quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Impugnação de Normas Regulamentares

A autonomização de um Contencioso Regulamentar é uma das características inovadoras do nosso Direito Administrativo, sobretudo quando comparado com outras experiencias Europeias que, ou não autonomizam o contencioso regulamentar do dos actos administrativos (modelo Francês), ou prevêem meios processuais de alcance restrito, relativos a determinadas categorias de regulamentos (modelo Alemão).
Este modelo consagrado pelo nosso legislador na revisão 1984/85 encontrou mais tarde consagração constitucional, através da revisão de 1997, que ao estabelecer a garantia de tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, integrou no conteúdo desse direito, o direito dos cidadãos a “impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (268º nº5 CRP).
Como distinguir Regulamento de Acto Administrativo? Problema teórico muito discutido ao longo das ultimas décadas, importando considerar a posição do Professor Vasco Pereira da Silva “no nosso ordenamento jurídico, só os actos administrativos têm de gozar simultaneamente de individualidade e de concretude, ao passo que – “a contrariu sensu” – todas as disposições unilaterais que sejam só gerais, ou só abstractas, para além das que possuam ambas as características, são de considerar como regulamentos administrativos”.
Antes da reforma de 1984 o Contencioso dos Regulamentos era, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva um contencioso marcado por uma enorme Esquizofrenia, na medida em que se previa dois meios processuais de reacção a regulamentos administrativos que eram sobreponíveis: declaração de ilegalidade de normas administrativas (utilizável contra qualquer norma regulamentar); impugnação de regulamentos administrativos (utilizável apenas em relação aos regulamentos provenientes da Administração Pública local).
Com a Reforma de 1985 foram estabelecidas novas soluções e novo regime que o Professor considera manifestamente criticáveis. Por um lado, houve uma uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar pondo termo aquela esquizofrenia da dicotomia de meios processuais sobreponíveis antes existente. Para além disso, foi estabelecido um regime uniforme tomando como base o anterior meio processual “genérico” ainda que com a introdução de alterações e de restrições aos requisitos de apreciação das normas regulamentares.
Analisando este novo regime, o legislador distingue três regras distintas:
  • A regra geral é a de que a declaração de ilegalidade depende da existência de três casos concretos em que “a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal (…), com fundamento na sua ilegalidade” (artigo 73º nº1 Código Processo Administrativo)
  • Em relação à Acção Pública, o Ministério Público pode pedir a declaração de ilegalidade, mesmo quando não se verifiquem os três casos concretos de desaplicação (se se verificarem tem mesmo um dever de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral) – ampliação da intervenção do Ministério Público
  •       No respeitante à acção para defesa de direitos e à acção popular, a declaração de ilegalidade também pode ter lugar quando se trate de norma jurídica imediatamente exequível – ainda que neste caso a declaração produza efeitos apenas no caso concreto (artigo 73º nº2 Código Processo Administrativo)  
Analisando este regime, em primeiro lugar é criticável a contraposição particular/actor popular e actor público no que respeita às condições de que depende a impugnação de regulamentos – equivale a fazer do Ministério Público o principal responsável pela impugnação de normas jurídicas, enquanto que a intervenção dos particulares está depende da existência de três casos concretos de não aplicação ou de se tratar de normas exequíveis por si mesmas. Não se compreende este tratamento diferenciado, uma vez que ambos actuam para defesa da legalidade e do interesse público.
Mais correto seria equiparar o actor popular ao Ministério Público mas não ao particular. Esta solução é ainda mais aberrante se considerarmos que a nossa Lei também reconhece que o actor popular pode solicitar a intervenção do Ministério Público, podendo mesmo vir a constituir-se como assistente – não se verificando esta possibilidade para os particulares.
Professor Vasco Pereira da Silva sugere uma interpretação correctiva do artigo 72º nº3 do Código Processo Administrativo.
Em segundo lugar, é também de criticar o facto de o particular ser tratado de forma mais desfavorável do que era na versão esquizofrénica pré-reforma. Apesar da forte componente objectiva do contencioso dos regulamentos, não se compreende que seja esquecida a sua dimensão subjectiva que se traduz desde logo no facto de os regulamentos serem formas de actuação administrativa susceptíveis de produzir efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares (que podem ser inclusivamente iguais aos produzidos por um acto administrativo).
Este tratamento desfavorável do particular é ainda menos compreensível se considerarmos que com a Revisão Constitucional de 1997 foi introduzido no artigo 268º nº5 um direito fundamental de acesso à justiça administrativa.

Assim sendo, apesar de se ter acabado com aquela dualidade de meios processuais sobreponíveis, esse resultado foi conseguido à custa da restrição dos direitos dos particulares – professor ironiza que é como se a referida “esquizofrenia” tivesse sido resolvida mediante a aplicação do método drástico dos “electrochoques”.

Diogo Pinto
140111018

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