domingo, 2 de novembro de 2014

CASO PRÁTICO II


Estamos perante um caso da competência dos tribunais administrativos, nos termos do art.º 4º nº1 alíneas a) (tutela de direitos fundamentais, neste caso o direito de propriedade – art.º 62º da CRP) e g) (responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público).
O Dr. Anacleto, para reagir contenciosamente, deve intentar uma acção de impugnação de actos administrativos (art.º 50º e ss.), podendo cumular os pedidos de anulação e de condenação da administração ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais (art.º 4º nº1 a) e nº2 f)). Embora haja cumulação de pedidos, a forma de processo seguirá a forma da acção administrativa especial, com as adaptações necessárias (art.º 5º nº1).
Assim, o pedido imediato, ou seja, o efeito pretendido pelo autor, é a anulação e o pagamento de uma indemnização, enquanto o pedido mediato, isto é, o direito que esse efeito visa defender, é o direito de propriedade do Dr. Anacleto.
A causa de pedir, que num contencioso subjectivista como o nosso, é entendida em conexão com as pretensões das partes (resulta do art.º 95/1 CPTA), é a actuação administrativa trazida a juízo de acordo com as alegações das partes, ou seja, a violação do direito de propriedade do Dr. Anacleto com a construção do aterro.
Num contencioso pleno, tanto o particular como a administração são partes que defendem as suas posições perante o juiz: a administração defende a legalidade e interesse público e o particular o seu direito.
Os pressupostos processuais da acção de impugnação de actos administrativos são:

1.  Acto administrativo impugnável;
2.   Legitimidade;
3. Oportunidade.

No presente caso, estamos perante uma acto administrativo impugnável, uma vez que na acção jurídica subjectiva o critério para aferir este pressuposto é a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos (o direito de propriedade do Dr. Anacleto).
Há também legitimidade activa do Dr. Anacleto, nos termos do art.º 55º nº1 a) e 9/1, uma vez que alega ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Há legitimidade passiva da Câmara Municipal nos termos do art.º 10/1. A alegação do Presidente da Câmara Municipal de que o Dr. Anacleto não teria legitimidade para propor a acção na medida em que o aterro sanitário se encontra a mais de 1KM de distância da sua propriedade, pode significar que o Dr. Anacleto não tem interesse na demanda, porque a construção do aterro não afecta o seu direito de propriedade, mas não deixaria de ter legitimidade, porque poderia ter legitimidade nos termos do art.º 55/1 f) que remete para o art.º 9/2 que estatui que, independentemente de ter interesse na demanda, qualquer pessoa tem legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, que neste caso seriam o ambiente e qualidade de vida.
Quanto à oportunidade, o Presidente da Câmara Municipal alega que já decorreu o prazo para impugnar os actos administrativos, previsto no art.º 58º nº2 b) que prevê o prazo de três meses. Não havendo dados no caso, se esse prazo já tiver decorrido, pode haver possibilidade de impugnar o acto dentro do prazo de 1 ano desde que haja uma das razões justificativas enunciadas no art.º 58/4. Para além disso, o decurso do prazo só tem efeitos processuais, o particular deixa de poder impugnar aquele acto, mas não perde o direito de tutelar os direitos que são lesados por aquele acto, não havendo nenhum efeito de sanação do acto pelo decurso do prazo (o art.º 38º reforça esta ideia). Aquilo que se veda pelo decurso do prazo é a possibilidade de obter efeito que resultaria da anulação do acto, mas não outros efeitos, pelo que, mesmo que tivesse decorrido o prazo, poderia sempre pedir a indemnização pelos danos patrimoniais causados pelo acto.
O Presidente da Câmara Municipal alega que o Dr. Anacleto aceitou o acto administrativo praticado na medida em que já depois de ter tido conhecimento da sua emissão adquiriu outra propriedade contígua ao aterro.
O art.º 56º vem estabelecer que não pode impugnar um acto, quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado.
Neste caso, de acordo com a alegação supracitada, estaríamos perante uma aceitação tácita do acto que precludiria o direito de o impugnar contenciosamente.
Este artigo vem inserido sistematicamente a propósito da legitimidade processual na modalidade de impugnação de actos administrativos da acção administrativa especial, mas é um pressuposto autónomo que é o interesse em agir. É duvidoso que isto possa precludir o direito fundamental de impugnação que é um direito indisponível (art.º 268º nº4 CRP). Esta dúvida ainda se adensa mais quanto à aceitação tácita. Qual o comportamento que mostra que o destinatário do acto se conforma com ele? A compra de um terreno contíguo é um facto que com toda a probabilidade revela a vontade de se conformar com a construção do aterro?
O princípio solve et repete implica que o destinatário possa aceitar produção de efeitos e depois impugnar e não se vê razão para isso não ser legitimo.
Para além disso, a formulação do art.º 56º é errada: o particular deve poder a qualquer momento impugnar o acto, só não pode se estivermos perante um direito disponível, se o fizer por escrito e se estiver em causa um interesse fundamental da administração.

Inês Chorro - 140111062

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