domingo, 2 de novembro de 2014

Recurso Hierárquico Necessário na Reforma

Um dos grandes paradigmas do direito administrativo era ou é, a figura do recurso hierárquico necessário, o qual tem grandes repercussões no plano do direito substantivo, mas de igual forma no direito processual.

No que ao direito substantivo diz respeito, a figura do recurso hierárquico necessário encontra-se consagrada nos artigos 166.º e sgs. do CPA.
No plano processual, a este meio de impugnação graciosa fazia-se corresponder um meio contencioso especial, o recurso contencioso de anulação antes da reforma.


Ora o Professor Vasco Pereira da Silva já antes de se proceder à reforma neste âmbito, defendia a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário com base em alguns argumentos como por exemplo:
a)                     Por violação do principio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares, pois a inadmissibilidade de recurso contencioso quando não tenha existido previamente o recurso hierárquico necessário, o que equivale a uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso;
b)                    Por violação do principio constitucional da separação entre a Administração e a justiça, por fazer precludir o direito de acesso ao tribunal em resultado da não utilização de uma garantia administrativa;
c)                     Entre outros (Violação do princípio de desconcentração administrativa e da Efetividade da tutela)

Com a reforma do contencioso administrativo o regime do recurso hierárquico necessário alterou-se substancialmente sendo hoje quase, unânime, na doutrina e na jurisprudência, o afastamento da “necessidade” do recurso hierárquico enquanto pressuposto de impugnação contenciosa dos atos administrativos. O legislador da reforma veio afastar de modo expresso a necessidade de recurso hierárquico necessário como condição de acesso à justiça administrativa.
Efetivamente, a distinção entre recurso hierárquico necessário e facultativo expressa no artº167 do CPA (direito substantivo) tinha exclusivamente a ver com a questão de saber se o ato era ou não insusceptível de recurso contencioso – constituindo um mero pressuposto processual. O que levava à seguinte conclusão: o ato administrativo praticado pelo subalterno era idêntico ao praticado pelo superior hierárquico, produzindo os mesmos efeitos jurídicos, pelo que a necessidade da intervenção do órgão de topo da hierarquia só se verificaria se o particular pretendesse contestá-lo judicialmente.
            A reforma afasta a necessidade de recurso hierárquico como pressuposto de impugnação contenciosa dos atos administrativos, segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, através das seguintes disposições:

- Artigo 51.º, n.º 1 CPTA, que consagra a impugnabilidade de qualquer ato administrativo que seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ou, genericamente, que seja dotado de eficácia externa. Procedeu-se, portanto, à alteração do critério geral de impugnabilidade de atos administrativos o qual é agora mais abrangente. De uma forma geral, tanto os atos subalternos como os atos dos superiores hierárquicos são susceptíveis de serem impugnados.

- Artigo 59.º, n.º 5 CPTA- Desta norma resulta que, ainda que o particular recorra a uma garantia administrativa, tendo esta como efeito a suspensão do prazo do recurso contencioso, o particular é livre de recorrer de imediato aos meios contenciosos. O que significa o afastamento inequívoco da necessidade de recurso hierárquico, bem como de qualquer outra garantia administrativa. Sendo que o critério que servia de base à distinção entre este e o recurso hierárquico facultativo desaparece, sendo hoje qualquer ato administrativo impugnável contenciosamente nos termos gerais em que o CPTA o permite. Assim o particular tem a possibilidade não só de escolher entre:
a) Utilizar previamente uma garantia graciosa;
b) Aceder desde logo ao tribunal;
c) Nos casos em que decidiu fazer uso prévio da via administrativa, nada condicionou a faculdade de suscitar a imediata apreciação jurisdicional do litígio, já que o privado continua a poder optar por proceder à impugnação contenciosa do ato, assim como requerer as providencias cautelares que entender adequadas.


- A atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa de um ato administrativo à utilização de garantias administrativas - pelo artigo 59.º, n.º 4 CPTA. Este regime tem, em si, ínsito, um novo paradigma acerca das garantias administrativas, uma vez que vem reforçar o carácter útil das mesmas quando o particular julgue o ato administrativo como ilegal ou inconveniente. Isto porque ao acionar os meios de tutela administrativa o particular não vê prejudicado o seu direito fundamental de acesso à justiça administrativa e portanto de impugnação contenciosa, pelo decurso do prazo para esse efeito. Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, o legislador neste caso poderia ter ido ainda mais além e garantido a eficácia e utilidade das garantias administrativas – através da determinação não apenas do efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa, mas também o feito suspensivo da própria execução de decisão administrativa, generalizando assim a todas as garantias administrativas, o regime jurídico que se encontra estabelecido para os casos de recurso hierárquico necessário.


Sofia Ribeiro

Sem comentários:

Enviar um comentário