenas perante uma revogação da regra geral
da exigência de recurso hierárquico necessário mas não implicaria a revogação
de regras especiais. O Professor Vasco Pereira da Silva não concorda com esta
interpretação pois considera que contraria disposições constitucionais como o
regime jurídico consagrado no Código de
Processo Administrativo. Mais argumentos são apresentados.
Por outro lado, o Professor Vasco Pereira da Silva considera
que enquanto não sobreviver a intervenção do legislador do procedimento deve-se
considerar que o particular lesado por um acto administrativo de um subalterno
que preenchesse a previsão do anterior recurso hierárquico necessário pode
optar por três vias:
1.
Intentar acção administrativa especial que
poderá ser acompanhada por um pedido cautelar de suspensão da eficácia do acto
administrativo
2.
Proceder à prévia impugnação hierárquica e só
depois utilizar ou não a via contenciosa
3.
Impugnar hierarquicamente a decisão
administrativa que goza do efeito de suspensão de eficácia mas tendo ainda a
possibilidade de aceder a tribunal (sem ter de esperar pela decisão de recurso
hierárquico).
Os grandes opositores destes argumentos apoiam-se nas posições
do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo pois consideram
que não cabe à Constituição estabelecer os pressupostos de que possa depender a
impugnação dos actos administrativos.
Em suma, a problemática em analise é a seguinte: enquanto
uns defendem uma interpretação restritiva/minimalista do novo regime jurídico (
para o Professor Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, o novo regime não
influenciou as regras especiais) outros defendem uma interpretação
ampla/maximalista do regime considerando que o legislador da reforma afastou,
de modo expresso e inequívoco, a existência de recurso hierárquico necessário
afectando normas gerais e especiais (posição perfilhada pelo Professor. Vasco
Pereira da Silva e Paulo Otero). A querela doutrinal parte das diferentes
concepções que os autores das intenções que motivaram o legislador da reforma.
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