quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O recurso hierárquico necessário


 
                                             - A divisão da doutrina -

É o artigo 166º que dá o mote à temática do recurso hierárquico necessário dizendo que “podem ser objecto de recurso hierárquico todos os actos administrativos praticados por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos”. Na verdade, o recurso hierárquico é um mecanismo através do qual o superior hierárquico pode exercer os seus poderes de intervenção sobe o resultado do exercício das competências do subalterno ( poderes de supervisão e de substituição) em coerência com as suas responsabilidade e legitimidade democrática acrescidas. A discussão adensa-se quanto no artº 167º se diz que o recurso hierárquico pode ser necessário ou facultativo. Esta foi uma problemática a que a doutrina dispensou largas horas e muito se escreveu sobre o assunto quer antes da reforma de 2003 quer posteriormente. A pergunta que subsiste é saber se após a Reforma de 2003, ainda existe a figura do recurso hierárquico necessário ou se, pelo contrário, este se extinguiu. Uma das inovação trazidas pela reforma de 2003 foi  o CPTA deixar de exigir a prévia impugnação administrativa dos actos administrativos ( objecto de impugnação contenciosa). Daí, a extinção da exigência da definitividade vertical (artº 51/1) , consagrando assim, a impugnabilidade de qualquer acto administrativo que cumpra os requisitos elencados. Constatamos que se afastou expressamente a exigência do recurso hierárquico necessário assim como o artigo 59º, nº 4 e 5 CPTA vai neste sentido.

Dito isto, o Professor Vasco Pereira da Silva antes da reforma defendia a tese de inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário invocando os seguintes argumentos:

1.        Devido ao princípio constitucional da tutela dos direitos dos particulares (268/4 crp) uma vez que a inadmissibilidade de recurso contencioso quando não tenha existido antes o recurso hierárquico necessário equivale a uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso.
 
2.       Devido ao princípio constitucional da separação entre a Administração e justiça (114°, 205°,266° e ssgs crp) faz precludir o direito de acesso ao tribunal em resultado da não utilização de uma garantia administrativa. 

3.       Devido ao princípio constitucional da desconcentração administrativa (267°/2 crp) que implica a imediata recorribilidade dos actos dos subalternos sempre que haja lesão.

4.       Devido ao princípio constitucional da efetividade da tutela (268°/4 crp) devido ao efeito preclusivo da Impugnabilidade de decisão administrativa, no caso de não ter havido interposição previa de recurso hierárquico no prazo de 30 dias reduzindo o prazo de impugnação de actos administrativos.

Contudo, esta posição não era acompanhada pela maioria da doutrina e jurisprudência aliás no acórdão n° 499/96 do TC ( com anotação feita por Vieira de Andrade) pronuncia-se no sentido da não inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário. O Professor Vasco Pereira da Silva continua a pregar as suas ideias dizendo que mesmo com a reforma estes argumentos são válidos. Consideram portanto, que o legislador da reforma vem de forma expressa e inequívoca afastar a necessidade de recurso hierárquico necessário como condição de acesso à justiça administrativa.

Refira-se que a distinção entre recurso hierárquico necessário e facultativo relacionava-se intimamente com a questão de saber se o acto administrativo era ou não susceptível de recurso contencioso. Nada tinha a ver com a existência nem com a produção de efeitos do acto administrativo. Os argumentos que estão na base da desnecessidade de recurso hierárquico necessário como pressuposto de impugnação contencioso dos actos administrativos são:

1.       Consagração da Impugnabilidade contencioso de qualquer acto administrativo que seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja dotado de eficácia externa. Devido ao facto de não haver no código de processo administrativo uma referência, expressa ou implícita, à necessidade de prévia interposição de uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos, ela deve ser interpretado como tendo sido afastada pela legislação contenciosa.

2.       Atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias administrativas. Dá uma maior eficácia à utilização de garantias administrativas. O particular tira vantagens em solicitar previamente uma “segunda opinião “ por parte da administração. O professor Vasco Pereira da Silva acha que o legislador poderia dar mais um passo no sentido de garantir a plena eficácia e utilidade das garantias administrativas, ou seja, determinar não apenas o efeito suspensivo  do prazo de impugnação contenciosa mas também o efeito suspensivo da própria execução de decisão administrativa generalizando a todas as garantias administrativas o regime jurídico que se encontra estabelecido para os casos de recurso hierárquico necessário.

3.       Estabelecimento da regra segundo a qual  mesmos nos casos em que o particular utilizou previamente uma garantia administrativa e beneficiou da suspensão do prazo de impugnação contenciosa isso não impede a possibilidade de imediata impugnação contenciosa do acto administrativo. Isto significa o inequívoco afastamento do recurso hierárquico necessário bem como de qualquer outra garantia administrativa. Assim, o particular tem a possibilidade de escolher entre utilizar previamente uma garantia graciosa ou de aceder desde logo ao tribunal. Como tal, todas as garantias administrativas passaram a ser “facultativas” deixando de depender o acesso ao juiz. Concluímos que o Código de Processo consagrou o afastamento da regra do recurso hierárquico necessário como de outras garantias administrativas. Isto ao mesmo tempo que comina o efeito suspensivo automático do prazo de impugnação contenciosa das decisões administrativas decorre da prévia utilização das garantias administrativas de forma a aumentar a respectiva eficácia. Contudo, surge uma interpretação restritiva do regime jurídico segundo o qual se estaria apenas perante uma revogação da regra geral da exigência de recurso hierárquico necessário mas não implicaria a revogação de regras especiais. O Professor Vasco Pereira da Silva não concorda com esta interpretação pois considera que contraria disposições constitucionais como o regime jurídico  consagrado no Código de Processo Administrativo. Mais argumentos são apresentados.

Por outro lado, o Professor Vasco Pereira da Silva considera que enquanto não sobreviver a intervenção do legislador do procedimento deve-se considerar que o particular lesado por um acto administrativo de um subalterno que preenchesse a previsão do anterior recurso hierárquico necessário pode optar por três vias:

1.       Intentar acção administrativa especial que poderá ser acompanhada por um pedido cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo

2.       Proceder à prévia impugnação hierárquica e só depois utilizar ou não a via contenciosa

3.       Impugnar hierarquicamente a decisão administrativa que goza do efeito de suspensão de eficácia mas tendo ainda a possibilidade de aceder a tribunal (sem ter de esperar pela decisão de recurso hierárquico).

Os grandes opositores destes argumentos apoiam-se nas posições do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo pois consideram que não cabe à Constituição estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação dos actos administrativos.
Em suma, a problemática em analise é a seguinte: enquanto uns defendem uma interpretação restritiva/minimalista do novo regime jurídico ( para o Professor Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, o novo regime não influenciou as regras especiais) outros defendem uma interpretação ampla/maximalista do regime considerando que o legislador da reforma afastou, de modo expresso e inequívoco, a existência de recurso hierárquico necessário afectando normas gerais e especiais (posição perfilhada pelo Professor. Vasco Pereira da Silva e Paulo Otero). A querela doutrinal parte das diferentes concepções que os autores das intenções que motivaram o legislador da reforma.

 Margarida Quintino: 140109036

 

Sem comentários:

Enviar um comentário