Um dos grandes paradigmas do direito administrativo era ou
é, a figura do recurso hierárquico necessário, o qual tem grandes
repercussões no plano do direito substantivo, mas de igual forma no direito
processual.
No que ao direito substantivo diz respeito, a figura do
recurso hierárquico necessário encontra-se consagrada nos artigos 166.º e sgs.
do CPA.
No plano processual, a este meio de impugnação graciosa
fazia-se corresponder um meio contencioso especial, o recurso contencioso de
anulação antes da reforma.
Ora o Professor Vasco Pereira da Silva já antes de se
proceder à reforma neste âmbito, defendia a inconstitucionalidade da regra do
recurso hierárquico necessário com base em alguns argumentos como por exemplo:
a)
Por violação do
principio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares,
pois a inadmissibilidade de recurso contencioso quando não tenha existido
previamente o recurso hierárquico necessário, o que equivale a uma verdadeira
negação do direito fundamental de recurso contencioso;
b)
Por violação do
principio constitucional da separação entre a Administração e a justiça,
por fazer precludir o direito de acesso ao tribunal em resultado da não
utilização de uma garantia administrativa;
c)
Entre outros (Violação do princípio de
desconcentração administrativa e da Efetividade da tutela)
Com a reforma do contencioso administrativo o regime do
recurso hierárquico necessário alterou-se substancialmente sendo hoje quase, unânime,
na doutrina e na jurisprudência, o afastamento da “necessidade” do recurso
hierárquico enquanto pressuposto de impugnação contenciosa dos atos
administrativos. O legislador da reforma veio afastar de modo expresso a
necessidade de recurso hierárquico necessário como condição de acesso à justiça
administrativa.
Efetivamente, a distinção entre recurso hierárquico
necessário e facultativo expressa no artº167 do CPA (direito substantivo) tinha
exclusivamente a ver com a questão de saber se o ato era ou não insusceptível
de recurso contencioso – constituindo um mero pressuposto processual. O que levava
à seguinte conclusão: o ato administrativo praticado pelo subalterno era
idêntico ao praticado pelo superior hierárquico, produzindo os mesmos efeitos
jurídicos, pelo que a necessidade da intervenção do órgão de topo da hierarquia
só se verificaria se o particular pretendesse contestá-lo judicialmente.
A reforma afasta a necessidade de
recurso hierárquico como pressuposto de impugnação contenciosa dos atos
administrativos, segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, através das seguintes
disposições:
- Artigo
51.º, n.º 1 CPTA, que consagra a impugnabilidade de qualquer ato administrativo
que seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos
particulares ou, genericamente, que seja dotado de eficácia externa.
Procedeu-se, portanto, à alteração do critério geral de impugnabilidade de atos
administrativos o qual é agora mais abrangente. De uma forma geral, tanto os
atos subalternos como os atos dos superiores hierárquicos são susceptíveis de
serem impugnados.
- Artigo
59.º, n.º 5 CPTA- Desta norma resulta que, ainda que o particular recorra a uma
garantia administrativa, tendo esta como efeito a suspensão do prazo do recurso
contencioso, o particular é livre de recorrer de imediato aos meios
contenciosos. O que significa o afastamento inequívoco da necessidade de
recurso hierárquico, bem como de qualquer outra garantia administrativa. Sendo que
o critério que servia de base à distinção entre este e o recurso hierárquico
facultativo desaparece, sendo hoje qualquer ato administrativo impugnável
contenciosamente nos termos gerais em que o CPTA o permite. Assim o particular
tem a possibilidade não só de escolher entre:
a)
Utilizar previamente uma garantia graciosa;
b)
Aceder desde logo ao tribunal;
c)
Nos casos em que decidiu fazer uso prévio da via administrativa, nada condicionou
a faculdade de suscitar a imediata apreciação jurisdicional do litígio, já que
o privado continua a poder optar por proceder à impugnação contenciosa do ato,
assim como requerer as providencias cautelares que entender adequadas.
- A
atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa de um ato
administrativo à utilização de garantias administrativas - pelo artigo 59.º,
n.º 4 CPTA. Este regime tem, em si, ínsito, um novo paradigma acerca das
garantias administrativas, uma vez que vem reforçar o carácter útil das mesmas
quando o particular julgue o ato administrativo como ilegal ou inconveniente.
Isto porque ao acionar os meios de tutela administrativa o particular não vê
prejudicado o seu direito fundamental de acesso à justiça administrativa e
portanto de impugnação contenciosa, pelo decurso do prazo para esse efeito.
Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, o legislador neste caso poderia ter ido
ainda mais além e garantido a eficácia e utilidade das garantias
administrativas – através da determinação não apenas do efeito suspensivo do
prazo de impugnação contenciosa, mas também o feito suspensivo da própria
execução de decisão administrativa, generalizando assim a todas as garantias
administrativas, o regime jurídico que se encontra estabelecido para os casos
de recurso hierárquico necessário.
Sofia Ribeiro
Sofia Ribeiro
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